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Avaliação do Pressuposto Anti-essencialista do (AN)

2 PONTUALIZAÇÕES SOBRE A EPISTEMOLOGIA E A METAFÍSICA DE

2.2 A Epistemologia e a Metafísica de Hume

2.2.4 Avaliação do Pressuposto Anti-essencialista do (AN)

Para avaliar adequadamente o pressuposto anti-essencialista do (AN), será preciso esclarecer o que são modalidades absolutas. Para tal, usaremos a linguagem de mundos possíveis. É importante advertir, em acréscimo, que não usaremos a linguagem de mundos possíveis pressupondo qualquer compromisso com alguma teoria ontológica específica acerca da natureza dos mundos possíveis (se são entidades concretas, abstratas ou qualquer outra alternativa). A linguagem de mundos possíveis que usaremos será apenas um recurso conceitual para falarmos de maneira extensional sobre as modalidades aléticas36, de modo a tonar mais claras as nossas noções modais. Usaremos a noção básica de que um mundo possível é simplesmente um modo como as coisas podem ser37; mas, obviamente, pensamos em situações contrafactuais limitadas aos aspectos do mundo relevante para um problema específico, pressupondo uma semelhança dos outros elementos que constituem o mundo como ele é efetivamente. Isto, porém, não nos impede de pensarmos em uma situação contrafactual total, mas envolveria o trabalho de pensarmos na totalidade das possibilidades – o que talvez é praticamente impossível.

O proveito de tomarmos o recurso conceitual dos mundos possíveis para falarmos de maneira extensional das modalidades, é que conseguimos ver mais claramente a extensão de cada operador modal. Cid (2016, p.114-115), por exemplo, aponta que, com os mundos possíveis, podemos mostrar como cada verdade modal pode ser reduzida a uma verdade não modal sobre mundos, uma vez que cada mundo possível seria agrupado em M-tipos de acordo com as M-restrições que colocarmos por meio da noção de necessidade que diz respeito a esses mundos. Por exemplo, os mundos fisicamente possíveis são aqueles que seguem as restrições das leis da física, os que são logicamente possíveis são os que seguem as restrições das leis da lógica, e assim por diante. Ou seja, as verdades modais foram reduzidas às verdades não modais

36 As modalidades aléticas referem-se ao modo de ser das verdades (proposições e, derivadamente, entidades), que

pode ser necessário, possível ou contingente. As modalidades aléticas, por exemplo, distinguem-se das modalidades deônticas, pois estas tratam da modalidade do dever, que pode ser permissível, impermissível e obrigatório.

37 De acordo com Kripke (1980), se não fosse o acidente terminológico do uso do termo “mundos” ao invés de

“estados”, “histórias possíveis” ou “situações contrafactuais”, muita confusão seria evitada, pois não queremos falar em mundos paralelos ou países distantes, mas em situações contrafactuais.

sobre mundos38. Em suma, temos a seguinte linguagem extensional: p é possível sse p é verdadeiro em um mundo possível; p é necessário sse p é verdadeiro em todos os mundos possíveis; p é impossível sse p é falso em todos os mundos possíveis; p é contingente sse p é verdadeiro no mundo atual e falsa noutro mundo possível. Vejamos os seguintes exemplos.

No mundo atual, ou, mais precisamente, no mundo efetivo, Trump é o presidente dos Estados Unidos e Sócrates era grego; ou seja, as coisas são desse modo. Contudo, se considerarmos que Trump poderia não ser o presidente dos Estados Unidos e Sócrates poderia não ter sido grego, na linguagem dos mundos possíveis, isso quer dizer que há pelo menos um mundo possível em que Trump não é o presidente dos Estados Unidos e Sócrates não é grego. Mas se é verdade que Trump é o presidente dos Estados Unidos e Sócrates era grego no mundo efetivo, mas falso naqueles mundos em que Trump perde a eleição e Sócrates nasce no Egito, então Trump é o presidente dos Estados Unidos e Sócrates era grego contingentemente. E se é impossível Sócrates não ter sido Sócrates (pela lei lógica da identidade), então se segue que em nenhum mundo possível Sócrates é não-Sócrates. Por consequência, se é necessário que Sócrates é Sócrates, então Sócrates é Sócrates em todos os mundos possíveis em que existe (pela lei lógica da identidade).

Nestes últimos dois casos, os tipos de mundos que usamos foram restringidos por meio da noção de necessidade lógica, uma vez que usamos as leis da lógica como restrição. Mas, por exemplo, não é logicamente impossível que Sócrates tivesse sido um livro – e isso muda completamente a noção de modalidade em causa. É logicamente possível que Sócrates tivesse sido um livro, pois isso não é uma falsidade lógica. Contudo, ao que parece, Sócrates não poderia ter sido realmente um livro, dadas certas propriedades essenciais que ele tinha – propriedades (não redutíveis à verdade lógica) que não poderia deixar de tê-las e continuar sendo ele mesmo. Ou seja, parece que se Sócrates tivesse sido um livro, então não teria sido Sócrates em nenhum sentido relevante: aparentemente, um livro não pode reter as propriedades essenciais de um Sócrates real. Mas se é impossível Sócrates ter sido um livro (absolutamente), e a impossibilidade em causa não é a lógica, qual seria? O estudo das modalidades absolutas é importante aqui, pois nos ajudará a traduzir e clarificar as nossas intuições sobre a modalidade absoluta. Começaremos, no entanto, fazendo o contraste entre modalidades relativas e absolutas, com base nas seguintes definições de Murcho (2002, p.28):

38 Conforme argumentaremos em momento oportuno, a modalidade metafísica é irrestrita, pois não se reduz a nada

Modalidades Absolutas

Se p é absolutamente necessária, então p é necessária - p é verdadeira em todos os mundos possíveis. Se p é absolutamente possível, então p é possível - p é verdadeira em algum mundo possível.

Modalidades Relativas

Se p é relativamente necessária, não se segue que p é necessária - não se segue que p é verdadeira em todos os mundos possíveis.

Se p é relativamente possível, não se segue que p é possível - não se segue que p é verdadeira em alguns mundos possíveis.

Para falar das modalidades relativas, é interessante fazê-lo introduzindo a noção de acessibilidade entre os mundos possíveis, que é a noção de que há uma relação entre os mundos possíveis tal que podemos dizer que uma verdade em um mundo possível W é possível ou não em outro mundo possível W’ sse ambos compartilham as mesmas restrições. Por exemplo, se no nosso mundo efetivo, pelas leis da física vigentes, a seguinte proposição é verdadeira “Nenhum objeto viaja mais rápido do que a luz”, então também será verdadeira naqueles mundos em que as mesmas leis vigorarem. Ou seja, não se trata de percorrer todos os mundos possíveis para ver se há algum em que as leis da física que garantem a verdade de “Nenhum objeto viaja mais rápido do que a luz” se mantém ou não39, mas decidir, com base naquilo que é verdadeiro em um dado mundo, quais são as situações contrafactuais possíveis com relação a ele40.

Assim, fica claro que a relação de acessibilidade entre mundos possíveis, que na linguagem formal modal se desdobra em tipos de relações que serão determinantes para cada sistema modal específico adotado, não dá conta daquilo que é necessário e possível em absoluto, mas apenas relativamente. No entanto, temos a intuição de que, em um sentido absoluto, Sócrates não poderia ter sido um livro. Então, qual será o tipo de modalidade capaz de justificar

39 A noção de possibilidade relativa é como uma peneira conceitual, que seleciona os mundos possíveis relevantes

para uma análise, evitando que o filósofo se perca pelos mundos possíveis irrelevantes, tornando impossível qualquer análise modal de uma afirmação. Por exemplo, tomemos a seguinte afirmação contrafactual “Se os cangurus não tivessem rabo, então eles se desiquilibrariam” – este exemplo é dado pelo próprio Lewis (1973). Não precisamos considerar os mundos possíveis que não incluem os cangurus, ou os mundos possíveis em que os cangurus não têm rabo, pois são mundos possíveis “muito distantes” daquele que queremos analisar e, portanto, podem ser descartados. Procuramos, com efeito, os mundos possíveis mais próximos ou similares, pois a contrafactual expressa uma situação semelhante ao mundo atual, em que, se os cangurus não tivessem rabos, então eles se desiquilibrariam.

40 Lewis (1973), por exemplo, analisou as condições de verdade de afirmações contrafactuais com base na relação

de acessibilidade (ou proximidade) entre mundos possíveis. A noção de acessibilidade entre mundos possíveis, que outrora já havia sido indicada por Kripke (1980), é o tipo de relação existente entre dois mundos possíveis ou mais, e que pode ser especificada com base em alguma condição de restrição. Por exemplo, se pensarmos em dois mundos possíveis, W¹ e W², nos quais valem as mesmas leis da natureza, e em um terceiro mundo possível, W³, no qual vale as mesmas leis da natureza de W¹, mas não vale as leis da natureza de W², então, relativamente a W¹, o mundo possível W³ é acessível, mas não é acessível relativamente a W². Perceba-se que, neste caso, a condição de restrição é uma condição nomológica, que diz respeito às leis da natureza, mas a condição poderia ser outra, caso em que a relação de acessibilidade seria diferente.

a nossa intuição modal absoluta? Ou seja, haverá alguma modalidade que possa justificar a nossa intuição de que algo é possível ou necessário sem mais qualificações? Começaremos analisando a tese de Hume – fundamental ao (AN) -, de acordo com a qual a possibilidade lógica é absoluta.

Sendo a modalidade lógica absoluta, tudo que é logicamente necessário, será realmente necessário, e tudo que é logicamente possível, será realmente possível. As necessidades lógicas são aquelas verdades que são necessárias em virtude das leis da lógica: não poderia ser o caso de Sócrates não ter sido Sócrates, dada a lei da identidade. Tais verdades são também as mais restritas, dado que todas as outras verdades as pressupõem como sendo o caso. Ou seja, qualquer verdade lógica é implicada trivialmente por qualquer domínio de verdades. Portanto, se nada viola uma verdade lógica, então tudo que é logicamente necessário é também realmente necessário. Em contraste, as possibilidades lógicas são aquelas verdades cuja negação não é logicamente necessária: se não é logicamente necessário que Sócrates não seja um livro, então é logicamente possível que Sócrates seja um livro. Tais verdades, contudo, são demasiadamente amplas, uma vez que qualquer possibilidade é também uma possibilidade lógica, pois nada pode ser logicamente impossível e possível; mas, ao que parece, nem todas as possibilidades lógicas são irrestritamente possibilidades: é logicamente possível Sócrates ter sido um livro, mas não é realmente possível. Ou seja, do ponto de vista da possibilidade lógica, muitas coisas que não estamos dispostos a aceitar como realmente possíveis - tais como Sócrates ter sido um livro, o fogo causar frio, p. ex. -, seriam possíveis, caso a modalidade lógica for absoluta, uma vez que tais verdades não violam qualquer lei da lógica.

O (AN) de Hume, ao pressupor que a possibilidade lógica é absoluta, leva à consequência de que o mundo está aberto aos fatos mais bizarros imagináveis, desde que não sejam falsidades lógicas – aqui está a tese anti-essencialista de Hume (EHU, 4, §2). No entanto, como já aludimos, não basta afirmar que a possibilidade lógica é aquilo cuja negação não é logicamente necessária, e então dizer que algo é realmente possível por não ser uma falsidade lógica, pois queremos saber justamente se a possibilidade irrestrita pode ser co-extensiva à possibilidade lógica. Sabemos que as verdades empíricas não se confundem com as verdades lógicas e, portanto, a negação delas não acarreta qualquer impossibilidade lógica; no entanto, disso não se segue validamente que a negação de qualquer verdade empírica seja realmente possível, senão que a negação de uma verdade lógica é uma impossibilidade lógica - o que é uma conclusão demasiadamente trivial.

Contra o (AN) de Hume, não é cogente argumentar que a possibilidade lógica não é absoluta, apenas assumindo, sem nenhuma justificação independente, a tese contrária, pois

assim cairíamos em petição de princípio. A estratégia correta é mostrar que o (AN) de Hume não funciona, dado que não colhe a conclusão que pretende, e depois mostrar que existem boas motivações para pensarmos que a modalidade metafísica é absoluta.

Ora, mas já mostramos que quando examinado de forma isolada, o (AN) não funciona41, pois Hume não oferece nenhuma razão independente para pensarmos que a possibilidade lógica é absoluta, visto que pressupõe o que pretende demonstrar. Com efeito, se for evocado outros argumentos auxiliares, tais como o (AI) e o convencionalismo de Carnap, o problema permanecerá sem solução, pois o (AI) é incoerente e o convencionalismo de Carnap implausível, conforme já argumentamos. Resta-nos agora, portanto, apresentar, ao menos sinoticamente, as motivações que temos para afirmarmos que a modalidade metafísica serve adequadamente para explicar as nossas intuições acerca da modalidade absoluta, bem como mostrar a falta de plausibilidade do anti-essencialismo humeano. Antes, porém, será preciso analisar se a modalidade natural é absoluta.

Poder-se-ia argumentar que a modalidade natural (ou física), ao invés da lógica, é absoluta. No entanto, parece que a modalidade natural (ou física) também não é absoluta. Portanto, vejamos. Algo é naturalmente necessário quando se segue das leis da natureza (ou da física, pressupondo que as leis mais básicas são as da física). Conforme já aludimos, as necessidades lógicas são as mais restritas, dado que todas as outras verdades as pressupõem como sendo o caso. Portanto, tudo aquilo que é logicamente necessário é também naturalmente necessário. No entanto, nem tudo que é naturalmente necessário é logicamente necessário, dado que, por exemplo, não é logicamente necessário que “Nenhum objeto viaja mais rápido do que a luz”, embora isso seja naturalmente necessário. Quanto à possibilidade natural, obviamente, toda e qualquer possibilidade natural é também uma possibilidade lógica, visto que a possibilidade lógica é a mais abrangente das possibilidades, pois abarca todas as outras. No entanto, nem toda a possibilidade lógica é uma possibilidade natural: há possibilidades lógicas que são naturalmente impossíveis. Por exemplo, é logicamente possível que o sal não se dissolva na água; mas, dado que as leis da física implicam que o sal se dissolve na água, é naturalmente necessário que o sal se dissolve na água, pelo que é naturalmente impossível que o sal não se dissolva na água.

Ora, se com a modalidade lógica estamos atentando às leis da lógica, e com a modalidade natural às leis da natureza, então estamos a falar de coisas restritas a um certo

domínio, a saber, o domínio das leis lógicas ou das leis físicas; assim, não estamos atentando a algo irrestritamente possível ou necessário, conforme Cid (2016, p.110) esclarece:

Quando queremos saber, de algo que é naturalmente necessário, se ele é realmente necessário e, de algo logicamente contingente, se é realmente contingente, tornamos as modalidades lógica e natural em modalidades relativas e procuramos saber sobre a modalidade absoluta.

É naturalmente necessário que nenhum objeto viaje mais rápido do que a luz, mas disso não se segue que seja metafisicamente necessário, pois, com a modalidade natural, estamos restringidos às leis da natureza vigentes no nosso mundo, sem nos comprometer com aquilo que é absolutamente impossível, sem mais qualificações. Ademais, é logicamente contingente que haja algum objeto viaje mais rápido do que a luz, pois é logicamente contingente tudo aquilo que é logicamente possível e não é logicamente necessário; no entanto, disso não se segue que seja metafisicamente contingente, pois com a modalidade lógica estamos nos restringindo às leis da lógica, sem nos comprometer com aquilo que é absolutamente contingente. Portanto, (2016, p.110) “Quando queremos saber, de algo que é naturalmente necessário, se ele é realmente necessário e, de algo logicamente contingente, se é realmente contingente” queremos saber se algo é irrestritamente possível ou impossível, pois nem tudo que é naturalmente necessário, é necessário, e nem tudo que é logicamente possível, é possível42. Assim, por exemplo, se quisermos dar sentido à pergunta se as leis da natureza são necessárias ou contingentes, precisamos da modalidade metafísica, conforme Murcho diz (2002, p.35):

O conceito de modalidade metafísica permite também compreender o problema de saber se as leis da física são necessárias ou contingentes. A questão perde o sentido sem o conceito de modalidade metafísica, pois é trivial que as leis da física são fisicamente necessárias e logicamente contingentes. O que não é trivial é saber se as leis da física são metafisicamente contingentes, isto é, se as leis da física poderiam ter sido diferentes do que são.

A tese essencialista, incompatível com o anti-essencialismo de Hume, defende o seguinte: nem tudo o que é logicamente possível, é realmente possível; e nem tudo o que é

42 Se a necessidade natural, conforme estamos dizendo, é logicamente contingente, então é logicamente possível,

mas disso não se segue que toda a possibilidade lógica seja também uma possibilidade natural, pois a possibilidade lógica é simplesmente aquilo cuja negação não é logicamente necessário, e a negação de uma necessidade natural não é a negação de uma necessidade lógica, uma vez que, repita-se, a necessidade natural é logicamente contingente. Ou seja, toda possibilidade natural é também uma possibilidade lógica, mas nem toda possibilidade lógica é uma possibilidade natural.

realmente necessário, é logicamente necessário43. Ou seja, existem verdades empíricas necessárias. A ideia é que, ao contrário do que Hume pensava, a possibilidade lógica não é absoluta, pois não é co-extensiva à possibilidade metafísica ou real. Assim, apesar de a negação da frase “A água é H2O" não ser uma falsidade lógica, trata-se de algo impossível, pois é uma

falsidade metafísica; portanto, uma impossibilidade real. E, ao contrário do que preconizava o convencionalismo de Carnap, a necessidade não está isolada unicamente na linguagem.

As modalidades metafísicas são implicitamente definidas a partir do contraste com as outras necessidades e possibilidades, que são, por definição, susceptíveis de redução a algo não modal44, como às verdades lógica e natural (ou física). Segundo Murcho (2002, p.32), defender que a modalidade metafísica é irrestrita ou absoluta é defender o seguinte: “se algo é metafisicamente possível, é possível; e se algo é metafisicamente necessário, é necessário”.

A primeira motivação para assumirmos a modalidade metafísica como absoluta é que ela consegue dar conta das nossas intuições modais sobre a modalidade absoluta, pois com a modalidade metafísica podemos captar algo mais essencial sobre a natureza intrínseca do mundo; algo que as leis lógicas e as leis físicas não conseguem dar conta. Assim, se algo é metafisicamente possível (ou necessário), então é realmente possível (ou necessário). Ademais, a modalidade metafísica, se existir, não será tão ampla como a possibilidade lógica, nem tão restrita como a necessidade física. É verdade que do fato de algo ser intuitivamente aceitável não se segue que seja verdadeiro. Porém, conforme veremos, as nossas intuições modais acerca da modalidade absoluta justificam-se pela modalidade metafísica pois ela resiste ao escrutínio cuidadoso, permanece com um maior poder explicativo e não entra em contradição com nenhuma verdade bem estabelecida – o que não acontece com a teoria rival. Portanto, podemos concluir que a modalidade metafísica acomoda bem as nossas intuições sobre a modalidade absoluta.

A segunda motivação para afirmarmos que a modalidade metafísica é absoluta é o ganho explanatório que temos através da sua distinção com a modalidade epistêmica. À modalidade epistêmica relaciona-se o modo como concebemos certas verdades sobre a realidade, enquanto que à modalidade metafísica relaciona-se o modo de ser da realidade. Ou seja, a primeira diz respeito à maneira como as coisas poderiam ser concebivelmente, enquanto a segunda diz respeito à maneira como as coisas realmente poderiam ser. Falar em mundos metafisicamente

43 A possibilidade e a necessidade lógicas, aqui, incluem a possibilidade e a necessidade conceitual ou analítica. 44 Enquanto a necessidade lógica se reduz à verdade lógica, e a necessidade física se reduz à derivabilidade a partir

das leis da física, a modalidade metafísica não se reduz à nada não modal. Para maior aprofundamento na questão da redução, veja-se Hale (1996) e Murcho (2002).

possíveis, portanto, é o mesmo que falar sobre quais propriedades o mundo poderia ter instanciado. E falar em mundos epistemicamente possíveis é o mesmo que falar sobre as propriedades que poderiam ser concebidas como instanciadas pelo nosso mundo; isto é: falar sobre quais são as propriedades que não poderiam ser conhecidas a priori como não sendo instanciadas por ele. Assim, uma coisa são as propriedades que o universo poderia ter instanciado45, outra coisa são as propriedades que são concebíveis que o universo poderia ter tido. A intuição aqui é que uma coisa é a possibilidade real, e outra é a conceptibilidade. Negar tal distinção, tornando co-extensivas a modalidade epistêmica com a metafísica, tal como Hume fez (THN, 1, 2, 2, §8; 1, 4, 5, §5) ao formular o seu (AI), acarreta uma série de problemas, tal como veremos. No entanto, o essencialismo se sai melhor do que o anti-essencialismo porque não confunde as coisas. Aliás, oferece uma razão bastante sofisticada para não confundirmos a modalidade epistêmica com a metafisica, pois mostra como algumas coisas que são coerentemente concebíveis não são realmente possíveis. Vejamos um exemplo.

Conhecer o estatuto modal geral de uma proposição46 é conhecer se a proposição em