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Caso 7 (Demissão): Cristina Ou me mandam ou eu pulo a cerca: o pedido de demissão [Auxiliar de Montagem Mãe de dois filhos Funcionária dedicada e apaixonada

3 A INDÚSTRIA CALÇADISTA DE IPIRÁ NO CONTEXTO DA DIVISÃO INTERNACIONAL DA PRODUÇÃO DE CALÇADOS

3.1 CARACTERÍSTICAS DA INDÚSTRIA CALÇADISTA

DIVISÃO INTERNACIONAL DA PRODUÇÃO DE CALÇADOS

Este capítulo tem como objetivo apresentar o setor calçadista, ramo da economia que é matéria de análise deste estudo. Dessa forma, consideramos suas principais características, além da questão da subordinação da produção brasileira de calçados à divisão internacional. Analisamos primeiramente os efeitos da reestruturação produtiva ou empresarial sobre os tradicionais polos produtores de calçados no Brasil, que estão localizados em duas regiões: o Rio Grande do Sul e São Paulo. Essa reestruturação promoveu uma maior fragmentação do processo produtivo e da força de trabalho, por meio da terceirização e da ocupação de novos territórios localizados em regiões sem tradição industrial.

Dessa forma, analisamos o processo de constituição de novos distritos industriais no Nordeste brasileiro, que, em condição dependente aos tradicionais polos de produção, tornaram-se a principal referência em produção de calçado, com peso expressivo em exportações. Deu-se ênfase ao contexto da Bahia, especialmente ao de Ipirá, por ser este o recorte empírico do estudo, cujo grupo empresarial pertence, no Brasil e no mundo, a uma rede de subcontratação de uma multinacional sediada na região onde se localiza a fábrica analisada.

3.1 CARACTERÍSTICAS DA INDÚSTRIA CALÇADISTA

A indústria calçadista é de base técnica tradicional, que guarda características muito artesanais, especialmente no segmento do calçado de couro e do calçado montado – apesar das inovações tecnológicas ocorridas especialmente nos dois períodos de surtos de modernização no setor – entre 1880-1920 e 1969-1970, conforme Ruas (1984). É, por isso, um setor muito dependente do trabalho vivo, sendo este um fator determinante de competitividade. A exceção se aplica particularmente à produção de calçados injetáveis de plásticos32 (NAVARRO, 2006b).

Sua capacidade de gerar empregos, seu volume de produção e sua significativa participação na pauta de exportações fazem da indústria calçadista um importante ramo da economia (NAVARRO; PRAZERES, 2010). E por gerar muito emprego, foi alvo das disputas

32 Em 2015, esse tipo de calçado representou 46,6% da produção de calçados no Brasil, quando considerado

enquanto material predominante (ABICALÇADOS, 2016). O Nordeste, especialmente o Estado do Ceará, se destaca neste segmento.

entre municípios e estados no contexto da “guerra fiscal”, na década de 1990. Em 2015, as 7,7 mil empresas voltadas à fabricação de calçados no Brasil empregavam um total de 283,1 mil trabalhadores (ABICALÇADOS, 2016).

Terceiro maior produtor mundial de calçados, o Brasil produziu 994 milhões de pares em 201533, dos quais 129 milhões destinaram-se à exportação – o que reservou ao país a décima quarta posição entre os principais exportadores mundiais. O Brasil se destaca ainda pelo ponto de vista do emprego, sendo considerado um dos maiores empregadores mundiais no ramo, perdendo apenas para a China e Indonésia, em 1998 (Navarro, 2006b).

Uma característica importante deste ramo da indústria, conforme destaca Navarro (2006a), é a heterogeneidade entre as empresas calçadistas, no que diz respeito ao porte, ao aparato tecnológico, ao número de trabalhadores empregados, entre outros aspectos. E ainda pelos métodos de gestão e a combinação que faz deles.

A aglomeração geográfica é outro traço desse setor. No Brasil e no mundo, a produção costuma organizar-se em determinados territórios, onde geralmente são reunidas todas (ou quase todas) as atividades da cadeia produtiva, como a criação bovina, os centros de pesquisa, as vendas e todo o processo produtivo do calçado. No Brasil, os polos tradicionais encontram- se em duas regiões geográficas: o Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, que abrange 26 municípios; e Franca, em São Paulo.

Apesar da sua concentração geográfica, esta produção costuma organizar-se de forma segmentada, de modo que cada região especializa-se em determinado tipo de calçado. A Região de Franca é a maior produtora de calçado masculino em couro voltado para a exportação. Ainda em São Paulo, o município de Birigui destaca-se enquanto maior produtor de calçado infantil do país. A confecção de calçado feminino em couro concentra-se em mais de uma região: Vale do Rio dos Sinos (RS), em São João Batista (SC) e em Belo Horizonte (MG). A produção de calçado esportivo destaca-se em Nova Serrana (MG) e Vale do Rio dos Sinos (RS); nesta região, há ainda a confecção de calçado alternativo, como os de plástico. Apesar do peso que a produção de calçado em material sintético tem no Nordeste brasileiro, especialmente no Ceará, a lógica de segmentação nesta região se diferencia radicalmente da dos polos tradicionais.

O processo produtivo do calçado montado (não injetável) tem caráter descontínuo, e realiza-se, segundo Ruas (1984), de modo geral, em seis etapas: a modelagem, corte do couro,

33 Há uma queda na produção quando se considera os anos anteriores. Em 2014 foram produzidos 998 milhões e

em 2013 o Brasil produziu 1. 036 milhões de pares (ABICALÇADOS, 2016). Mas, ainda assim, a produção deste período foi superior às das décadas anteriores. Em 1989, o Brasil produziu 592 milhões; uma década após, esta produção era menor: 499 milhões de pares; (Navarro, 2006 b).

costura, pré-fabricação, montagem e acabamento. Esta divisão do trabalho garante um relativo grau de autonomia entre as etapas produtivas.

Resulta das condições acima um relativo grau de autonomia entre os diferentes setores da produção de calçados, autonomia esta que se revela através da especificidade de cada setor, em termos de nível de mecanização e cadência do trabalho, e justifica-se pelo tipo de desenvolvimento tecnológico e pela divisão do trabalho comum ao ramo, o que permite uma mecanização parcial. Na verdade, a produção de calçados não necessita de uma base técnica comum. Em consequência, é normal que se identifiquem defasagens tecnológicas entre setores de uma mesma unidade fabril, determinando, muitas vezes, diferenças em seus ritmos de trabalho. A utilização generalizada de serviços externos na forma de “ateliês” domiciliares de costura, às vezes de corte ou até de montagem, não apenas caracteriza essa diferença na efetividade entre setores, como também a compensa (RUAS, 1984, p. 97) (grifo nosso).

A sazonalidade é uma qualidade distintiva desta produção, com picos em alguns períodos e baixas em outros; e isso explica, em parte, a alta rotatividade do trabalho neste ramo, que já ocorria, inclusive, antes do processo de flexibilização das leis trabalhistas na década de 1990 (NAVARRO, 2006b).

Do ponto de vista da força de trabalho empregada, a indústria calçadista preza por trabalhadores com algum grau de especialização (em determinados setores e funções, apesar da crescente pressão pela polivalência). E, dessa forma, faz uso e reforça a tradicional divisão sexual do trabalho, por meio da apropriação de supostos aprendizados de gênero (“força masculina” e “destreza manual feminina”), prática que vem reservando às mulheres uma presença expressiva no setor, especialmente após o início da reestruturação produtiva. Pela mesma razão, uma maior fragmentação e simplificação do processo produtivo tem assegurado presença majoritária dos “jovens, muito jovens” nas unidades de produção, notadamente nos

novos territórios34 (RIGOTTO, 2008).

A precariedade é histórica nesta indústria e tem nos baixos salários um elemento importante de disputa entre o capital e o trabalho. Neste sentido, a mecanização e a busca por novos territórios compõem a artilharia que o empresariado dispõe contra os trabalhadores, para dificultar sua resistência a esse cenário. Muito dependente do trabalho vivo e com grandes restrições no que diz respeito às inovações tecnológicas, o empresariado costuma migrar para regiões com mão de obra abundante e demandante de qualquer emprego, em busca de condições mais favoráveis de produção, com redução de custos e aumento de

34Termo que aparece na produção acadêmica de autores que estudam o setor calçadista no Nordeste brasileiro, como em Jacob, Borsoi, Lima etc.

competitividade. Por isso, este setor é considerado “nômade” (NAVARRO, 2006b) ou “móvel” (LIMA, BORSOI E ARAÚJO, 2011).

3.2 A PRODUÇÃO MUNDIAL DE CALÇADOS E A CRISE: O