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Caso 7 (Demissão): Cristina Ou me mandam ou eu pulo a cerca: o pedido de demissão [Auxiliar de Montagem Mãe de dois filhos Funcionária dedicada e apaixonada

4 Os trabalhadores em cargo de chefia: Hierarquia regional e de gênero

4.4 CHEFIA DE IPIRÁ VERSUS CHEFIA DO SUL

A mão de obra pesada somos nós. (Bruna, auxiliar de montagem) Não sei como é que esse povo tem essa experiência (Risos). Só sabe mandar mesmo. (...) Eles dizem que já nasceram fazendo calçados. Que não sabem fazer mais nada, só calçados.

(Laura, supervisora de costura)

Diferente das empresas instaladas no Estado do Ceará, onde os cargos de direção já estão sob o comando da chefia local – conforme apontado por Rigotto (2008) e Lima, Borsoi e Araújo (2011) – na unidade que é objeto de análise deste estudo, todos os cargos de decisão estão sob controle de executivos originários do Sul, especialmente deslocados pela matriz da empresa, que se encontra no Vale do Rio do Sinos.

Como se pode observar por meio da Tabela 1, entre 2011 e abril de 2016, 12 chefes contratados como mensalistas foram demitidos; destes, três (03) mulheres e nove (09) homens. Nos 13 anos de existência da fábrica, a chefia proveniente do Sul, em Ipirá, ocuparam todos os cargos de maior poder de mando, estando subordinados às decisões da matriz.

TABELA 13 – Tipo de salário por sexo

Tipo de Salário Feminino Masculino Total

Horista 23 57 80

Mensalista 03 09 12

TOTAL 26 66 92111

109 Na ocasião, o valor da hora de trabalho era R$ 1,77. Seus salários variavam entre R$ 390 a 450 (sendo este o

mais elevado entre os operários entrevistados), segundo Silva (2008).

110 Os chefes de origem no Sul não são sujeitos prioritários desta pesquisa. Por isso, não dispomos de muitos

dados sobre estes, além dos organizados no banco de dados feito a partir do termo de rescisão de contrato e das entrevistas realizadas durante a pesquisa para o mestrado e a atual, com as responsáveis pelo setor de recursos humanos e uma supervisora do setor de costura.

FONTE: Material organizado a partir dos Termos de Rescisão de Contratos dos chefes demitidos entre 2011 e 2016, doados pelo Sindical.

A chefia contratada como horista possui 80 pessoas, com predominância masculina (57 homens e 23 mulheres). Os horistas são todos chefes oriundos de Ipirá e, mais escassamente, da região. Estes chefes encontram-se ocupados em funções como auxiliar e coordenação e, em menor proporção, na supervisão.

Nos depoimentos, alguns comparativos buscam estabelecer diferenças entre a chefia do Sul e a de Ipirá. Estes são vistos como mais técnicos e se orgulham de ter domínio de todas as operações realizadas em seu setor. Aqueles se destacam pela experiência em liderar, mas muitos desconhecem o processo produtivo do calçado.

Eu gosto tanto de ficar na supervisão como também de ajudar; se o chefe estiver precisando, não estiver conseguindo, eu ajudo. Eu não gosto de ficar só parada olhando, não. Eu gosto de ficar ali no meio, ajudando. (...) Mas quando é gaúcho mesmo, eles ficam mais de fora {o presidente sindical, presente na hora, complementa: “só mandando”}112. Até porque muitos não

têm experiências em fazer. Eles têm aquela experiência em liderar mesmo, mas em fazer não. Eu já cansei de ensinar uma pessoa a ser a minha supervisora. Muitas vezes já aconteceu isso. (...) Teve uma vez que a mulher que ficou no meu lugar, ela tá com idade de se aposentar e com tantos anos de calçado e a mulher não sabe fazer nada. Não sei como é que esse povo tem essa experiência (Risos). Só sabe mandar mesmo. (...) Eles dizem que já nasceram fazendo calçados. Que não sabem fazer mais nada, só calçados (Laura, ipiraense, 31 anos, parda, chefa de família, um filho, bióloga, supervisora de costura) (grifo nosso).

Mas, conforme veremos alhures, algumas chefas mulheres migram do Rio Grande do Sul para Ipirá, em função da mobilidade dos seus maridos – como ocorreu com Júlia, atual responsável pelo setor de recursos humanos. Assim, elas se tornam funcionárias da fábrica, mas atuando fora da sua área de formação113.

Outra diferença bastante citada é a disciplina dos chefes do Sul:

Existe ainda uma diferença, assim, grandiosa entre o pessoal daqui e o pessoal do Sul, é o senso de disciplina, porque a disciplina neles, isso é muito forte, né? Eu costumava, brincava, falava assim, eu dizia que eles parecem aqueles guardas da rainha (Risos). E a gente é um pouco mais disperso (Anita, ipiraense, 34 anos, casada, duas filhas, ex-chefa da fábrica e coordenadora de ateliê).

111 Em sete (07) termos de rescisão, não foram identificados o tipo de salário, não sendo possível a identificação

da procedência da chefia.

112 Chaves indicativas da fala de uma terceira pessoa presente, o presidente sindical. 113 A questão será retomada adiante.

4.4.1 A competitividade entre chefia do sul e chefia local

Só vem pra essas funções de chefão.

(Rose, ipiraense, auxiliar de produção)

A competitividade entre chefias, de acordo com a origem regional, às vezes é sutil, mas nem sempre. Discorreremos sobre duas situações envolvendo um casal de ipiraenses funcionários do setor administrativo. Uma situação mais contundente será analisada no próximo capítulo, por meio de um caso sobre assédio moral.

A primeira situação foi vivenciada por Anita. Natural de Ipirá, iniciou suas atividades fabris no setor de produção. Em seguida, foi deslocada para o administrativo, no qual trabalhou lançando notas fiscais. Passou pelo setor de métodos e tempo, e outras funções de

apoio à produção. Depois trabalhou no departamento de pessoal e lá teve a oportunidade de

ocupar funções mais valorizadas:

(...) fui para o departamento de pessoal. E aí trabalhei no departamento pessoal, na época com Joana114mesmo. Em 2007, ela foi embora e eu assumi o DP. Em 2009, eu fui para o setor financeiro. Do setor financeiro, foi o tempo, também, que eu tinha começado a faculdade de segurança no trabalho, aí eu fiquei coordenando a segurança, né? Na época, a gente tinha menos funcionários, uma única marca, né? É uma marca mais fácil de se trabalhar, que era a Diadora. Então aí eu coordenava, na verdade, coordenei o administrativo como um todo, né? Aí, em 2011, eu saí. Maio de 2011. (Anita, ipiraense, 34 anos, casada, duas filhas, ex-chefa da fábrica e coordenadora de ateliê) (grifo nosso).

Cargos superiores à supervisão já foram ocupados por ipiraenses, mas temporariamente, de forma transitória. A demissão de Anita foi provocada pela vinda de um funcionário do Sul. Ao ser demitida, este a substituiu.

Na verdade, eu pedi para sair, porque nesse meio tempo, né, chegou uma pessoa, né? Um rapaz até do Sul, inclusive, que ia tomar conta dos estoques e tal. Então a gente não (...) tinha uma boa relação, né? E eu optei por sair, não é? Aí, na verdade, quando eu disse que eu iria sair, aí, na verdade, ele acabou mudando de função, não tomou mais conta dos estoques; como era a proposta inicial e acabou ele ficando no administrativo quando eu saí. Não sei se de repente o projeto já era esse também, né? É o que eu suspeito. É de repente, ali né? Com certo tempo, até me demitirem também ou me remanejarem de setor, né? (Anita, ipiraense, 34 anos, casada, duas filhas, ex- chefa da fábrica e coordenadora de ateliê).

E, logo em seguida, Anita foi convidada a coordenar produção nos ateliês. Aqui vale resgatar duas situações: a faculdade de segurança no trabalho foi um investimento da fábrica,

que também articulou a vinda para a Bahia de donos de ateliês especializados em algumas operações.

O seu esposo trabalhou no Almoxarifado, e lá conseguiu chegar ao topo. Mas, pediu demissão:

Trabalhou na Fábrica durante muitos anos também, optou por sair. Pediu para sair porque discordava de algumas situações, assim, né? Administrativas. Então, discordou, não aceitou, preferiu sair. Quer dizer, ele não chegou a pedir para sair, mas ele, de alguma maneira, provocou a demissão, né? No momento em que você não atende algumas regras, você sabe que está exposto a isso.

O conflito no trabalho teve início com a chegada da marca própria, a Ortopé. Esta marca, infantil, redefiniu funções e significou um golpe para os ipiraenses que ocupavam cargos mais valorizados na empresa.

O meu marido chegou no topo. Não tinha nenhum gaúcho acima dele, não tinha ninguém fora o Geral, né? Então, assim, tinha outro rapaz também que era gerente também, da outra unidade ali de Salvador, mas é baiano, assim. Então, algumas pessoas chegaram né? Mas é... não se manteve isso, né? Não se manteve. E eu duvido que tenha pessoas lá que não tenha condição ou competência para isso. Ah, então, assim, pra se responder assim diretamente; nem falo o topo assim, mas para se responder diretamente, assim, ao gerente geral, não. Acho que não há baiano, assim... né? Tem o gerente de produção hoje, um gerente geral de fábrica. Mas pra se responder diretamente para ele, hoje eu acho que não há. No período, aquele que foi a Diadora, havia muitos baianos, assim, era uma só marca, uma só... Então, havia muitas pessoas, né? Que eram; sei lá, a fábrica alegava crise, né? Que se tinha pouca produção, aí se tinha muitos baianos, em quase todas as áreas, tinha um ou outro gaúcho, tinha uns três a quatro gaúchos aqui. Depois quando veio a Ortopé, essa realidade mudou. Também a gente não sabia trabalhar com o calçado infantil, mesmo o pessoal, a Fábrica não tinha a cultura do calçado infantil. Então, se contratou muitas pessoas que tinham essa experiência de outras empresas e foi chegando gente, chegando, gente, gente, gente (Risos). Agora sim, eles conseguiram alinhar a coisa, já se trabalha bem, já se flui bem (Anita, ipiraense, 34 anos, casada, duas filhas, ex-chefa da fábrica e coordenadora de ateliê) (grifo nosso).

Por fim, uma situação envolvendo disputas entre uma Supervisora do Sul e uma de Ipirá, ambas trabalhando no setor de costura, é analisada no caso sobre salário. Veremos no próximo capítulo.

5 AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DA CHEFIA: INDICADORES