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FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO SOCIAL DO TRABALHO COMO DOMINAÇÃO SOCIAL

Caso 7 (Demissão): Cristina Ou me mandam ou eu pulo a cerca: o pedido de demissão [Auxiliar de Montagem Mãe de dois filhos Funcionária dedicada e apaixonada

2 TOYOTISMO, PRECARIZAÇÃO E GÊNERO: O TRABALHO EM CARGO DE COMANDO NA INDÚSTRIA CALÇADISTA

2.5 FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO SOCIAL DO TRABALHO COMO DOMINAÇÃO SOCIAL

Para Druck (2002), flexibilização e precarização são fenômenos indissociáveis. E, por isso, devem ser analisados conjuntamente. Nos estudos no Brasil, a flexibilização, termo mais usado que flexibilidade, tem significado, segundo Druck e Thebaud-Mony (2007), instabilidade, incerteza, insegurança, imprevisibilidade, adaptabilidade, risco. Em geral apontados como “condições exigidas, impostas ou construídas por uma nova configuração em transição”.

Enquanto processo social, a flexibilização é uma necessidade da globalização da economia. Ela atua no âmbito da produção através da reestruturação produtiva, buscando reorganizar a produção e a gestão da mão de obra tendo em vistas adequar esta produção às demandas do capital flexível financeirizado (DRUCK, 2005). Segundo esta autora, “trata-se de uma rapidez inédita do tempo social, que parece não ultrapassar o presente contínuo, um tempo sustentado na volatilidade, efemeridade e descartabilidade, sem limites, de tudo o que se produz e, principalmente, dos que produzem – os homens que vivem do trabalho” (DRUCK, 2005, p. 3).

Assim, para que esse tempo social se efetive, é fundamental que, no campo da produção e do trabalho, as transformações deem corpo a uma reestruturação compatível com a rigidez exigida em todos os processos de produção e circulação de mercadorias. O curto prazo impõe processos ágeis de produção e de trabalho, e para tal, é indispensável contar com trabalhadores que se submetam a quaisquer condições para atender ao novo ritmo e às rápidas mudanças. O lema é aumentar a produtividade a qualquer custo, ou seja, produzir mais em menos tempo e aqueles que não se adaptam devem ser descartados (DRUCK, 2005, p. 3).

As transformações do mundo do trabalho nas três últimas décadas se dão sob a égide da precarização social do trabalho enquanto

processo econômico, social e político que se tornou hegemônico e central na atual dinâmica do novo padrão de desenvolvimento capitalista – a acumulação flexível – no contexto de mundialização do capital e das políticas de cunho neoliberal. Trata-se de uma estratégia patronal, em geral apoiada pelo Estado e seus governos, que tem sido implementada em todo o mundo, cujos resultados práticos se diferenciam muito mais por conta da história passada de cada país, refletindo os níveis de democracia e de conquistas dos trabalhadores, do que da história presente, cujos traços principais os aproximam e os tornam semelhantes, pois a precarização social do trabalho se impõe como regra e como estratégia de dominação cada vez mais internacionalizado (DRUCK, 2013).

Além de ser central na dinâmica do capitalismo contemporâneo, seu caráter novo se dá porque deixa de ser marginal, tornando-se “o coração” da atual fase do capitalismo hegemonizado pela lógica do capital financeiro. A precarização do trabalho assume características singulares, pois são normalizadas ou institucionalizadas, sendo, portanto, diferente da precariedade em outras conjunturas do capitalismo.

É como se houvesse um “consenso social” que legitima um processo de normalização do status de empregos desvalorizados, precarizados pela flexibilização dos tempos de trabalho e das formas de emprego ou da aceitação – como “normal” – do desemprego em massa. (Appay e Thebaud-Mony, 1997) (DRUCK, 2005, p. 7).

Trata-se de um processo inédito também pela sua abrangência: ele alcança o Estado e suas políticas, o sindicato, a legislação trabalhista e social, as formas de organização do trabalho.

Considera-se que a precarização do trabalho constitui um novo fenômeno no Brasil: suas principais características, modalidades e dimensões sugerem um processo de precarização social inédito nas últimas duas décadas, revelado pelas mudanças nas formas de organização/gestão do trabalho, na legislação trabalhista e social, no papel do Estado e suas políticas sociais, no novo comportamento dos sindicatos e nas novas formas de atuação de instituições públicas e de associações civis (DRUCK, 2013, p. 55).

A flexibilização é uma “estratégia de precarização”, é inspirada por razões econômicas e políticas (BOURDIEU, 1998).

A precariedade se inscreve num modo de dominação de tipo novo, fundado na instituição de uma situação generalizada e permanente de insegurança, visando obrigar os trabalhadores à submissão, à aceitação da exploração. (...) esse modo de dominação é absolutamente sem precedentes (...) (BOURDIEU, 1998, p. 122-123).

Não se trata de um “regime econômico”, mas de um “regime político que só pode se instaurar com a cumplicidade ativa ou passiva dos poderes propriamente políticos” (BOURDIEU, 1998, p. 125). Esse novo modo de dominação é um regime político. Por contar ativa e passivamente com os poderes políticos. Governos Tatcher e Reagan contribuíram decisivamente com o processo de desregulamentação dos mercados. Participaram ainda da política de atração de investidores em regiões como o México e Haiti.

Para pensar localmente, podemos lembrar a participação do governo do Estado e do Governo municipal por meio da política de atração de investidores e a garantia de condições adequadas à exploração dos trabalhadores.

Para atrair os investidores, estes governos asseguram a passividade política dos trabalhadores destas regiões. O que aconteceu no Haiti na década de 1970 se repetiu no Ceará

e na Bahia no final do século. Consta em uma Carta da Associação das Fábricas de Montagem endereçada a firmas americanas instaladas na fronteira do México:

os senhores têm problemas no México devido às pressões sindicais, aos aumentos salariais e aos benefícios sociais. Venham, então, para o Haiti: aqui encontrarão uma mão de obra dócil, abundante e barata. Nenhum problema com os sindicatos. Eles simplesmente não existem. Em vez disso, os senhores serão recebidos por um governo muito aberto aos investimentos americanos... (LE DOARÈ, 1986, p. 49-50).

Rigotto (2008) lembra que a imagem do ‘trabalhador pacífico’ – em verdade um trabalhador com baixa escolaridade, baixo nível de consciência de direitos e muito dependente do emprego – é vendida pelo secretário do Estado do Ceará junto com outras vantagens comparativas oferecidas pelo governo para atrair indústrias. “Estas, por seu turno, vindas com trauma de mão de obra de suas matrizes, por terem que lidar com um sindicalismo mais forte, já chegam escoladas em estratégias de cooptação e repressão dos trabalhadores” (RIGOTTO, 2008, p. 194).

No Estado da Bahia, em documento oficial, o Governo afirma sem nenhum constrangimento as vantagens da dispersão geográfica:

No caso da Bahia, a localização relativamente dispersa das empresas teve como principal vantagem a menor pressão exercida pelas organizações sindicais” (BAHIA, 2000, p. 47/48).

Pelo exposto, entendemos, a precarização como estratégia de dominação. Isso significa, conforme afirma Druck (2013), perceber que o capital faz uso da força e do consentimento para dominar o trabalho. Faz uso da força quando condições precárias de trabalho são impostas aos trabalhadores, quando o capital ocupa territórios com predominância do desemprego e do trabalho informal como o Nordeste brasileiro.

Já o consenso se dá quando, diante da crise, trabalhadores e trabalhadoras, influenciados pelos seus dirigentes sindicais e governos, passam a acreditar que as transformações nas condições de trabalho são inexoráveis.

Este consenso se expressa quando governos baianos incentivam o trabalho precário, de diferentes formas: através de contratos com empresas com tempo curto que varia de 5 a 10 anos, através da oferta de cursos de capacitação realizados pelo SENAI estimulando a rotatividade (Silva, 2008), ou aceitando que as empresas se organizem de forma dispersa, sem a formação de aglomerados com o objetivo de dificultar a organização dos trabalhadores e trabalhadoras, entre outros.

2.5.1 Terceirização: forma mais flexível de uso da força de trabalho

Nos estudos sobre a precarização, Druck (2013) vem trabalhando com a ideia de

indicadores da precarização. Para o caso brasileiro, a autora destaca os cincos mais

importantes, sendo a terceirização um deles: 1) o desemprego, considerada a condição mais precária de todas, e que atinge mais duramente os jovens; 2) a informalidade que cresce, sobretudo na maior cidade do país, São Paulo, aproximando-a da capital baiana; 3) a terceirização, que se torna uma epidemia; 4) as precárias condições e organização do trabalho com destaque para a intensificação do trabalho, bem como crescimento das práticas de assédio moral inclusive entre trabalhadores qualificados como médicos e psicólogos, e adoecimentos ocupacionais; 5) formas de resistência.

Entre as diferentes disciplinas, inclusive na sociologia do trabalho, não há definição comum para terceirização; o que há, segundo Druck e Thebaud-Mony (2007), são elementos centrais, presentes nas formulações, como a ideia de transferência ou de repasse a um outro, a um terceiro, sendo comum a referência à flexibilização como algo necessário, para reduzir e para atender a “urgência produtiva”.

As autoras concebem a terceirização ou subcontratação como um fenômeno mundial que se generalizou para todas as atividades e tipos de trabalho na indústria, no comércio, nos serviços, no setor público, no setor privado, sendo esta a principal forma de flexibilização e precarização do trabalho.

Na indústria, a terceirização ou subcontratação teve início em atividades consideradas periféricas: limpeza, alimentação, segurança, e outros. Pelas atividades não é difícil afirmar que as “cobaias”21 da terceirização foram mulheres negras (limpeza e alimentação) e homens

negros (segurança).

A terceirização é concebida como um fenômeno velho e novo. É velho porque existe desde os primórdios do capitalismo e o acompanhou em seu desenvolvimento, mas sempre de forma periférica, sobretudo nos centros mais industrializados. Diferente do que ocorre hoje, quando a terceirização passa a ocupar lugar central nas novas formas de gestão e de organização do trabalho inspiradas no modelo japonês de organização do trabalho e da produção.

21 Hirata (1998) constata o mesmo ao analisar o trabalho em tempo parcial, uma modalidade de trabalho flexível

destinada às mulheres. Para ela as trabalhadoras podem ser vistas como “cobaias” para o desmantelamento do assalariamento.

Considera-se a terceirização como a principal forma ou dimensão da flexibilização do trabalho, pois ela viabiliza um grau de liberdade do capital para gerir e dominar a força de trabalho quase sem limites, conforme demonstra a flexibilização dos contratos, a transferência de responsabilidade de gestão e de custos trabalhistas para um “terceiro” (DRUCK e THEBAUD-MONY, 2007, p. 28).

A terceirização enquanto prática antiga de trabalho se metamorfoseou na medida em que no contexto atual de crise do capital ganhou amplitude e centralidade. De peça marginal transforma-se em “prática chave” para a flexibilização produtiva nas empresas. Assim, cumpre papel importante na dominação do capital sobre os trabalhadores no contexto da reestruturação produtiva, pois permite concretizar o que desejam os empresários: os contratos flexíveis.

A terceirização pode se realizar de diferentes formas: através de cooperativas de trabalho, do PJs, através de serviços especializados (no caso da indústria calçadista se dá via ateliês ou bancas), entre outros. Nem sempre a terceirização leva à informalização das relações de trabalho.

Segundo Krein (2013), a terceirização voltada para as grandes empresas e para o setor público pode contribuir para a formalização dos contratos, mas isso não significa a perda da sua característica central e predominante de ser uma forma de flexibilização, de redução de custos – e, vale acrescentar, de divisão dos trabalhadores e acirramento das diferenças entre eles.

Umas das decorrências mais evidente da precarização é a intensificação do trabalho. Esta é um dos sintomas da precarização das condições de trabalho para aqueles e aquelas que sobreviveram á reestruturação produtiva e a implementação das práticas toyotistas de organização do trabalho e da produção (DRUCK, 2013).

A intensificação atinge a todos, independente do setor e da função, sendo a “regra tanto no setor terciário quanto no secundário, tanto relacionado aos executivos quanto aos trabalhadores de execução (...)” (HIRATA, 2011, p. 16).

Para identificar se há intensificação do trabalho, Dal Rosso (2013) sugere analisar a organização do trabalho. Ele indica elementos gerais que são indicadores da intensificação: ritmo e velocidade exigidos pelas atividades, acúmulo de tarefas, polivalência ou exercício simultâneo de diversas atividades paralelas, cobrança de resultados por parte de chefes ou controladores dos processos de trabalho, entre outros. E há um elemento novo na política de intensificação do trabalho: “o cliente” (SEGNINI, 2007).

Em meio a tanta cobrança por resultados e metas, o assédio moral não poderia se ausentar nas relações de trabalho. Maus tratos têm sido observados nas relações hierárquicas, mas também entre os trabalhadores e trabalhadoras.

O ambiente atual de trabalho, de precarização como estratégia de dominação, de “gestão pelo medo”, é extremamente fértil para a propagação dos maus tratos. Eles são incentivados por uma perversidade que contamina o ambiente, estimula condutas que levam à desqualificação, à desvalorização e à depreciação do “outro” e causa dano, sofrimento e mesmo doenças. Esse comportamento é estimulado muitas vezes pela concorrência entre os próprios colegas, mas torna-se uma “política da empresa”” (Barreto, citado em Aguiar, 2006; citado em Druck, 2013, p. 69-70).

Doenças ocupacionais como Ler – Dort e burn-out, bem como mortes súbita por excesso de trabalho (karoshi) e até mesmo o suicídio ocupacional (karojisatu) são decorrências das atuais mudanças realizadas pelo capital e pelo estado na esfera da produção e da ação coletiva.

2.6 IMPACTO DO TOYOTISMO NO TRABALHO DE CHEFIA NA