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Caso 7 (Demissão): Cristina Ou me mandam ou eu pulo a cerca: o pedido de demissão [Auxiliar de Montagem Mãe de dois filhos Funcionária dedicada e apaixonada

4 Os trabalhadores em cargo de chefia: Hierarquia regional e de gênero

4.2 PERFIL DA CHEFIA

4.2.2 Estado civil, escolaridade e qualificação profissional

FONTE: Material organizado a partir dos Termos de Rescisão de Contratos dos chefes demitidos entre 2011 e 2016. Doados pelo Sindical.

Outro dado importante, no que diz respeito ao perfil das chefias, é o seu tempo na empresa. A fábrica foi implantada em 2003, e, portanto, produz no município há 13 anos, além de contar com trabalhadores com muito tempo de atividade. Entre os que têm “mais de seis a sete anos”, encontram-se: a metade das auxiliares do sexo feminino; apenas dois dos 18 auxiliares do sexo masculino. Entre os coordenadores: 1 mulher entre 10 tem mais de seis anos na empresa; dos 41 coordenadores, 14 estão nesta condição. Entre supervisores, 2 de 6 mulheres têm mais de seis anos na empresa; 7 dos 21 homens estão na mesma condição.

Entre as chefias vindas de outras regiões, identificamos alta rotatividade: todos os supervisores ficaram menos de 4 anos na empresa, sendo a exceção uma coordenadora que há mais de 7 anos encontra-se na unidade de Ipirá94.

4.2.2 Estado civil, escolaridade e qualificação profissional

Do ponto de vista do estado civil, e com base nas entrevistas realizadas, observamos que a maioria da chefia nativa mantém uma relação conjugal. Todos os homens da amostra estão casados ou em união estável e com filhos (dois filhos, no máximo). Entre as mulheres que

encontramos, são exceções: dentre as seis entrevistadas, duas são solteiras sem filhos e uma chefa de família com apenas um filho. Este perfil é bem diferente do encontrado no operariado, no qual predominava os solteiros (78,2%) (SILVA, 2008)95, e o percentual de operárias casadas (13,9%) era superior ao de seus pares (7,2%).

A chefia apresenta perfil escolar muito próximo ao dos operários. Vimos que no processo seletivo, a fábrica exigia o primeiro grau completo. No entanto, a análise das fichas de filiados ao Sindical evidenciou que a maioria daqueles e daquelas que estavam associados ao sindicato possuía o segundo grau completo e/ou incompleto (73,7%), do quais 43,2% eram mulheres e os homens 30,5%96 (SILVA, 2008). E, segundo dados disponibilizados pela

empresa, de um universo de 1.604 funcionários, cinco (05) possuíam nível superior incompleto, seis (06) superior completo e apena um (01) era pós-graduado97. Na atual

pesquisa, a maioria dos entrevistados possui o segundo grau completo, mas com três exceções: uma supervisora era bióloga; e um casal (coordenador e auxiliar) de origem rural havia retomado os estudos após a ascensão na empresa e, no momento da pesquisa, cursava o ensino médio à noite.

Diferente dos operários que pouco se comunicam no ambiente de trabalho, sendo, aliás, até impedidos de interações durante a jornada, os ocupantes de cargos de chefia são receptores e transmissores de informações, diariamente, tanto na relação com seus subordinados quanto com seus superiores. Saber se expressar é fundamental para este segmento da classe trabalhadora no seu fazer laboral, especialmente para auxiliares e coordenadores no trabalho diário de orientação e treinamento dos operários; e, para supervisores, por serem responsáveis pela produção de relatórios e exposição de diagnósticos em reuniões com a gerência. Talvez, por isso, durante a entrevista, Júlia, a atual responsável pelo setor de recursos humanos, aponte a baixa escolaridade das chefias nativas como uma dificuldade enfrentada pela empresa no município.

A dificuldade é que a gente consegue pessoas com o nível de escolaridade muito baixo. Tá. Ensino fundamental incompleto e às vezes mesmo se tu promove pessoas para coordenadores ou até supervisores e não tem nível de escolaridade muito alta, às vezes nem tem ensino médio. Então, acaba promovendo, porque possui uma certa experiência e tem conhecimento específico da área, mas isso é um requisito negativo, né? Se a gente tivesse condições de ter pessoas com nível de escolaridade melhor, eu acredito que eles iam treinar mais as pessoas, iam conseguir passar informações de

95 Dados produzidos a partir de informações disponíveis na ficha de filiação. Foram analisadas 725 fichas doadas

pelo Sindicato.

96 Os dados disponibilizados pela empresa eram semelhantes (de 1.604 trabalhadores, 1.045 possuíam segundo

grau completo e incompleto) (SILVA, 2008).

maneira mais correta, da primeira vez, não precisar “ah, não entendeu” vou ter que passar de novo. E quando a escolaridade é maior, a pessoa vai também se desinibindo, vai tendo mais vontade de se expressar e de fazer as coisas acontecer. Então, isso eu acho um ponto negativo (Júlia, gaúcha, 33 anos, branca, casada, uma filha, responsável pelo RH, pós-graduanda em marketing).

Entre as entrevistas complementares, localizamos uma ex-funcionária da fábrica, que atua na coordenação de ateliês, com formação técnica em segurança do trabalho. O curso foi financiado pela fábrica, o que sugere alguma relação com o projeto de terceirização da produção, suposição que parece se confirmar na medida em que, após a demissão, esta funcionária foi imediatamente convidada a coordenar a produção de um ateliê instalado no município do Bravo, onde se exigia conhecimentos da legislação sobre segurança no trabalho. A instalação deste ateliê se deu por intervenção direta da fábrica de Ipirá.

Apesar de a empresa reconhecer a necessidade de dispor no município de mão de obra mais qualificada, a mesma não oferece condições para que as chefias possam conciliar trabalho e estudo – especialmente nos períodos de muita demanda98. Dar continuidade aos

estudos estava nos planos de algumas mulheres. Uma coordenadora chegou a participar da prova do Enem99 e a outra, a supervisora de nível superior, por desejar retomar os estudos, pediu demissão após passar em concurso público para agente de endemias.

Eu saí porque eu passei num concurso público e eu ainda tenho que estudar, e lá eu não achava tempo para estudar, né? Era difícil. A faculdade que eu fiz mesmo era muito puxada. Fiz mesmo porque tinha garra. Era difícil conciliar as duas coisas. Eu sou uma pessoa que sou muito preocupada com o que eu faço; então aquilo ali gastava muito a minha mente, porque eu ficava muito focada nas minhas responsabilidades ali dentro. Aí, quando eu chegava em casa, a mente já estava muito cansada. Não dava para estudar (Laura, ipiraense, 31 anos, parda, chefa de família, um filho, bióloga, supervisora de costura).

Excesso de responsabilidade e forte desgaste mental expressam o quanto a jornada de trabalho prolongada é também intensificada e, por isso, inviabiliza os estudos. Mas, diante das dificuldades internas da fábrica, existem muitas barreiras fora dela que impedem que se eleve o nível de escolaridade dos trabalhadores, inclusive os da chefia, principalmente as mulheres. O município não possui universidade pública, dispondo tão somente de cursos profissionalizantes e Educação a Distância (como EAD, pela FTC). Para os que estudam à noite, falta transporte público no município e a precária segurança pública desestimula as

98 No Estado do Ceará, a situação é a mesma, conforme vem apontando Lima, Borsoi e Araújo (2011). 99Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

atividades noturnas. Sobre isso, a supervisora, que ministrou aulas à noite quando ainda trabalhava na fábrica, afirma:

Eu fiz faculdade de Biologia, aí esses três últimos anos aqui eu fui professora. [Você conciliou com o trabalho na fábrica?] Eu estudava à noite, e dava aula à noite. [Já como chefa?] Já. Era uma rotina muito pesada, mas como eu queria esta experiência, eu não podia jogar fora, né, porque quando a gente tem a experiência, é melhor do que ter só a faculdade. Eu não continuei, fiquei só até junho, por causa do transporte à noite. Meu bairro ficou muito perigoso (Laura, supervisora de costura, 31 anos, cor parda, chefa de família, 1 filho, bióloga).

Feira de Santana, município que fica a mais ou menos 100 km de Ipirá, dispõe de cursos de nível superior presencial, mas só recentemente os ipiraenses tiveram acesso a um transporte estudantil, ainda que restrito à UEFS100.

Por fim, vale destacar ainda que encontramos entre os entrevistados ex-funcionários da fábrica o retorno aos estudos para concurso público e para curso técnico em enfermagem (dois casos).

No que concerne à formação profissional, vimos no Capítulo 4 que o grupo ao qual a empresa pertence dispõe de uma estrutura que a permite treinar seus funcionários a distância, como uma Universidade Corporativa, que dispõe de uma “plataforma de ensino à distância, atendendo à dispersão geográfica de nossos colaboradores e às necessidades de cada uma das unidades de negócios”101. O objetivo do grupo é estimular “a busca por fazer mais e melhor”.

Para isso, a unidade de Ipirá conta com determinadas tecnologias para a realização destas atividades a distância, como reuniões e até seleção por Skype102.

Todos os trabalhadores participaram de algum tipo de treinamento para o trabalho realizado pelo SEBRAE e/ou pela própria empresa no chão da fábrica. Trata-se, ainda, de chefes que há muitos anos trabalham na empresa; inclusive três dos dez entrevistados são da primeira turma de 2003, ou seja, têm experiência e conhecimento técnico. Por isso, independente do sexo, os coordenadores e supervisores participam de cursos de qualificação profissional realizados geralmente dentro da jornada de trabalho, por profissionais vindos do Sul (engenheiros, psicólogos, entre outros).

100 A informação nos foi concedida por um ipiraense que trabalha como motoboy cujo irmão era estudante da

UEFS e festejava a disponibilização do ônibus pela Prefeitura de Ipirá.

101 Informações disponíveis também no Site da Empresa.

102 Skype é um software que possibilita comunicações de voz e vídeo via Internet, permitindo a chamada gratuita

entre usuários em qualquer parte do mundo. As chamadas gratuitas (de Skype para Skype) se realizam entre

usuários que possuem o software instalado no computador. Disponível em:

Alguns cursos são específicos para supervisores e coordenadores, outros não. Eles são realizados em várias etapas, com entrega de certificado, e abordam temas diversos, como “liderança” e “relações humanas” – comum a todos, independente do setor. Outros cursos como “melhoramento de métodos” e “aplicação de agulhas” são específicos para cada setor. Os auxiliares não participam destes espaços, constituem exceção à regra os que já estão em processo de ascensão ao cargo de coordenação.

Ao comentarem sobre os cursos, elogiosamente, os chefes deixam muito claro como a empresa pretende fazer mais e melhor. Nos cursos, eles aprendem a trazer o funcionário para o seu lado, para os objetivos da empresa, que são, fundamentalmente, o cumprimento de meta, a eficiência e a qualidade do produto. “Sempre existe um método melhor”, expressa a síntese do curso “Melhoramento de Método”. “Você pode esperar mais se analisar mais”, é o ensinamento do curso “Liderança”. “As pessoas devem ser tratadas individualmente”, é a mensagem principal que consta no cartão que cada chefe recebe após o curso “Relações Humanas no Trabalho”.

Eu estou num curso agora que eu recebi o quarto cartão. E eles são sete cartões, cada um para uma coisa, para uma determinada função. Conversar, saber se expressar. Como fazer? De que forma fazer? Não ofender as pessoas. Esse tipo de coisa que está desenvolvendo muito. Está ajudando muito (Valdo, ipiraense, 31 anos, pardo, casado, sem filho, coordenador de corte) (grifo nosso).

Os cursos são sempre relacionados em como você lidar e como você trazer o funcionário para o seu lado, saber que eles é o mais importante, porque são eles que fazem. Os cursos são ótimos! Eu gosto (Laura, ipiraense, 31 anos, parda, chefa de família, um filho, bióloga, supervisora de costura) (grifo nosso).

Todos os entrevistados avaliaram positivamente os cursos, inclusive um deles destacou a sua importância para relação com as pessoas na empresa e fora dela, em casa e na sociedade em geral. A fábrica conta com certo reconhecimento junto às chefias, como a empresa melhor estruturada da região e a que forma quadros para outras fábricas. Uma ex-chefa chegou a se referir à empresa como uma “escola”:

Eu costumo brincar que a fábrica103 é uma escola. Lá forma profissionais e

outras empresas absorvem. Meu marido, por exemplo, é uma pessoa dessas, né? (Anita, ipiraense, 34 anos, casada, duas filhas, ex-chefa da fábrica e coordenadora de ateliê).