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5.1 DAS CLÁUSULAS GERAIS 139

5.1.2 Características das cláusulas gerais 141

Para se delinear uma estrutura padrão das cláusulas gerais, algumas características aparecem como constantes indispensáveis para a demarcação do perfil das mesmas, como seu papel enquanto técnica legislativa, sua vagueza semântica, além da precisão de sua dimensão, mormente quando cotejadas com os conceitos jurídicos indeterminados.

Assim sendo, a cláusula geral desempenha seu papel enquanto técnica legislativa na medida em que rompe com outro modelo legislativo, denominado casuística, que consiste na elaboração de normas compostas de determinações

221 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua

execução, os princípios de probidade e boa-fé.

222 Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou

convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

específicas dos elementos que compõem a fattispecie, ou seja, desde logo o legislador fixa os critérios para aplicar determinada qualificação aos fatos (descrição de tipos de comportamento), de forma o mais completa possível, não havendo vacilações do aplicador para definir o seu sentido e alcance, de forma a se evitar generalizações amplas.

É dizer, a cláusula geral, que não raramente é confundida com os conceitos jurídicos indeterminados, há de ter uma significação própria, então far-se-á bem em olhá-la como conceito que se contrapõe a uma elaboração casuística das hipóteses legais. Casuística é aquela configuração da hipótese legal (enquanto somatório dos pressupostos que condicionam a estatuição) que circunscreve particulares grupos de casos na sua especificidade própria223.

Percebe-se, então, que a casuística aproxima-se da subsunção, do tipo, “se A, então B”, onde nada ou muito pouco sobra, no caso concreto, para a criatividade do intérprete a fim de expor suas razões no disciplinamento do fato concreto. Contudo, essa técnica corre o risco de se tornar defasada em relação aos anseios sociais, à evolução da sociedade, fazendo surgir novas necessidades, interesses antes inexistentes e consequentemente novos conflitos, que restarão impossibilitados de resolução em razão da imutabilidade e rigidez da casuística.

Com efeito, critica-se a casuística, uma vez que a rigidez do sistema é fator de obsoletismo da norma e, consequentemente, de inteira dependência da atuação do Poder Legislativo para a constante edição de novas previsões, o que ocasiona inflação normativa, além de perda de eficácia social em muitas situações224.

Porém, as cláusulas gerais não padecem desse mal, uma vez que a elas é garantida a vantagem da mobilidade que se manifesta na imprecisão propositada dos termos da fattispecie que a compõe, ou seja, seu objetivo, diferentemente da casuística, não é a resposta prévia a todas as condutas, mas fornecer os instrumentos capazes de construir essas respostas de forma progressiva, pela jurisprudência.

223 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 10. ed. Tradução J. Baptista Machado.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000, p. 228.

224 ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. 1. ed. 2. tiragem (2007).

Com efeito, deve-se entender por cláusula geral uma formulação da hipótese legal que, em termos de grande generalidade abrange e submete a tratamento jurídico todo um domínio de casos225.

Ressalte-se, por outro lado, que não se trata de delegação de discricionariedade absoluta, próxima à arbitrariedade, porquanto as cláusulas gerais remetem os juízes a critérios aplicativos, isto é, valorações objetivamente válidas na sociedade, podendo-se falar em discricionariedade limitada.

Dessa forma, as cláusulas gerais são ao mesmo tempo indeterminadas e normativas, ao passo que não pode evidentemente dizer-se que as cláusulas gerais sejam a maioria das vezes também cláusulas discricionárias, antes pelo contrário: as cláusulas gerais não contêm qualquer delegação de discricionariedade, pois que remetem para valorações objetivamente válidas226.

Nesse sentido, a cláusula geral constitui uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, linguagem aberta, fluida ou vaga, dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe uma competência para que crie, desenvolva ou mesmo complemente uma norma jurídica, sempre em decisões fundamentadas, utilizando-se do processo hermenêutico, exigindo-se, portanto um ato de conhecimento, e não um ato de vontade227.

Ademais, o exposto não pode levar a conclusões equivocadas, no sentido de revolução paradigmática, uma vez que o uso da técnica legislativa baseada nas cláusulas gerais não significa, de modo algum, o abandono ou superação da casuística, que continua a sua existência independentemente das cláusulas gerais, ou seja, ambas convivem concomitantemente sem que se fale em colapso. Da mesma forma, não se deve imaginar que sejam técnicas contrárias, no sentido de haver uma verdadeira dicotomia. O que se pretendeu nas explanações acima foi identificar traços delineadores das cláusulas gerais a partir do cotejo com os aspectos da casuística.

Advirta-se, igualmente, que as cláusulas gerais não possuem o caráter de generalidade própria da lei, sem que isso se torne contraditório, haja vista que é

225 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 10. ed. Tradução J. Baptista Machado.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000, p. 229.

226 Ibid., p. 233.

227 SCHIER, Flora Margarida Clock. A boa-fé como pressuposto fundamental do dever de

mais prudente referir-se à técnica das cláusulas gerais a partir da vagueza como atributo principal e não da generalidade.

Por certo, conforme entendimento de Judith Martins-Costa, o que decididamente caracteriza as cláusulas gerais enquanto técnica é “ou o emprego de expressões ou termos vagos no delineamento da ‘fattispecie’ ou a conferência de um mandato – cujo significado pode ser semanticamente impreciso – ao juiz para, a partir dele, sejam concretizadoras as conseqüências normativas visadas”228.

Daí extrai-se a segunda característica das cláusulas gerais, a sua vagueza semântica, caracterizada especialmente pela imprecisão do significado, o que faz surgir, portanto, a regra segundo a qual a noções de diversos significados necessariamente correspondem noções diversas de vagueza.

Considere-se também importante para o delineamento do perfil das cláusulas gerias quando posta em cotejo com os conceitos jurídicos indeterminados. Nestes, apesar de termos vagos, a ação do juiz é de interpretação (muitas vezes subsunção), limitada a reportar ao fato concreto o termo vago, ao passo que na cláusula geral se exige do juiz atuação ativa para com a formulação da norma, isto é, nesse caso a operação intelectiva do juiz é mais complexa. Com efeito, apesar de em ambos incidir uma atividade valorativa pelo magistrado, nos conceitos jurídicos indeterminados o grau de abrangência e generalidade é por certo inferior229.

Com efeito, ao juiz não é concedido apenas o poder de estabelecer o significado do enunciado normativo (conceitos jurídicos indeterminados), mas, vai mais além, no caso das cláusulas gerais, uma vez que caberá ao juiz criar o direito, ao completar a “fattispecie” e ao determinar ou graduar as conseqüências. Portanto, pode-se afirmar que os conceitos jurídicos indeterminados estão ligados à técnica legislativa da casuística.

Nesse sentido, ao aplicar a norma que contenha um conceito jurídico indeterminado, o juiz não cria, mas opera a subsunção, porquanto tenha que analisar as conotações adequadas e as concepções éticas efetivamente vigentes nesse momento230.

228 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo

obrigacional. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 306.

229 Ibid., passin.

230 BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. São Paulo: LTR, 2003, p.