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Caso 7 (Demissão): Cristina Ou me mandam ou eu pulo a cerca: o pedido de demissão [Auxiliar de Montagem Mãe de dois filhos Funcionária dedicada e apaixonada

4 Os trabalhadores em cargo de chefia: Hierarquia regional e de gênero

4.1 OS NÍVEIS HIERÁRQUICOS

4.1.2 Coordenação e supervisão

Age mais com o olhar e coordenar.

(Valdo, coordenador do setor de corte)

Se tomarmos como referência a definição que a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) apresenta para a função de supervisor86 (incluímos a de coordenador também), apenas algumas delas são atribuídas às chefias naturais de Ipirá, a saber, “treinamento e orientação da equipe de trabalho de chão-de-fábrica, tanto da empresa quanto dos serviços subcontratados. Supervisionam, administram metas de produção, controlam a qualidade dos produtos e asseguram a manutenção de máquinas e equipamentos87”.

Para Santos (2004, p. 66), os supervisores

desempenham tarefas de vigilância (chefes, contramestres e supervisores), os quais orientam as tarefas e o ritmo produtivo. Ademais, ocupam-se de implementar mecanismos de fiscalização para que a produção se realize de acordo com os resultados esperados. Os objetivos principais são controle de qualidade dos produtos fabricados, elevação do nível de produtividade e combate ao desperdício.

No que diz respeito ao controle do trabalho,

o esforço dos supervisores está destinado a evitar e, se possível, eliminar os chamados “poros” ou “tempos mortos” da produção. A interrupção ou a morosidade do trabalho em uma linha ou célula produtiva, pela ausência temporária ou atraso de um trabalhador, implica obviamente, perda de ritmo de trabalho e redução da produção (...) é função dos supervisores zelar para que os trabalhadores não usurpem o tempo comprado por seu empregador (...) (RIGOTTO, MACIEL E BORSOI, 2010, p. 223).

Recrutados entre a mão de obra local, supervisores e coordenadores são auxiliares da

gerência, responsáveis principais por fazerem a mediação entre a política da empresa e a sua

execução pelos operários:

A mediação entre os empregadores e os trabalhadores, no que diz respeito a que e a como produzir, é feita pelos que supervisionam a produção, os auxiliares da gerência. Assim, o chefe imediato é sempre “um mediador das políticas de gestão” da empresa, como destaca Barreto (2003, p. 206). Para ocupar tal posição, o auxiliar da gerência precisa se identificar com os ideais da empresa, sentir-se parte importante da engrenagem do comando, comungar as expectativas do escalão superior da hierarquia (RIGOTTO, MACIEL E BORSOI, 2010, p. 222).

86 Ver a introdução, mas especificamente onde apresentamos os sujeitos da pesquisa.

87 Disponível em: <http://www.ocupacoes.com.br/cbo-mte/760-supervisores-nas-industrias-textil-do-curtimento-

Localmente, denominações como contramestre, mestre ou mestre sapateiro não são comumente usadas para se referir à chefia em Ipirá, um território produtivo de ocupação recente, onde não há nenhuma referência a termos como sapateiro. Às vezes, contramestre é mencionado, mas muito raramente. Em Ipirá, eles são chefe/coordenador ou supervisor. Estes usam um guarda-pó todo na cor branca, diferenciando-se do auxiliar e do operário.

Dados disponibilizados pela direção da empresa informam que, das 118 chefias que estavam na ativa em 2015, 69 ocupavam funções de coordenação e supervisão. Como estes dados não estavam desagregados, não foi possível ter maior precisão do número exato de supervisores – o que seria interessante, uma vez que se trata do cargo mais valorizado entre os disponíveis aos ipiraenses. Mas, pela Tabela 2, podemos identificar uma menor presença de supervisores (27 contra 41 coordenadores) no quadro funcional. Como a supervisão é ocupada também por chefias do Sul, e estes permanecem de 1 a 2 anos na empresa, há nesta função uma rotatividade maior, o que pode estar aumentando o número de supervisores demitidos no período analisado.

Pelas entrevistas, verificamos que enquanto a supervisora cuida de três equipes, cada coordenador cuida de apenas uma. Na unidade de Ipirá, a supervisora é responsável por todo o setor onde trabalha, e é quem por ele responde diretamente ao gerente. A supervisora que entrevistamos era responsável por uma equipe com 110 operários no setor de costura, o que equivalia a três equipes de costura. Ela contava com relativo poder de contratação e demissão. Por isso, é quem cuida da atualização de informações cadastrais dos funcionários sob seu comando, monitorando-os dia a dia, seja para sua demissão ou promoção. Nos dois casos, o registro dessas informações é um importante instrumento que a empresa dispõe para o supervisor e também para os coordenadores no controle dos seus subordinados. Observamos também, e isso será analisado mais adiante, que, sempre que necessário, o supervisor produz o calçado, viabilizando a entrega das encomendas no prazo.

Coordenadores também estão habilitados para demitir e contratar, mas sempre em diálogo com seu chefe imediatamente superior. Os coordenadores são responsáveis pelo treinamento dos novos operários. Por meio dos depoimentos dos chefes e coordenadores, foi apontado como sua atribuição principal o cumprimento da meta de produção no final do dia. Para “puxar a produção”, fazem uso de estratégias como juntar a equipe para conseguir a

meta do dia88. As reuniões realizadas diariamente têm como objetivo levantar o astral e fazer

cobranças. Outro coordenador apontou como muito importante acompanhar a cascata89 – ou seja, seguir a planilha com todos os modelos previstos para serem produzidos no dia. Para executá-la, ele busca identificar e resolver todos os problemas que podem dificultar e até mesmo inviabilizar o cumprimento da meta.

Um cenário apresentado foi o seguinte: se um operário não consegue produzir no tempo imposto pela gerência, cabe ao coordenador trocá-lo de função e até mesmo de setor, sendo muito comum o empréstimo de operários. Verificamos ainda que é comum o chefe realizar a operação no tempo imposto, mostrando ao operário que ele também pode realizá-la. Por fim, para garantir a meta e a entrega do produto no prazo, os coordenadores também produzem o calçado.

Um coordenador do setor de corte definiu a sua função da seguinte forma:

Ser coordenador equivale a você trabalhar com a mente, sempre pensando e pensando sempre lá na frente, nunca deixar para que aconteça o problema pra você tentar agir em cima do problema. Não, antes de acontecer, você tem que imaginar e evitar que ele aconteça (Valdo, ipiraense, 31 anos, pardo, casado, sem filho, coordenador de corte).

Na mesma direção, aponta Anita, coordenadora de ateliê:

o chefe tem que olhar tudo, a qualidade, ele tem que administrar as possíveis faltas, ele tem que fazer o setor dele ser mais eficiente. “Não, desse jeito tá empatando nesse processo, tenho que mudar; desse jeito aqui não, vou tirar uma pessoa daqui e transferir pra cá”. Enfim, é a pessoa que tem uma visão geral, assim do setor (Anita, ipiraense, 34 anos, casada, duas filhas, ex-chefa da fábrica e coordenadora de ateliê).

Os coordenadores entrevistados comandavam turmas de trabalho, cujo tamanho variava de 29 a 33 operários durante o dia, e 20 à noite. Exceção à regra, é um chefe considerado um dos funcionários com maior tempo na empresa – o que lhe rendeu uma homenagem. Ele afirma ter coordenado até 300 operários distribuídos em seis esteiras do setor de costura, sendo ele um “supervisor dos supervisores”.

Todos os coordenadores e supervisores naturais de Ipirá e região foram recrutados no chão de fábrica, foram operários e tornaram-se “polivalentes” por três meses, tornando-se depois auxiliares. Os primeiros operários da fábrica ascenderam ao cargo de auxiliar mais rapidamente, a exemplo de Laura, que assumiu esta função com apenas 15 dias na produção.

Para se tornar coordenador ou supervisor, o trabalhador é avaliado pelo seu chefe imediato a partir de critérios como o resultado do trabalho desenvolvido. Isto significa dizer que o cumprimento da meta é decisivo na avaliação do bom chefe, pois, e como já vimos

anteriormente na fala de Ivana, “hoje tudo na empresa, na fábrica, é meta”. Sobre ser um bom

chefe, Laura afirma:

A pessoa passa de auxiliar para chefe devido ao resultado. Você apresenta resultados. Se eles acham que você já é capaz de ser um chefe, aí ele põe no cargo de coordenador. [Apresentar resultados significa o quê? Cumprir as metas?]. Cumprir as metas: produção, qualidade, eficiência. Se você está com tudo isso em dia sempre, né, constante, aí você está considerado um bom chefe (Laura, ipiraense, 31 anos, parda, chefa de família, um filho, bióloga, supervisora de costura) (grifo nosso).

Em períodos de aumento de produção, novas turmas são abertas e, com isso, os espaços para as promoções são ampliados. Fora deste contexto, só como resultado de pedidos de demissão – o que não é tão raro. Mas a empresa apresenta uma estrutura enxuta, com poucos cargos de chefia, especialmente a partir da função de coordenação e supervisão. Há, portanto, pouco espaço para o crescimento profissional, especialmente porque os cargos de direção estão reservados para funcionários do Sul.

Por fim, coordenadores e supervisores são constantemente estimulados a aprimorarem o

método de trabalho, a pensarem sempre sobre a melhor forma de produzir mais e em menor

tempo. Nesses dois cursos de qualificação oferecidos pela fábrica foram distribuídas duas fichas na cor vermelha e na cor branca, que traziam as seguintes citações: “Sempre existe um

melhor método”90 e “Você pode esperar mais, se analisar mais”. As chefias recrutadas no

operariado – conhecedores da “linguagem do chão da fábrica” e também das “formas de sabotagem que os operários desenvolviam” (REZENDE, s/d, p. 04) – parecem cumprir o papel que o Toyotismo atribui ao CCQ, de fazer com que os trabalhadores pensem pelo capital e para o capital, com vistas a reduzir de forma permanente a porosidade no trabalho. Sobre o aprimoramento do método, afirma Jeane:

Sempre tem que dá o melhor mesmo, sempre tem que estar tendo novas ideias e bola para frente.

[...]

Eles queriam que a gente ficasse de fora, olhando qual era o problema que estava acontecendo dentro do grupo para poder solucionar. (...) Então, eles não queriam que a gente ficasse ali todo momento na produção trabalhando. Ele queria que a gente ficasse em pé. Olhando o que estava acontecendo. E essa questão de ajudar, ajudava. Mas, a todo o momento não (Jeane, ipiraense, 29 anos, negra, desempregada, união estável, sem filho, ex- coordenadora do setor de costura).