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Caso 7 (Demissão): Cristina Ou me mandam ou eu pulo a cerca: o pedido de demissão [Auxiliar de Montagem Mãe de dois filhos Funcionária dedicada e apaixonada

3 A INDÚSTRIA CALÇADISTA DE IPIRÁ NO CONTEXTO DA DIVISÃO INTERNACIONAL DA PRODUÇÃO DE CALÇADOS

3.3 A INDÚSTRIA CALÇADISTA NO BRASIL

de obra, como Brasil, Coréia do Sul e Taiwan37.

3.3 A INDÚSTRIA CALÇADISTA NO BRASIL

A indústria calçadista foi um dos primeiros empreendimentos de transformação a se desenvolver no Brasil, com concentração de fábricas a partir de 1870 (SUZIGAN, 2000). Para o seu surgimento, o setor contou com forte influência da mão de obra imigrante, especialmente a italiana, em São Paulo, e a alemã, no Rio Grande do Sul. As máquinas eram importadas de países europeus e dos EUA.

Mas é em 1920 que vai ocorrer um florescimento do setor, segundo Suzigan (2000), o que está relacionado ao processo de mecanização das fábricas, sendo este um período considerado por Ruas (1984) como o primeiro “surto de modernização” do setor. Neste período, houve o apoio governamental para a aquisição de maquinários. O trabalho realizado por Malatian (2015) relaciona o processo de mecanização do setor às lutas realizadas pelos sapateiros contra os baixos salários. Em 1906, sapateiros no Rio de Janeiro realizaram uma greve de mais de dois meses e meio. E, por isso, e segundo os empresários ligados à indústria calçadista, a mecanização da produção foi uma resposta aos problemas trabalhistas.

Desde então, a mecanização impulsionou o setor, que vai experimentar mudanças organizacionais ainda mais significativas na década de 1960, com o segundo “surto de modernização”, quando a esteira foi introduzida à produção, levando ao crescimento do número de plantas industriais e de trabalhadores (NAVARRO, 2006b).

Isso se deu porque, entre 1969 e 1970, teve início as exportações do calçado brasileiro. Esta década foi de muita demanda, pois, como vimos anteriormente, após a II Guerra Mundial, os países centrais do capitalismo deixaram de se ocupar da produção de bens semiduráveis, como calçado e produção de roupas, pois demandam muita mão de obra e elevados custos com o processo produtivo. Internamente, o país desenvolvia seu parque industrial.

Em condição subordinada, por meio da subcontratação de serviços industriais, foi imposto a países com baixos salários e legislação trabalhista frágil, como o Brasil, a produção da parte do calçado mais intensiva em mão de obra, para os mercados europeu e norte-

americano. Esta condição subordinada é muito bem caracterizada por Navarro (2006b), ao falar sobre o papel dos intermediários das exportações e o seu impacto no processo produtivo brasileiro:

Embora os empresários do setor de calçados de couro creditem a elevação do padrão de qualidade ao papel desempenhado pelos intermediários das exportações, essa relação é marcada pela “cobrança”, pela crescente subordinação da produção às exigências e imposições desses intermediários, que afetam o volume de produção, as características do produto, o próprio processo de produção e os níveis de rentabilidade da empresa, ao mesmo tempo em que atrofiam o desenvolvimento, no país, de setores estratégicos para a produção desses mesmos calçados: a estrutura de distribuição, inclusive para o mercado interno, e a criação de modelos, de design, em especial para o mercado externo.

[...]

A rentabilidade da produção destinada ao mercado interno é maior do que aquela voltada para a exportação; os preços pagos pelos importadores costumam ser inferiores àqueles que os mesmos calçados ou modelos similares obteriam no mercado interno (NAVARRO, 2006b, p. 404-405). Mas, ainda segundo Navarro, o baixo poder aquisitivo do trabalhador brasileiro e a sua fragilidade frente às políticas de arrocho salarial explicam a opção, por parte do empresariado brasileiro, pela ampliação de mercado, ainda que a preços menores do que os ofertados internamente.

O modelo a ser produzido, o prazo de entrega, tudo era definido pelos compradores externos. E, segundo Navarro (2006), já em 1970, os prazos eram rígidos e os volumes grandes. Assim, para cumprir essas determinações, os produtores brasileiros enviavam parte da costura e, posteriormente, o pesponto, para domicílios; e a costura manual na fôrma, trabalho pesado geralmente realizado por homens, era enviada aos presídios, entre 1972 e 1975.

O mercado externo era então abastecido especialmente pela produção dos dois grandes polos calçadistas brasileiros. O maior, o Vale do Rio dos Sinos ou Vale dos Sapateiros (RS), abriga, atualmente, 35,1% das empresas ligadas ao setor (2.720) e concentrava 33,6% dos empregos (95,1 mil) em 2015; no entanto, representa apenas 22,3% dos pares produzidos no país. Franca (SP), o segundo maior polo, detém 31% das empresas (2.403); juntas, ambas empregam 15% dos trabalhadores do setor (42, 4 mil) (ABICALÇADOS, 2016).

Estes polos tradicionais foram reestruturados de forma significativa, após a entrada da China e de mais quatro países asiáticos no mercado internacional de calçados, em meados de 1980, período em que o Brasil perdeu uma fatia do mercado exportador no segmento do calçado de baixo custo. Contra esta movimentação, os empresários brasileiros buscaram se reestabelecer disputando uma faixa de mercado considerada mais sofisticada, para impedir

que a China disputasse o comércio de forma “desleal”, “por meio de custos de produção subsidiados e sub-remunerados” (BATISTA, 1996, apud NAVARRO, 2006b, p. 389).

E, neste contexto, a divisão internacional do trabalho torna o processo produtivo do calçado mais fragmentado. Seu design poderia ser elaborado na França ou EUA, o couro teria origem na Itália e o seu cabedal seria produzido em países como o Brasil ou China (Navarro, 2006b). As atividades estratégicas e de maior conteúdo tecnológico ficam sob a responsabilidade dos países centrais do capitalismo e as operações intensivas em mão de obra são impostas aos trabalhadores dos países periféricos.

A adesão dos empresários ligados ao ramo calçadista ao processo de reestruturação produtiva resultou, basicamente, em inovações organizacionais, com poucas modificações do ponto de vista tecnológico. Isso vai ter um efeito devastador sobre os trabalhadores e sua representação, num contexto de desemprego e de competição entre trabalhadores, provocado pelos novos métodos de organização trabalhista, como o trabalho em grupo (PICCININI, 1997). como veremos adiante, essas mudanças na organização da produção e do trabalho atingirão fortemente os polos tradicionais com a terceirização e com o processo de deslocamento da produção das capitais para novos territórios sem tradição industrial.

Apesar da crise que marcou o período entre a década de 1980 e 1990, no Brasil, para a produção de calçados, observou-se um crescimento. Ou seja, esta década não pode ser considerada “perdida”, do ponto de vista econômico, para o empresariado ligado ao setor calçadista (REIS, 1994 apud NAVARRO, 2006b). Para Reis, o setor soube aproveitar os instrumentos disponíveis como a política cambial, fiscal e creditícia, fazendo crescer as exportações, especialmente nos anos de 1983 e 1984. O setor calçadista brasileiro se beneficiava da crise no mercado internacional, abastecendo-o com calçados de qualidade e com os calçados masculinos em couro produzidos em Franca, São Paulo. Até 1986, a expansão da produção veio acompanhada de aumento, tanto do emprego formal quanto do informal, dentro e fora das fábricas, nas bancas e domicílios.

Mas a política econômica do Governo Collor teve forte impacto negativo sobre o setor, expondo-o à concorrência internacional, com a abertura econômica. A queda no nível de produção tem início em 1987 e se agravou em 1991, com as importações do calçado produzido na China e em outros países asiáticos de baixo preço e baixa qualidade. Entre 1986 e 1996, só em Franca, 16.500 postos de trabalho foram extintos.

Neste contexto, os produtores aderiram à reestruturação produtiva, especialmente por meio da terceirização. Guardadas as devidas diferenças entre os polos e entre as empresas, no geral, parte da produção foi terceirizada para ateliês (polo gaúcho) e bancas (no polo

francano). Com isso, postos foram eliminados, especialmente as tarefas auxiliares. O trabalhador multifuncional ou polivalente passou a ter importância cada vez maior na produção, ao se verificar, ainda, a intensificação e controle do trabalho, o que significou, do ponto de vista dos trabalhadores, sobrecarga e adoecimento. A terceirização, uma prática antiga no setor, mas apenas em contextos de encomendas excessivas que extrapolavam a capacidade produtiva da empresa, deixou de ser a exceção e tornou-se a regra, com um claro objetivo: reduzir custos e tornar os produtos competitivos, para ampliar o lucro. A ocupação de determinadas regiões do Nordeste brasileiro pelo grande capital ligado ao setor e a implantação de grandes plantas industriais de origem no Sudeste e, especialmente, do Sul país, se deu como parte da política de deslocamento industrial, no contexto da reestruturação produtiva.