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5.2 A DISCIPLINA JURÍDICA DA BOA-FÉ 146

5.2.2 Boa-fé objetiva versus boa-fé subjetiva 150

De modo sucinto, Menezes Cordeiro entende a boa-fé subjetiva como sendo uma qualidade reportada ao sujeito, opondo-se, desse modo, à boa-fé objetiva, que traduz, de imediato, uma regra de comportamento245. Assim sendo, a boa-fé subjetiva pode ser entendida como um estado psicológico e ético. Pelo primeiro, a boa-fé seria a simples ignorância de certo fato, ao passo que pelo segundo a boa-fé seria uma ignorância escusável, no sentido de que o sujeito, tendo cumprido com os deveres de cuidado impostos pelo caso, ignora determinadas eventualidades246.

Judith Martins-Costa entende que a boa-fé subjetiva pode ser analisada sob duas instâncias diferentes, sendo uma primária e outra secundária. Quanto à categoria primária, entende a boa-fé subjetiva como sendo a idéia de ignorância, de crença errônea, ainda que seja escusável, acerca da existência de uma situação regular, e que repousam seja no próprio estado subjetivo da ignorância, seja em uma errônea aparência de certo ato, citando, outrossim, como exemplo para a primeira hipótese o casamento putativo, ao passo que para a segunda hipótese cita o herdeiro aparente.

245 Observe-se que o autor trata da boa-fé subjetiva analisando-a concretamente, isto é, nas

disposições em que a boa-fé subjetiva aparece no código civil português, principalmente acerca do direito possessório. (CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2007, p. 407.)

Já no que se refere à instância secundária da boa-fé subjetiva, expõe a citada autora que pode denotar a idéia de vinculação ao pactuado, ressalvando sua aplicação no campo específico do direito dos contratos, nada mais aí significando do que um reforço ao princípio da obrigatoriedade do pactuado. Conclui que a boa-fé subjetiva tem o sentido de uma condição psicológica que normalmente se concretiza no convencimento do próprio direito, ou na ignorância de se estar lesando direito alheio, ou na adstrição “egoística” à literalidade do pactuado247.

Já, para o autor Nelson Rosenvald, a boa-fé subjetiva não é um princípio, e sim um estado psicológico, no qual o sujeito possui a crença de ser titular de um direito que em verdade só existe na aparência, uma vez que o indivíduo se encontra em escusável situação de ignorância sobre a realidade dos fatos e da lesão a direito alheio, citando o casamento putativo, previsto no art. 1.561 do Código Civil de 2002248 como exemplo249. Perceba-se que a definição apontada assemelha-se à

instância primária da boa-fé subjetiva acima explanada.

Portanto, a boa-fé subjetiva é aquela que se refere a elementos psicológicos e que são intrínsecos do sujeito, já que está relacionada com o convencimento de estar agindo de forma correta, sendo, portanto, um estado de crença, por isso também denominar-se boa-fé crença250.

Tratando da boa-fé objetiva, explica a autora Judith Martins-costa que estão subjacentes as idéias e também os ideais que imprimiram a boa-fé germânica, quais sejam a boa-fé vista como regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e, sobretudo, na consideração para com os interesses do outro, visto como um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado. Ou seja, a boa-fé objetiva qualifica, segundo a autora, uma norma de comportamento leal251.

Completa a autora, valendo-se dos ensinamentos de Miguel Reale, que a boa-fé objetiva é, indubitavelmente, uma norma, porém uma norma nuançada, mais

247 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo

obrigacional. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 411-412.

248 Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o

casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.

249 ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. 1. ed. 2. tiragem (2007).

São Paulo: Saraiva, 2005, p. 79.

250 SCHIER, Flora Margarida Clock. A boa-fé como pressuposto fundamental do dever de

informar. 1. ed. (2006). 3. reimpressão. Curitiba: Juruá, 2009, p. 38.

propriamente um modelo jurídico, uma vez que se envolve de variadas formas e de variadas concreções. Isso significa que a boa-fé objetiva atua efetivamente como solução jurídica e não de cunho moral, na medida em que a sua juridicidade advém do fato de remeter e submeter a solução do caso concreto à estrutura, às normas e aos modelos do sistema, considerado este de modo aberto, uma das características (ou elementos) da pós-modernidade científica, e no campo do direito, do pós- positivismo jurídico.

Identificando a boa-fé objetiva como verdadeiro princípio jurídico, Nelson Rosenvald assevera que o princípio da boa-fé objetiva compreende um modelo de eticização de conduta social, sendo, portanto, genuíno standard jurídico ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação em conformidade com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte252.

No mesmo sentido, sintetiza Fernando Noronha que a boa-fé subjetiva está relacionada a dados internos, eminentemente psicológicos, atinentes diretamente ao sujeito, enquanto a boa-fé objetiva diz respeito a elementos externos, a normas de conduta que determinam como ele deve agir, isto é, no primeiro caso está de boa-fé quem ignora a real situação jurídica, ao passo que na segunda hipótese está de boa-fé que tem motivos para confiar na contraparte. Portanto, uma é boa-fé estado, a outra boa-fé princípio253. Sendo assim, dúvidas não restam que a boa-fé objetiva consubstancia-se verdadeiramente em princípio jurídico dotado de normatividade.

Coaduna-se com o exposto o entendimento de Karina Nunes Fritz, para que o ordenamento jurídico, por meio da boa-fé subjetiva, tutela a honestidade psicológica do sujeito, ou seja, um objeto interno, a crença, ainda que diante do erro do agente, ao passo que, por meio da boa-fé objetiva protege-se a honestidade de comportamento, algo exterior ao agente. Assim, o objeto de análise na boa-fé objetiva é a ação, algo necessariamente exterior ao agente e não, como na boa-fé subjetiva, sua intenção, interior ao sujeito254.

252 ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. 1. ed. 2. tiragem (2007).

São Paulo: Saraiva, 2005, p. 80.

253 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia

privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 132.

254 FRITZ, Karina Nunes. Boa-fé objetiva na fase pré-contratual. 1. ed. (2008). 2ª reimpressão.

Destarte, pode-se afirmar, a fim de elucidar essa diferença, que o reverso da boa-fé subjetiva é a má-fé (animus), enquanto que o oposto da boa-fé objetiva é não-conduta segundo a boa-fé objetiva.