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2.4. AUTONOMIA PRIVADA NA PÓS-MODERNIDADE 46

2.4.4 Extensão dos direitos fundamentais 54

Não obstante se tratar no presente tópico sobre a noção de direitos fundamentais, o foco principal reside no princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista que é através de tão importante princípio, alçado ao ápice da Carta Magna, que é possível a incidência dos direitos fundamentais, de forma geral, no âmbito das relações privadas, quando há agressão à dignidade do cidadão.

Desta feita, a partir desse momento que a Constituição pátria deixa de ser simplesmente carta política, para assumir uma feição de elemento integrador de todo o ordenamento jurídico, consequentemente do direito privado. Em consonância com o quanto esposado, percebe-se que os direitos fundamentais não são apenas

60 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen

liberdades negativas exercidas contra o Estado, mas são normas que devem ser observadas por todos aqueles submetidos ao ordenamento jurídico. Como conseqüência lógica, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas se torna fato apodíctico, diante da já exposta superação da dicotomia entre direito público e privado, promovida principalmente pela constitucionalização do direito privado.

Assim, para Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo P. Ruzyk, perde sentido a noção que identifica uma externalidade dos limites negativos – em que se coloca o Estado – e uma internalidade – o intangível espaço do direito privado, fundado na propriedade, em que todos são formalmente iguais, ou seja, a eficácia dos direitos fundamentais se estende tanto “verticalmente” como “horizontalmente”, abrangendo, pois, tanto as relações entre indivíduo e Estado como as relações entre indivíduos.61

Por isso mesmo, os três pilares de base do direito privado, quais sejam propriedade, família e contrato, todos edificados no princípio da autonomia privada, recebem, necessariamente, uma releitura, que altera suas formatações, redirecionando-os de uma perspectiva eminentemente patrimonial, para outra racionalidade que se fundamenta no valor da dignidade da pessoa humana.

Essa mudança paradigmática se reflete na própria solução dos casos concretos, na medida em que uma problematização busque, na ordem principiológica constitucional, a melhor solução, à luz dos direitos fundamentais, não raro se busque, ainda sob a influência do fenômeno jurídico típico da modernidade, a solução mecanicista da subsunção do fato à solução preestabelecida pelo modelo de relação jurídica codificado.

Os direitos fundamentais, por exprimirem os valores nucleares de uma ordem jurídica democrática, seus efeitos não podem se resumir à limitação jurídica do poder estatal. Dessa forma, os valores que tais direitos encerram devem ser irradiados para todos os campos do ordenamento jurídico, mormente o direito privado (direito civil).

A doutrina, já influenciada pela cultura jurídica do pós-positivismo, aponta no sentido da existência de uma dupla dimensão dos direitos fundamentais, posto que

61 FACHIN, Luiz Edson. RUZYK, Carlos Eduardo P. Direitos fundamentais, dignidade da pessoa

humana e o novo código civil: uma análise crítica. In: Constituição, Direitos Fundamentais e

Direito Privado. SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p.

estes constituem, simultaneamente, fonte de direitos subjetivos que podem, assim, ser reclamados em juízo e as bases fundamentais da ordem jurídica, que se expandem para todo o direito positivo.

No que tange à abrangência dos direitos fundamentais sobre o Poder Público, não é apenas um direito negativo, ou seja, não cumpre ao Estado semente o dever de abstenção de violação desses direitos, exigindo sobremaneira a efetiva proteção dos direitos fundamentais quando colocados em xeque pela agressão e ameaça de terceiros. Ademais, o Estado deve assegurar o mínimo existencial dos cidadãos, sem os quais nem se pode falar em exercício ou mesmo proteção dos direitos fundamentais.

Quanto à dimensão objetiva dos direitos fundamentais, que se irradiam para o campo do direito privado, mais especificamente para o âmbito das relações privadas, expõe Daniel Sarmento que a dimensão objetiva expande os direitos fundamentais para o âmbito das relações privadas, permitindo que estes transcendam o domínio das relações entre cidadão e Estado, às quais estavam confinados pela teoria liberal clássica. Reconhece-se então que tais direitos limitam a autonomia dos atores privados e protegem a pessoa humana da opressão exercida pelos poderes sociais não estatais, difusamente presentes na sociedade contemporânea. Neste quadro, o legislador assume o encargo de promover os direitos fundamentais, e toda legislação ordinária terá de ser revisitada sob uma nova ótica, ditada pela axiologia constitucional.62

No mesmo sentido, Gilmar Ferreira Mendes afirma que o aspecto objetivo dos direitos fundamentais leva, também, a que se lhes atribua uma eficácia irradiante, servindo de diretriz para a interpretação a aplicação das normas dos demais ramos do direito. Enseja, ainda, a discussão sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, isto é, a eficácia desses direitos na esfera privada, no âmbito das relações entre particulares.63

Por derradeiro, ressalte-se que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais liga-se à idéia de que os mesmos devem ser exercidos no âmbito da vida societária, e que a liberdade a que eles aspiram é social. Assim, necessidades coletivas são

62 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2008, p. 107.

63 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

relevantes para a conformação do âmbito de validade dos direitos fundamentais, e podem justificar restrições, respeitados o núcleo essencial e o princípio da proporcionalidade.

Destarte, é importante, após as definições acerca da abrangência irradiante dos direitos fundamentais por todos os ramos do ordenamento jurídico, inclusive no direito privado, onde haverá nitidamente a relativização da autonomia privada, traçar algumas análises acerca da tutela constitucional da autonomia privada.