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A PRODUÇÃO MUNDIAL DE CALÇADOS E A CRISE: O BRASIL, OS PRINCIPAIS PRODUTORES E OS EXPORTADORES

Caso 7 (Demissão): Cristina Ou me mandam ou eu pulo a cerca: o pedido de demissão [Auxiliar de Montagem Mãe de dois filhos Funcionária dedicada e apaixonada

3 A INDÚSTRIA CALÇADISTA DE IPIRÁ NO CONTEXTO DA DIVISÃO INTERNACIONAL DA PRODUÇÃO DE CALÇADOS

3.2 A PRODUÇÃO MUNDIAL DE CALÇADOS E A CRISE: O BRASIL, OS PRINCIPAIS PRODUTORES E OS EXPORTADORES

A crise econômica em dimensão globalizada somada à crise política no Brasil têm sido objeto de análise por parte de pesquisadores especialistas e também pelos investidores ligados ao ramo calçadista. Na análise realizada por Lélis35 (2016), a crise mundial, em menos de uma década, passou por três fases: em 2007, quando apareceram os primeiros sinais da debilidade do mercado financeiro americano, cuja quebra do banco de investimento Lehman Brothers é expressão; entre 2009 e 2010, com a mobilização na Grécia em torno da suspensão do pagamento da dívida e, em 2015, através da desaceleração do crescimento da economia chinesa, que chegou a quase metade do verificado entre 2012 e 2014 (de 10% para 5,5%). Essa crise se manteve em 2016, ao se declarar a saída do Reino Unido da União Europeia.

Do ponto de vista dos fatores internos, um representante do setor analisa o baixo desempenho da indústria calçadista brasileira, em 2015, determinado, segundo Klein (2016), por fatores que não se restringem à crise econômica e política:

Os motivos do desempenho abaixo do esperado em 2015 são deveras conhecidos: uma das mais altas taxas tributárias entre os países emergentes, um sistema de exportação burocratizado, uma logística ineficiente e cara, uma legislação trabalhista arcaica e inflexível, entre tantos outros que fazem parte do chamado Custo Brasil (ABICALÇADOS, 2016, p. 5) (grifo nosso). Apesar da flexibilização da legislação trabalhista realizada ao longo da década de 1990 ter beneficiado este setor, pelas facilidades que dizem respeito à demissão e pelo avanço da terceirização no setor, os empresários seguem disputando melhores condições de exploração da força de trabalho e também medidas protetivas a favor da produção brasileira e mais incentivos governamentais.

Seu principal concorrente, a China, vem avançando sobre dois mercados importantes ocupados pelo calçado brasileiro, especialmente a produção do Vale do Rio dos Sinos, o mercado norte americano e o mercado interno (brasileiro).

35 Ver Relatório da Abicalçados (2016, p. 51), A recuperação da produção, os desafios e os novos

Conforme pode ser verificado na Tabela 2, em 2014, o Brasil passou a ocupar a terceira posição entre os maiores produtores de calçados do mundo, com 5,0%, mas não apresentou um aumento significativo de produção comparado com o período de 1999, como a China e a Índia, responsáveis por aproximadamente 70% da produção mundial de calçado, cuja produção cresceu apesar da crise econômica. Em 1993, a China era responsável por 51, 9% da produção mundial e este percentual alcançou 58,1% em 2014. No mesmo período, a Índia dobrou a sua produção de 6,1% para 12,8%. Destacou-se de forma expressiva o Vietnã, que ao dobrar a produção, saiu da oitava para a quarta posição.

Tabela 2 – Principais produtores de calçados (1999 e 2014) Principais Produtores em 1999 Principais Produtores em 2014

China 51,9% China 58,1% Índia 6,1% Índia 12,8% Indonésia 4,4% Brasil 5,0% Brasil 4,4% Vietnã 4,2% Itália 3,3% Indonésia 3,6% México 2,4% Nigéria 2,0% Tailândia 2,3% Paquistão 1,2% Vietnã 2,1% México 1,2% Paquistão 2,1% Tailândia 1,1% Turquia 2,0% Itália 1,0%

Fonte: Dados de 1999 (NAVARRO, 2006b); dados de 2014 (ABICALÇADOS, 2016).

No que diz respeito à exportação, o Brasil apresentou queda no mesmo período, deslocando-se da sexta posição ocupada em 1999, para a décima-quarta em 2015. No entanto, o país é o quarto maior consumidor de calçados, com 5,1%, e este mercado interno é responsável pela absorção de 87% do total produzido pelo setor, sendo, portanto,

autossuficiente. Em 2015, o coeficiente de exportação resultou em 13,0% da produção nacional (ABICALÇADOS, 2016).

Gráfico 1 - Destino da produção

FONTE: ABICALÇADOS (2016)

Do ponto de vista do mercado consumidor, as mulheres são responsáveis por consumir calçados em maior quantidade e frequência, representando uma fatia de 67,4% do total identificado da produção. Os homens consomem 20%. O segmento infantil representa 10%. E há uma pequena fatia representada pelos calçados ortopédicos (ABICALÇADOS, 2016). Assim, o assalariamento das mulheres foi fundamental para a sobrevivência do setor calçadista. Talvez isso explique o fato de o setor estar ampliando a presença de mulheres, não só no chão da fábrica, mas também na hierarquia técnica.

Tabela 3 - Principais produtores, consumidores, exportadores e importadores (2014) Principais Produtores Principais Consumidores Principais Exportadores Principais importadores

China (58,1%) China (17,1%) China (71,3%) EUA (23,4%)

Índia (12,8%) Índia (13,9%) Vietnã (4,6%) Alemanha (6,4%)

Brasil (5,0%) EUA (13,0%) Indonésia (2,9%) Japão (6,1%)

Vietnã (4,2%) Brasil (5,1%) Bélgica (1,9%) Reino Unido (5,6%)

Indonésia (3,6%) Japão (3,9%) Alemanha (1,8%) França (5,1%)

Nigéria (2,0%) Indonésia (2,5%) Itália (1,7%) Itália (3,3%)

Paquistão (1,2%) Alemanha (2,5%) Índia (1,3%) Espanha (3,2%)

México (1,2%) França (2,4%) Holanda (1,3%) Bélgica (2,8%)

Tailândia (1,1%) Reino Unido (2,3%) Espanha (1,3%) Holanda (2,8%)

Itália (1,0%) Nigéria (2,2%) Reino Unido (1,3%) Rússia (1,8%)

FONTE: ABICALÇADOS (2016).

Com o crescimento da China no comércio internacional, e pelas razões mencionadas acima, os produtores brasileiros têm buscado junto ao Governo Federal medidas para proteger o mercado interno do calçado produzido na China, considerado competitivo em função do uso de “práticas desleais”36.

De acordo com a Tabela 3, no concernente aos grandes importadores, ressalta-se que países como EUA, Itália, Reino Unido, França e Alemanha, atualmente, se destacam apenas enquanto grandes importadores. Trata-se de países com tradição na produção de calçados até a II Guerra Mundial, mas com o pós-guerra e com o processo de internacionalização da produção de calçado, estes países centrais do capitalismo deixaram de produzir este tipo de

36 Como veremos a seguir, o empresariado brasileiro considera desleais algumas práticas da indústria chinesa,

como reduzir custos de produção por meio de subsídios governamentais e a sub-remuneração. Exatamente o que vem sendo feito no Brasil, só que em menor intensidade.

mercadoria, delegando uma parte do processo produtivo a países com menor custo com mão de obra, como Brasil, Coréia do Sul e Taiwan37.

3.3 A INDÚSTRIA CALÇADISTA NO BRASIL

A indústria calçadista foi um dos primeiros empreendimentos de transformação a se desenvolver no Brasil, com concentração de fábricas a partir de 1870 (SUZIGAN, 2000). Para o seu surgimento, o setor contou com forte influência da mão de obra imigrante, especialmente a italiana, em São Paulo, e a alemã, no Rio Grande do Sul. As máquinas eram importadas de países europeus e dos EUA.

Mas é em 1920 que vai ocorrer um florescimento do setor, segundo Suzigan (2000), o que está relacionado ao processo de mecanização das fábricas, sendo este um período considerado por Ruas (1984) como o primeiro “surto de modernização” do setor. Neste período, houve o apoio governamental para a aquisição de maquinários. O trabalho realizado por Malatian (2015) relaciona o processo de mecanização do setor às lutas realizadas pelos sapateiros contra os baixos salários. Em 1906, sapateiros no Rio de Janeiro realizaram uma greve de mais de dois meses e meio. E, por isso, e segundo os empresários ligados à indústria calçadista, a mecanização da produção foi uma resposta aos problemas trabalhistas.

Desde então, a mecanização impulsionou o setor, que vai experimentar mudanças organizacionais ainda mais significativas na década de 1960, com o segundo “surto de modernização”, quando a esteira foi introduzida à produção, levando ao crescimento do número de plantas industriais e de trabalhadores (NAVARRO, 2006b).

Isso se deu porque, entre 1969 e 1970, teve início as exportações do calçado brasileiro. Esta década foi de muita demanda, pois, como vimos anteriormente, após a II Guerra Mundial, os países centrais do capitalismo deixaram de se ocupar da produção de bens semiduráveis, como calçado e produção de roupas, pois demandam muita mão de obra e elevados custos com o processo produtivo. Internamente, o país desenvolvia seu parque industrial.

Em condição subordinada, por meio da subcontratação de serviços industriais, foi imposto a países com baixos salários e legislação trabalhista frágil, como o Brasil, a produção da parte do calçado mais intensiva em mão de obra, para os mercados europeu e norte-