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Caso 7 (Demissão): Cristina Ou me mandam ou eu pulo a cerca: o pedido de demissão [Auxiliar de Montagem Mãe de dois filhos Funcionária dedicada e apaixonada

4 Os trabalhadores em cargo de chefia: Hierarquia regional e de gênero

4.1 OS NÍVEIS HIERÁRQUICOS

4.1.1 Auxiliar de chefia ou auxiliar de produção?

gerentes eram cearenses e quatro gaúchos (RIGOTTO, 2008, p. 174).

A mobilidade funcional regional destes executivos tem sido cada vez mais recorrente, resultado de processos como a produção globalizada e a reestruturação produtiva, impulsionadoras da descentralização da produção para regiões afastadas dos grandes centros industriais. A mobilidade de executivos do sexo masculino tem estimulado a migração de outros membros da família, como suas esposas, que nem sempre encontram ocupação em sua área de formação profissional.

As chefias do Sul definem as metas, os objetivos e como produzir, e supervisionam o trabalho das chefias de Ipirá no que diz respeito à disciplina dos trabalhadores, cumprimento das metas e qualidade do produto. Alguns deles cuidam também da produção externa à unidade de Ipirá.

As chefias locais encontram-se predominantemente nos níveis mais subalternos, como os de supervisor, coordenador e auxiliar de produção. Desde o momento da seleção, operários e operárias são estimulados a crescer na empresa – um eficaz mecanismo de manipulação de sonhos e expectativas:

Uma das nossas entrevistadas informou que a “entrevista é normal, perguntam se é a primeira vez que você trabalha com a carteira assinada, se você já trabalhou em algum outro lugar, sobre sua escolaridade, se você pensa em crescer; aí a gente passa pelo audiometrista, pela médica, pelo clínico geral [...]” (trabalhadora da montagem, 28 anos) (SILVA, 2008, p. 153) (grifo nosso).

Mas a hierarquia técnica é bastante enxuta, e o teto para os ipiraenses é muito baixo. Os locais são alocados nas funções mais próximas do operariado (auxiliar e coordenação) e disputam a supervisão com a chefia do Sul, além de trabalhadores oriundos de outras unidades como as do Ceará.

4.1.1 Auxiliar de chefia ou auxiliar de produção?

Age mais com a mão: ir lá e fazer. (Valdo, coordenador do setor de corte) É o cara que trabalha junto comigo; é o meu braço direito. (chefe do setor de montagem)76

A função auxiliar de produção é concebida por Rigotto, Marciel e Borsoi (2010) como cargo de comando nas empresas estudadas no Estado do Ceará. Apesar de serem usados termos distintos, entendemos que a função equivale à de auxiliar de chefia apontada por Santos (2004). Trata-se de uma ocupação nova, produto da política de flexibilização na hierarquia técnica, por isso as poucas referências a esta função na literatura específica sobre o setor calçadista.

Como as autoras, consideramos a função auxiliar de chefia um cargo de comando, sendo este o de menor nível hierárquico. Do ponto de vista da hierarquia técnica, o auxiliar encontra-se imediatamente acima do operário e deste se diferencia fundamentalmente pelo acúmulo de tarefas que realiza. Diferencia-se, ainda, pelo uso de um guarda-pó branco com gola azul e por auferir um acréscimo de mais ou menos R$ 100,00 em seu contracheque77.

Dados disponibilizados pela empresa informam que esta contava com 49 trabalhadores no exercício da função de auxiliar. Apesar de a maioria da produção ser composta por operárias, as mulheres representam menos de 1/3 daqueles que ocupam o posto de auxiliar (11 mulheres contra 38 homens)78. Todos os auxiliares são baianos, notadamente naturais de Ipirá79. Dos 30 auxiliares demitidos entre 2011 e 2016, 12 eram mulheres contra 18 homens80, e a maioria jovem, 22 deles com até 29 anos de idade e 8 com idade acima de 30; o mais jovem possuía 22 anos e o mais velho 4081.

Estes trabalhadores atuam como apoio aos operários, como registrado durante as entrevistas:

Eles estão ali para ajudar a todos (...) querendo ou não, comanda, né? Eles vão explicar a atividade, como é que faz. Aí o operador tem que fazer. Então, se não fez é ele que vai cobrar. Ele vai ter que explicar de novo, ou é ele que vai ter que treinar. Querendo ou não, é um cargo de mando, sim (Júlia, gaúcha, 33 anos, branca, casada, uma filha, responsável pelo RH, pós- graduanda em marketing).

O trabalho realizado pelo auxiliar é polivalente, por essência e por diversas razões. A começar pela condição para se ascender a este posto: o operário precisa aprender todas as

77 Os operários usam guarda-pó todo azul. Auxiliar e operário, inicialmente, usavam guarda-pó igual. 78 Dados disponibilizados pela direção da empresa, pelo setor de recursos humanos.

79 O que pode ser observado através da análise do Termo de Rescisão de Contrato e através das entrevistas.

Segundo estas mesmas fontes, o cargo mais inferior ocupado por um funcionário do Rio Grande do Sul é o de coordenador, notadamente na função de coordenação de manutenção, com salário acima de R$ 3.000, em 2011, quando foi demitido.

80 Conferir Tabela 10 - Função por Sexo.

operações do setor onde trabalha e realizá-las no menor tempo possível. O auxiliar necessita dominar 100% das operações – de fora a fora82 – porque, como afirma a entrevistada acima,

ele ajuda o operário, o substitui, o treina, e, quando necessário, corrige o seu trabalho (retrabalho).

E é por isso que em seu treinamento para a função o auxiliar passa por um período de três meses de adaptação. Denominam esta fase de polivalência. O trabalhador polivalente (às vezes, citam o termo Coringa – principalmente as entrevistadas originárias das fábricas de Itaberaba e Rui Barbosa) é treinado para dominar todas as operações do setor e só o assume quando se torna capaz de ensiná-las aos outros. Ao descrever as atribuições do auxiliar, Anita explicita o sentido de tal exigência:

O auxiliar é aquela pessoa que sabe fazer todas as operações, é aquela pessoa que numa falta ou, no momento em que o operador foi ao banheiro, ele foi tomar água, ele saiu, ele foi ao ambulatório, ele foi a outro lugar. O auxiliar consegue suprir aquela falta; é aquela pessoa que tenta fechar a produção. Você tem uma ordem de serviço, que é de 24 (vinte quatro) pares, então se você fez os 23 (vinte e três) e ficou faltando um, você não manda essa ordem de serviço (...) você só consegue os 23 (vinte três), ficam ali parados até você conseguir o outro par. Ah, deu um concerto, ah, deu uma reposição, deu um erro no trabalho. Então, o auxiliar é essa pessoa que fica meio assim, meio por fora, para tentar fechar isso e mandar pra frente, né? (Anita, ipiraense, 34 anos, casada, duas filhas, ex-chefa da fábrica e coordenadora de ateliê).

O auxiliar cumpre um papel fundamental na produção, ao substituir ausentes e contornar problemas decorrentes do absenteísmo, muito comum neste setor. Além disso, ele se encarrega de preparar antecipadamente o setor, providenciando o material necessário, como máquina e matéria-prima, conferindo se há ausência de funcionários. Assim, é ele quem cria as condições para que o coletivo trabalhe sem interromper a produção, viabilizando o cumprimento da meta. No setor de corte, sua principal função, segundo a entrevistada,

é ser abastecedor, então que não deixe o setor parar. Em nenhum momento não pode deixar parar uma função; a gente tem que estar sempre à frente do operador. Eu tenho que produzir 60 pares numa máquina; naquela hora, eu tenho que abastecer, porque eu não posso deixar ele parar em nenhum momento. (...) Então a gente tem que estar sempre de olho em tudo, um olhar em todo o setor, pra gente estar sempre repondo, porque, por falta de abastecimento, a gente não tira meta. E hoje tudo na empresa, na fábrica, é produção, é meta (Ivana, ipiraense, 29 anos, parda, solteira, sem filho, coordenadora de corte no turno noturno) (grifo nosso).

A atuação do auxiliar impede que a produção trave, e por isso torna possível a execução da política de metas. E, para assumir o cargo, ele precisa ser exemplar neste aspecto. De

acordo com depoimentos dos entrevistados, a ascensão ao cargo de auxiliar ocorre para trabalhadores e trabalhadoras que, no dia a dia do seu trabalho, conseguem mostrar algo a

mais, “pela agilidade, pelo tempo”83. Esta questão ficou bem evidente quando Jeane, ex- coordenadora do setor de costura, conhecida como Papa-Léguas84 em uma empresa do ramo,

no Município de Itaberaba, nos explicou como ganhou este apelido:

sou uma pessoa, assim, que sempre quer crescer, não quero ficar só naquilo ali. Então, eu gostei da ideia, ela me chamou com dez meses que eu estava costurando, gostava do meu trabalho (...). Costurava bem. Eu tinha um apelido lá na fábrica de Itaberaba, de Papa-léguas [Papa-léguas?] Sim, porque eu acelerava bastante, eu dava minha produção além, deixava produção pro outro dia. Então, ela viu que eu tinha, pelo menos, agilidade nas coisas, assim, e podia dá certo, né? (Jeane, ipiraense, 29 anos, negra, desempregada, união estável, sem filho, ex-coordenadora do setor de costura) (grifo nosso).

Trabalhadoras com perfis como o de Jeane são identificadas pelos chefes de seção. A coordenação do setor avalia e registra em uma ficha verde o desempenho dos operários, considerando, nesta avaliação, aspectos como assiduidade, disciplina, iniciativa, interesse, agilidade, espírito de liderança e disposição para aprender novas funções e para fazer hora extra. Este último aspecto é decisivo, conforme depoimento de André:

Eu sempre chegava na empresa, só se estivesse doente ou alguma coisa assim; mas eu nunca tive muita escolha de serviço (...) sempre estava ali atento, continuei nas horas extras, né? Às vezes, também, o salário era pouco e o dinheirinho já ajudava. (...) Aquilo também despertou lá na gerência uma motivação neles de me promoverem como auxiliar (André, ipiraense, 33 anos, “sarará”, casado, um filho, coordenador do setor de agrupamento).

Estas são as referências decisivas para uma indicação ao cargo pelo coordenador do setor. A promoção ocorre em contextos com aumento de produção, com a ampliação do número de esteiras ou com a demissão de algum chefe.

Trata-se, por fim, de um trabalho de comando, inclusive porque o auxiliar costuma substituir o chefe imediato sempre que se ausenta para participar de outras atividades como reuniões, cursos de qualificação, ou por algum motivo de ordem mais pessoal; além de serem deslocados para a produção externa enviada aos ateliês85.

83 Ivana, Ipiraense, coordena o Setor do Corte no turno noturno.

84 O Papa-Léguas é um personagem de desenho animado criado em 1949. Ele é perseguido pelo faminto Coiote,

que nunca o alcança. Por isso, é um símbolo de agilidade, rapidez.

85 A questão será desenvolvida melhor no capítulo 5, quando trataremos de polivalência. Por hora, basta-nos

4.1.2 Coordenação e supervisão

Age mais com o olhar e coordenar.

(Valdo, coordenador do setor de corte)

Se tomarmos como referência a definição que a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) apresenta para a função de supervisor86 (incluímos a de coordenador também), apenas algumas delas são atribuídas às chefias naturais de Ipirá, a saber, “treinamento e orientação da equipe de trabalho de chão-de-fábrica, tanto da empresa quanto dos serviços subcontratados. Supervisionam, administram metas de produção, controlam a qualidade dos produtos e asseguram a manutenção de máquinas e equipamentos87”.

Para Santos (2004, p. 66), os supervisores

desempenham tarefas de vigilância (chefes, contramestres e supervisores), os quais orientam as tarefas e o ritmo produtivo. Ademais, ocupam-se de implementar mecanismos de fiscalização para que a produção se realize de acordo com os resultados esperados. Os objetivos principais são controle de qualidade dos produtos fabricados, elevação do nível de produtividade e combate ao desperdício.

No que diz respeito ao controle do trabalho,

o esforço dos supervisores está destinado a evitar e, se possível, eliminar os chamados “poros” ou “tempos mortos” da produção. A interrupção ou a morosidade do trabalho em uma linha ou célula produtiva, pela ausência temporária ou atraso de um trabalhador, implica obviamente, perda de ritmo de trabalho e redução da produção (...) é função dos supervisores zelar para que os trabalhadores não usurpem o tempo comprado por seu empregador (...) (RIGOTTO, MACIEL E BORSOI, 2010, p. 223).

Recrutados entre a mão de obra local, supervisores e coordenadores são auxiliares da

gerência, responsáveis principais por fazerem a mediação entre a política da empresa e a sua

execução pelos operários:

A mediação entre os empregadores e os trabalhadores, no que diz respeito a que e a como produzir, é feita pelos que supervisionam a produção, os auxiliares da gerência. Assim, o chefe imediato é sempre “um mediador das políticas de gestão” da empresa, como destaca Barreto (2003, p. 206). Para ocupar tal posição, o auxiliar da gerência precisa se identificar com os ideais da empresa, sentir-se parte importante da engrenagem do comando, comungar as expectativas do escalão superior da hierarquia (RIGOTTO, MACIEL E BORSOI, 2010, p. 222).

86 Ver a introdução, mas especificamente onde apresentamos os sujeitos da pesquisa.

87 Disponível em: <http://www.ocupacoes.com.br/cbo-mte/760-supervisores-nas-industrias-textil-do-curtimento-