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No capítulo precedente realizou-se um estudo aprofundado da autonomia privada coletiva e verificou-se ser ela o poder das entidades sindicais criarem normas, ou seja, uma função normativa de entes privados, como consequência da mudança paradigmática das ciências jurídicas, caracterizada pela passagem do monismo jurídico para o pluralismo jurídico, em que se refuta o monopólio do Estado como centro produtor de normas jurídicas.

E a manifestação no mundo real dessa autonomia privada coletiva dos grupos intermediários, no presente caso, os sindicatos, consubstancia-se na negociação coletiva, momento no qual as partes interessadas buscam compor o conflito coletivo, criando, para isso, normas jurídicas, tendo como principal fundamento o pleno exercício da autonomia privada coletiva.

Para Arnaldo Süssekind, a negociação coletiva constitui o processo mais adequado para que se possa estruturar uma genuína rede de regras privadas, revistas e aprimoradas a cada exercício da autonomia privada coletiva, sempre objetivando reduzir a folga, o espaço faltante entre o trabalho e o capital, distância essa que não foi possível de ser corrigida pela intervenção legislativa138.

137 LIMA FILHO, Francisco das Chagas. Negociação coletiva e boa-fé: o princípio no ordenamento

brasileiro e espanhol. Curitiba: Decisório Trabalhista, 2008, p. 28.

138 SÜSSEKIND, Arnaldo. et alli. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. vol. 2. São Paulo: LTr,

Portanto, autonomia privada coletiva e negociação coletiva não se confundem, uma vez que esta decorre daquela, isto é, a negociação coletiva é o meio pelo qual a autonomia privada coletiva se manifesta.

Na negociação coletiva, as partes interessadas (sindicato profissional, empresas e sindicato econômico) reconhecem suas divergências e se reúnem para discuti-las e procurar lhes dar uma solução conveniente e razoável (standard de razoabilidade), capaz de manter a tranquilidade e a paz entre elas. Ademais, tratando-se de um regime democrático de direito, que reconhece constitucionalmente a autonomia privada coletiva, qualquer tema que interesse às partes pode ser motivo de debate e vir a constar do instrumento alcançável, encontrando limites na ordem pública e nos direitos mínimos trabalhistas determinados constitucionalmente139.

Diante disso, Arnaldo Süssekind define a negociação coletiva como sendo o processo democrático de autocomposição de interesses pelos próprios atores sociais, objetivando a fixação de condições de trabalho aplicáveis a uma coletividade de empregados de determinada empresa ou mesmo de toda uma categoria econômica e a regulação das relações entre as entidades estipulantes.

Completa o juslaboralista que a negociação coletiva consubstancia-se em um processo dinâmico de busca do ponto de equilíbrio entre interesses divergentes capaz de satisfazer, transitoriamente, as necessidades presentes dos trabalhadores e de manter equilibrados os custos de produção. Enfim, a negociação coletiva tem como finalidade chegar a um consenso, a um ponto de convergência por suas próprias forças em um exercício de transigência recíproca140.

Fica claro, diante disso, que os efeitos almejados em uma negociação coletiva são fugazes, não havendo que se sedimentar uma idéia de perenidade para as condições de trabalho reguladas no bojo de uma negociação coletiva, na medida em que os interesses coletivos decorrem das complexidades existentes na sociedade contemporânea, além do inesgotável antagonismo dos interesses entre o capital e o

139 MORAES FILHO, Evaristo de. Tendências do direito coletivo do trabalho. In: Relações coletivas

de trabalho: estudos em homenagem ao Ministro Arnaldo Süssekind. TEIXEIRA FILHO, João de

Lima (coordenador). São Paulo: LTr, 1989, p. 33.

140 SÜSSEKIND, Arnaldo; et alli. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. vol. 2. São Paulo: LTr,

trabalho, que a todo o momento motivam o surgimento de interesses ou mesmo a insatisfação dos já existentes.

Portanto, uma negociação coletiva traz em sua essência a indissociável idéia de transitoriedade da solução dos conflitos, o que permite afirmar que o objetivo de uma negociação coletiva não é necessariamente a composição de conflitos, mas sim a atenuação efêmera dos interesses antagônicos existentes em um dado lapso temporal.

Para Alfredo Ruprecht, a negociação coletiva é a que se celebra entre empregadores e trabalhadores ou seus respectivos representantes, de forma individual ou coletiva, com ou sem a intervenção do Estado, com o objetivo de se estabelecer condições de trabalho ou regulamentar as relações laborais entre as partes, ou seja, negociação coletiva consiste nos entendimentos para se chegar ao acordo, sendo totalmente irrelevante que se chegue ou não a um acordo141.

Há, dessa maneira, uma total dissociação entre a negociação coletiva e seu produto, que pode ser a convenção ou o acordo coletivo, de sorte que a negociação coletiva existe independentemente do seu resultado final, que é a formalização dos instrumentos coletivos de trabalho, isto é, o insucesso na formalização de uma convenção coletiva de trabalho, por exemplo, não anula a existência do diálogo que almejou um resultado prático.

A negociação coletiva pode ser definida, igualmente, como a forma ou processo espontâneo de entendimento entre empregados e empregadores, diretamente ou por meio dos seus respectivos representantes, tendo como finalidade solucionar conflitos de interesses decorrentes desta relação, além de definir e regulamentar condições de trabalho142. Nessa definição já é possível identificar-se um caráter permanente nas negociações coletivas, fato este que fora acima desconstituído, com base nos argumentos de Arnaldo Süssekind, no sentido de que é a transitoriedade da solução dos conflitos que marca a negociação coletiva de trabalho.

É possível acusar na definição supra que a negociação coletiva é considerada em um sentido lato, na medida em que admite a possibilidade de existência de

141 RUPRECHT, Alfredo. Relações coletivas de trabalho. trad. Edilson Alkmin Cunha. São Paulo:

LTr, 1995, p. 265.

142 SCUDELER NETO, Julio Maximiano. Negociação coletiva e representatividade sindical. São

negociação coletiva empreendida entre empregados e empregadores diretamente. Contudo, verificou-se anteriormente que um dos pressupostos da negociação coletiva é a presença de um conflito coletivo, ou seja, pretensões oriundas de um interesse coletivo, que não se resume à soma de interesses individuais, sendo, em verdade, um interesse da categoria.

Ter essa certeza em mente é imprescindível para a discussão acerca dos sujeitos destinatários do dever de informação incidente sobre a negociação coletiva de trabalho143.

Assim sendo, a negociação coletiva pressupõe a participação daqueles entes titulares do interesse em conflito, ou seja, negociação coletiva deve ser compreendida como aquela em que há, obrigatoriamente, a participação do sindicato, nos exatos termos da Constituição da República Federativa do Brasil144.

Observe-se que a obrigatoriedade de participação sindical restringe-se ao sindicato profissional, uma vez que a empresa isoladamente considerada já é entendida como um ente coletivo, haja vista a possibilidade de formalização de acordo coletivo de trabalho, que prescinde da participação do sindicato econômico, podendo a empresa ou o conjunto de empresas atuarem na negociação coletiva sem necessidade de sindicato como representante.

Nesse sentido, Délio Maranhão, para quem o empregador economicamente poderoso e que, por reunir sob o seu controle os meios de produção funcionalmente organizados, já representa, em si mesmo, uma coalizão145.

Portanto, a empresa isoladamente considerada, ou mesmo um conjunto de empresas, são tidos como um ente coletivo, o que permite a elaboração dos acordos coletivos de trabalho, ou seja, há uma negociação coletiva em que necessariamente a classe trabalhadora deve estar representada pelo respectivo sindicato profissional, contudo, não é obrigatória a presença do sindicato econômico figurando no pólo oposto, podendo a própria empresa ou um conjunto de empresas entabular a

143 Será realizada essa discussão no item 6.5.2.

144 CF/88, art. 8º, VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de

trabalho.

145 MARANHÃO, Délio. Direito do trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1993,

negociação coletiva que vise à formulação do acordo coletivo de trabalho, nos termos do § 1º, do art. 611 da Consolidação das Leis do Trabalho146.

Em que pese a existência de conflitos coletivos ou interesses antagônicos como circunstância antecedente à negociação coletiva de trabalho, esta busca o exercício de diálogo direto entre as partes, com o objetivo primordial de se chegar a pontos de consenso entre as reivindicações iniciais, mediante concessões mútuas para fins de se equilibrar as divergências e harmonizar, momentaneamente, o conflito de interesses.

Demonstrando aspecto definitivo na solução, bem como exigência de participação dos sindicatos nos dois pólos negocial, costuma-se definir a negociação coletiva como o esforço realizado pelas partes em conflito, representadas por seus sindicatos devidamente autorizados, em atenção a imperativos legais que visam ao equilíbrio na busca da solução das pretensões divergentes pelo processo de autocomposição147.

Mais uma vez deve-se registrar, em razão da definição supra, que na negociação coletiva não se encontram em condições de negociar apenas os sindicatos devidamente autorizados. Com efeito, para representar a categoria dos trabalhadores, o ente coletivo é o sindicato representativo; porém, quando se trata do lado econômico, não há exigência de que seja sempre o sindicato respectivo, uma vez que a própria empresa é considerada como um ente coletivo. Por isso mesmo, existem os institutos da convenção e do acordo coletivo de trabalho, este firmado entre sindicato profissional e uma empresa ou grupo de empresas, ao passo que aquele é firmado, após negociação coletiva, entre a organização sindical profissional, de um lado, e, necessariamente, o sindicato econômico de outro.

Portanto, da negociação coletiva bem-sucedida originam-se tanto o acordo coletivo de trabalho quanto a convenção coletiva de trabalho148.

146 Art. 611, § 1º - é facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar

Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho.

147 SÁ, Maria Cristina Haddad de. Negociação coletiva de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2002,

p. 37

148 Expõe Arnaldo Süssekind que o sucesso da negociação coletiva depende de alguns fatores,

especialmente: a) garantia da liberdade e da autonomia sindical; b) razoável índice de sindicalização do grupo representado e; c) espaço para a complementação e suplementação do sistema legal de proteção ao trabalho. (SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 572.)

Por isso mesmo, a negociação coletiva consubstancia-se em verdadeiro procedimento no qual as classes patronais e operárias, devidamente representadas pelos seus sindicatos (sendo obrigatório apenas para a segunda categoria), buscam produzir normas que dizem respeito às condições de trabalho para reger as suas relações, de maneira a harmonizar o conflito existente.

Considerando-se o contexto econômico, em que há uma precarização das relações de trabalho e do próprio trabalho como um todo, a negociação coletiva deve ser encarada como um instrumento mediante o qual os representantes sindicais e demais entidades representativas das categorias envolvidas ou interessadas na matéria busquem os melhores caminhos para o equilíbrio dos interesses149.

Ademais, a negociação coletiva pode ser definida, outrossim, sob o prisma de suas finalidades principais, isto é, fixar condições individuais de trabalho e estabelecer as condições para o relacionamento entre aqueles que se engajam nas relações coletivas de trabalho.

Além disso, a negociação coletiva traz consigo princípios essenciais, capazes de gerar deveres e direitos para as partes que negociam, além daqueles materializados nas cláusulas. Com efeito, a negociação coletiva é um processo dialético por meio do qual os trabalhadores e as empresas debatem uma agenda de direitos e obrigações, que envolvem matérias que dizem respeito ao conflito capital- trabalho, na busca de um acordo que possibilite o alcance de uma convivência pacífica em que impere o equilíbrio, a boa-fé e também a solidariedade humana, além do desejo pela paz social150.

Junte-se a isso o paradigma pós-positivista do direito, em que o valor justiça deve ser buscado em todas as instâncias do direito, o que inclui, definitivamente, a negociação coletiva, que não deve ser encarada apenas como meio de pacificação, mas, também deve ser protegida em si mesma, isto é, a defesa de uma negociação coletiva justa, em que as partes negociem efetivamente em situações de paridade, em que haja eficácia nos seus efeitos, com a produção de convenção ou acordo

149 SANTOS, Jonabio Barbosa dos. Liberdade sindical e negociação coletiva como direitos

fundamentais do trabalhador: princípios da Declaração de 1998 da OIT. São Paulo: LTr, 2008, p.

193.

150 DIAS, Carlos Eduardo Oliveira. Entre os cordeiros e os lobos: reflexões sobre os limites da

negociação coletiva nas relações de trabalho: a autonomia coletiva privada e a conformação das relações de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2009, p. 127.

coletivo de trabalho que estabeleçam, indubitavelmente, melhores condições de trabalho.