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3 OS ARGUMENTOS DE DAVID HUME CONTRA OS MILAGRES

3.1 Interpretações Contemporâneas ao Ensaio “Dos Milagres” de Hume

3.1.4 John Earman

A obra provocativamente intitulada “Hume’s Abject Failure: The Argument Against Miracles” (2000) do eminente filósofo da ciência John Earman, constitui um estudo detalhado do ensaio “Dos Milagres” de Hume, com ênfase nos estudos filosóficos mais recentes em lógica indutiva. Nesta obra, Earman apresenta uma visão extremamente negativa com respeito à originalidade dos argumentos de Hume, chegando a usar um tom extremamente beligerante e depreciativo. Earman não abre qualquer espaço para uma leitura mais caridosa de Hume, pois, no seu entendimento, o trabalho em lógica indutiva deste filósofo já estava ultrapassado à época, e seguiu alheio aos melhores estudos posteriores, feitos por homens como o Rev. Thomas Bayes e o Rev. Richard Price77, e publicados após a publicação da Investigação (1748), acerca dos quais Hume não demonstrou qualquer consideração. A acusação de Earman, portanto, é que muitos pensadores da época de Hume lidaram com o assunto de maneira muito mais profunda e interessante do que ele.

A ideia geral de Hume, conforme Earman considera, é que era preciso um testemunho muito forte da ocorrência de um evento que, se ocorresse, seria uma violação de uma lei da natureza, caso esse testemunho fosse para tornar a ocorrência do evento algo provável. Earman também nota que Hume, de alguma maneira dúbia, oscila entre alegar que não pode haver testemunho forte o suficiente para probabilizar a ocorrência de uma violação de uma lei da natureza, e entre alegar que não houve até agora na história humana qualquer forma de testemunho forte o suficiente para probabilizar um milagre conectado a uma doutrina religiosa. O certo é que Hume pretendia estabelecer as bases filosóficas que lhe permitissem negar a

77 O Rev. Thomas Bayes, em 1763, submeteu um importante texto à Royal Society of London, intitulado “An

Essay towards solving a Problem in the Doctrine of Chances”, no qual analisou informalmente um problema de probabilidade com base na ideia de probabilidade prévia, e em 1767, o Rev. Richard Price publicou um conjunto de quatro dissertações, entre as quais encontrava-se uma, que fora intitulada “On the Importance of Christianity and the Nature of Historical Evidence, and Miracles”, na qual Price emprega ideias bayesianas à questão da crença religiosa. Earman (2000, p. 24) diz que “Em Four Dissertations, Price faz referência ao artigo de Bayes. Mas é duvidoso que Hume tenha lido o artigo, e mesmo se tivesse, é ainda mais duvidoso que Hume o tivesse entendido por não estar familiarizado com os desenvolvimentos técnicos no cálculo de probabilidades”.

ocorrência de supostos milagres (por exemplo, a ressurreição de Jesus), sem precisar investigar evidências detalhadas a favor ou contra o fato miraculoso. Isto, para Earman, não passa de um desprezo arrogante pela investigação das evidências.

O ponto central da obra de Earman é a sua interpretação probabilística da famosa máxima de Hume sobre a credibilidade dos relatos de milagres, seguindo-se por uma crítica agressiva contra ela. A passagem na qual Hume formula a sua máxima é a seguinte (EHU, 10, §13):

A consequência óbvia disso tudo (e é uma máxima geral digna de nossa atenção) é “não há testemunho que seja suficiente para estabelecer um milagre, a menos que o testemunho seja de tal natureza, que sua falsidade seria ainda mais miraculosa do que o fato que se propõe a estabelecer; e mesmo assim, há uma destruição mutua de argumentos, de sorte que o mais forte só nos dá uma confiança apropriada ao grau de força que resta após subtrair-se dele o mais fraco".

Earman acredita que a primeira parte da máxima, uma vez sendo interpretada adequadamente, é trivial e tautológica (2000, p. 41), enquanto que a segunda parte é completamente sem sentido, envolvendo uma dupla contagem ilícita da evidência contra o milagre (2000, p. 43).

É importante destacar, a título de informação, que uma série de outros filósofos já tentaram interpretar a máxima de Hume de forma probabilística. Por exemplo, Sobel (1991, p. 232), Gilles (1991, p. 255), Howson (2000, p. 242), entenderam que a máxima pode ser formulada da seguinte forma: P(M/t(M)) > 0.5 → P (M) > P(¬M &t(M)). Para Holder (1998, p. 52), e conforme Earman (2000, p. 39) interpreta Price (1768, p.163), uma formulação possível seria: P(M/t(M)) > 0.5 → P(M) > P(t(M)/¬M). De acordo com Earman (2000, p. 39), outra leitura possível a partir de Price (1768, p. 163) seria a seguinte: P(M/t(M)) > 0.5 → Pr (M) > P(¬M/t(M)). Sobel (1991, p. 234), por sua vez, também entende que a seguinte formulação é possível: P(M/t(M)) > 0.5 → P(M & t(M)) > P(¬M & t(M)). Em conclusão, há também a interessante proposta de Millican (2011, p.165), que já é uma resposta ao Earman, de acordo com a qual a melhor formulação seria: P(M/t(M)) > 0.5 → f < m78. No entanto, por uma

78 A interpretação de Millican precisa de um esclarecimento. Millican (2011) entende que devemos começar por

adotar a hipótese da independência, de acordo com a qual a probabilidade do testemunho deve ser separada da probabilidade do evento. Chamemos um testemunho particular de t, cuja probabilidade da sua falsidade seja f, que afirma ou nega a ocorrência de um tipo particular de evento, que chamaremos M, cuja probabilidade de ocorrência é m. Se a confiabilidade desse tipo de testemunho for probabilisticamente independente do que está sendo relatado, poder-se-á calcular a probabilidade de um testemunho “verdadeiro positivo” (um testemunho que afirma M e é verdadeiro) e um “falso positivo” (um testemunho que afirma M e é falso), pelo que a máxima de Hume compreenderá o seguinte: “Se um testemunho positivo foi dado, este testemunho será provavelmente verdadeiro apenas se um “falso positivo” for menos provável do que um “verdadeiro positivo”, pelo que, segue-se a fórmula:

questão de delimitação, focaremos aqui na interpretação de Earman, conforme apresentada nos seus trabalhos de (1993) e (2000), nos quais propõe uma criativa e interessante maneira de formular e criticar a máxima de Hume, com base no Teorema de Bayes, cujo resultado é o seguinte:

P(M/t(M)) > 0,5 → P(M/t(M)) > P(¬M/t(M))

Hume se refere a uma situação em que a testemunha fornece um testemunho sobre a ocorrência de um evento miraculoso. Neste caso, segundo Earman, seria adequado trabalhar com probabilidades condicionais, t(M), bem como com o conhecimento da evidência pela experiência, e, e com o nosso conhecimento de fundo, k. Assim, a probabilidade em favor do testemunho do evento miraculoso é P(M/t(M) &e&k), e a probabilidade da falsidade do testemunho é P(¬M/t(M) &e&k). Ora, dizer que a falsidade do testemunho é mais milagrosa do que o evento milagroso que ele tenta estabelecer pode ser interpretado como dizendo que a primeira probabilidade é menor do que a última, ou seja, P(M/t(M) &e&k) < P(¬M/t(M) &e&k), que significa P(M/t(M) &e&k) > 0,5. Há, portanto, uma condição necessária para a chamada probabilidade posterior do milagre (dado o testemunho, t(M) &e&k) ser maior do que 0,5 – e aqui, segundo Earman, Hume põe uma tautologia inútil, a saber: nenhum testemunho pode ser suficiente para estabelecer que um milagre é mais provável do que o não milagre, a não ser que o testemunho seja tal que torne a ocorrência do evento mais provável do que improvável. Para Earman, a trivialidade lógica da máxima de Hume pode ser facilmente estabelecida pelo princípio da negação, de acordo com o qual P(M/t(M)) e P(¬M/t(M)) devem somar 1 – pressupondo aqui e&k. Dizendo informalmente, basta notar que P(M/t(M)) > 0,5 → P(M/t(M)) > P(¬M/t(M)), isto é, que um milagre só é algo mais provável, dado o testemunho em seu favor, se for mais provável do que a sua negação, isto é, só é mais provável se for mais provável.

A segunda parte da máxima, segundo a leitura de Earman, parece ser sem sentido, pois sugere que quando o testemunho é de tal tipo que a sua falsidade é mais miraculosa do que o fato que ele se esforça para estabelecer, há ainda uma destruição mútua de argumentos. Earman entende que há aqui uma contagem ilícita de probabilidades, pois se a ponderação dos fatores

P(M/t(M)) > 0,5 → (1 - m).f < m (1 - f), que simplificada é: P(M/t(M)) > 0.5 → f < m. Assim, para Millican, a máxima de Hume parece concluir que devemos acreditar em um relatório de milagres apenas se f (a probabilidade do testemunho ser falso) for menor que m (a probabilidade de tal evento ocorrer) - se a confiabilidade desse tipo de depoimento é probabilisticamente independente do que está sendo relatado. Ou seja, a máxima de Hume refere- se à probabilidade da falsidade do testemunho ser maior do que o evento relatado. Millican entende que esta é uma forma de vencer a acusação de Earman de que a máxima de Hume é uma tautologia trivial.

compensatórios em t(M) e em e&k já foi feita, se depreendendo que o resultado é P(M/t(M) &e&k) > 0,5, então não resta nenhuma subtração adicional para se fazer.

Para que a linguagem probabilística usada por Earman se torne mais clara, será preciso vermos, ao menos em linhas gerais, em que consiste a teoria probabilística usada por ele, a saber, a Teoria Bayseana. Em seguida, apresentaremos a sua aplicação crítica mais detalhada ao problema dos milagres.

O Teorema de Bayes79 é uma forma de estabelecer as relações numéricas que valem

para as probabilidades que ocorrem em uma função de três elementos, a saber: a hipótese explicativa, os indícios específicos disponíveis e o nosso conhecimento de fundo geral sobre o mundo. O Teorema estabelece formalmente os fatores que determinam quando indícios observacionais sustentam uma dada hipótese. Uma forma simples de formulá-lo é a seguinte:

P(h/e&k) = P(𝑒/ℎ&𝑘)

P(𝑒/𝑘) 𝑥 P(h/k)

Usaremos h para a hipótese, e para os indícios posteriores e k para o nosso conhecimento de fundo (background), independente de h. As probabilidades se situam entre 0 e 1, sendo 1 a mais alta e 0 a mais baixa. A probabilidade da hipótese h com base em indícios e, depende diretamente da probabilidade prévia de h e do poder preditivo de h; enquanto que, inversamente, depende da probabilidade prévia de e.

1 P(h/e&k) é a probabilidade posterior de h, que é uma função da probabilidade prévia de h - P(h/k) - e de seu poder explicativo com respeito a e.

2 P(e/h&k) é o poder preditivo de h (ou a probabilidade posterior de e), ou seja, é a medida de quão provável é que os fenômenos observados e devam ocorrer se a hipótese h for verdadeira, dado o nosso conhecimento de fundo k.

3 P(e/k) é a probabilidade prévia de e, ou seja, é a medida de quão provável e ocorrerá em todo o caso, independente de h, dado apenas k.

79 Para mais detalhes sobre o Teorema de Bayes, veja-se a obra “Epistemic Justification” (2001) de Swinburne.

Distingue-se nesta obra probabilidade física ou natural, probabilidade estatística ou objetiva e probabilidade indutiva ou condicional. Esta última, divide-se em probabilidade lógica, epistêmica e subjetiva.

Vejamos agora algumas regras básicas de interpretação das relações numéricas entre os valores dos elementos que ocorrem no cálculo de probabilidades pelo Teorema de Bayes.

1 Quanto maior for P(e/h&k), maior será P(h/e&k), ou seja, quanto maior o poder preditivo da hipótese, maior será a probabilidade da hipótese dada a evidência total. Ou seja, mais confirmada ela será pela evidência total.

2 Quanto maior for P(e/k), menor será P(e/h&k), isto é: quanto maior a probabilidade prévia de e, menor será o poder preditivo da hipótese.

3 Quanto maior for P(e/h&k), maior será 𝑃(𝑒/ℎ&𝑘)

𝑃(𝑒/𝑘) , ou seja, quando maior o poder preditivo

da hipótese, maior será a razão entre ela e a probabilidade prévia de e.

4 Quanto mais diversos e inexplicáveis forem os nossos indícios e, independentemente de

h, mas baixo será P(e/k) relativo a P(e/h&k), e assim, por sua vez, será maior 𝑃(𝑒/ℎ&𝑘)

𝑃(𝑒/𝑘) .

O Teorema de Bayes estabelece, portanto, que a hipótese h se torna provável pelos indícios e e indícios de fundo k, na medida em que: (a) a probabilidade posterior de e é alta, ou seja, se você espera encontrar e se h for verdadeira, dado k; (b) a probabilidade prévia de h é alta, isto é, se você espera que h seja verdadeira dados apenas os indícios de fundo; (c) e a probabilidade prévia de e é baixa, isto é, se você não espera encontrar e a não ser que h seja verdadeiro.

No entanto, é importante notar que, do Teorema de Bayes, segue-se que P(h/e&k) > P(h/k) se, e somente se, P(e/h&k) > P(e/k), isto é, que a probabilidade posterior de h é maior do que a probabilidade prévia de h se, e somente se, o poder preditivo h for maior do que a probabilidade prévia de e – é o que Mackie (1969, p.27-40) chama de “princípio de relevância”. Ora, dado este princípio, segue-se que P(h/e&k) > P(h/k) se, e somente se, P(e/h&k) > P(e/¬h&k), ou seja, que a probabilidade posterior de h é maior do que a probabilidade prévia de h se, e somente se, o poder preditivo de h for maior do que a sua negação.

Assim, pelo Teorema de Bayes, temos que uma hipótese é confirmada pelos indícios se, e somente se, os indícios forem mais prováveis de ocorrer se a hipótese for verdadeira ao invés de ser falsa. Por exemplo, as manchas de sangue na mão de João confirmam a hipótese de que

ele matou o Pedro se, e somente se, for mais provável que elas estivessem manchadas de sangue se ele cometeu o crime do que se não cometeu. No entanto, se for igualmente provável que as mãos do João estivessem manchadas de sangue caso ele tivesse ou não matado o Pedro (por exemplo, se João é um médico, e trabalha fazendo cirurgias, e o Pedro é o seu paciente na mesa de cirurgia), então as manchas de sangue não confirmam a hipótese de que ele matou o Pedro. Retornemos agora à máxima de Hume, que diz: “não há testemunho que seja suficiente para estabelecer um milagre, a menos que o testemunho seja de tal natureza, que sua falsidade seria ainda mais miraculosa do que o fato que se propõe a estabelecer” (EHU, 10, §13). Com base nesta máxima, Hume quer estabelecer duas coisas: (a) Que milagres, por definição, são altamente improváveis; (b) Nenhuma evidência a favor de um suposto milagre pode servir para suplantar a sua improbabilidade intrínseca. Quanto à (b), Earman entende que a questão é saber quanta evidência é necessária para se comprovar a ocorrência de eventos altamente improváveis e, com base nisto, avaliar a probabilidade do evento com base na confiabilidade da testemunha do evento.

Earman entende que é inadequado avaliar simplesmente a probabilidade do evento contra a confiabilidade da testemunha do evento, pois isso seria algo muito forte à racionalidade de nossas crenças, uma vez que nos levaria a negar a ocorrência de eventos que, embora altamente improváveis, podemos razoavelmente saber que aconteceram. Por exemplo, é bastante improvável que o noticiário de amanhã noticie que o número sorteado da loteria é 456326, mais improvável do que a improbabilidade de o noticiário estar errado. Neste caso, exigir evidências suficientes para contrabalançar a improbabilidade prévia do número sorteado é exigir muito, e nos levaria, por conseguinte, a negar muitas crenças testemunhais razoáveis, tal como o caso do príncipe indiano do exemplo de Hume (EHU, 10, §10), que não acreditou no testemunho sobre o congelamento dos rios em tempo de muito frio, pois vivia em um país tropical. Para Hume, contudo, o príncipe indiano raciocinava corretamente ao rejeitar o testemunho, apesar de ser verdadeiro.

Conforme o Teorema de Bayes, é preciso considerar que P(h/e&k) > P(h/k) se, e somente se, P(e/h&k) > P(e/¬h&k), ou seja, que a probabilidade posterior de h é maior do que a probabilidade prévia de h se, e somente se, o poder preditivo de h for maior do que a sua negação. Assim, devemos considerar a probabilidade de que o acontecimento relatado não aconteceu. Aplicando isso ao caso do noticiário, podemos dizer que o anúncio do número 456326 é muito improvável, visto que o locutor não tinha preferência alguma pelo número, mas se tornaria algo muito mais provável se ele fosse de fato o número que tivesse sido sorteado – algo que Hume sequer imaginou.

Vejamos agora a análise bayseana de Earman acerca do argumento de Hume sobre as crenças em milagres. Tomemos o seguinte modelo do Teorema de Bayes:

P(ℎ/𝑒&𝑘) P(¬ℎ/𝑒&𝑘)= P(ℎ/𝑘) P( ¬ℎ/𝑘) 𝑋 P(𝑒/ℎ&𝑘) P(𝑒/¬ℎ&𝑘)

No numerador, P(ℎ/𝑘) 𝑥 P(𝑒/ℎ&𝑘), temos o produto da probabilidade prévia de h pelo seu potencial explicativo. Se e for algo surpreendente, dado h, então P(e/h&k) < 0,5; em contraste, se não nos surpreendermos de encontrar e, dado h, então P(e/h&k) > 0,5. No denominador, P(¬ℎ/𝑘) 𝑥 P(𝑒/¬ℎ&𝑘), temos o produto da negação da probabilidade prévia de

h pela negação do seu potencial explicativo. 𝑃(ℎ/𝑒&𝑘)

𝑃(¬ℎ/𝑒&𝑘) representa a razão entre a probabilidade

de h dada a evidência total e a probabilidade da negação de h dada a evidência total.

Vamos dizer que P(M/e&k) representa a probabilidade do milagre dada a evidência total, e P(¬M/e&k) representa a probabilidade do milagre não ocorrer dada a evidência total. Se a razão for de 1/1, então M e ¬M tem a mesma probabilidade, isto é, de 50%. Earman entende que o argumento de Hume pressupõe, em princípio, que M < ¬M. Com P(M/k) estamos nos referindo a probabilidade intrínseca ou prévia do milagre, ao passo que com Pr(¬M/k), estamos nos referindo a probabilidade intrínseca ou prévia do milagre não ocorrer. Com P(𝑀/𝑘)

P(¬𝑀/𝑘)

queremos saber qual é mais provável, se M ou ¬M, dado somente o nosso conhecimento de pano de fundo, independente da evidência específica em favor ou contra de M. Com Pr(𝑒/ℎ&𝑘)

P(𝑒/¬ℎ&𝑘)

queremos saber qual é o potencial explicativo do milagre, dado o nosso conhecimento de fundo e a evidência específica em favor e contra o milagre, ou seja, queremos saber o que explica melhor a evidência total que dispomos, se M ou ¬M.

Observe-se, ademais, que se a razão das probabilidades intrínsecas tem peso elevado contra M, como Hume pressupõe que tem, tal improbabilidade, observa Earman, pode ser compensada se a razão que representa o potencial explicativo de M ou ¬M tem peso igual ou maior a favor de M80. De acordo com Earman, Hume, em algumas passagens, parece focar

exclusivamente em P(M/k), sem atentar para o potencial explicativo da ocorrência ou não de M, conforme o Teorema de Bayes explicita. Assim, para Hume, a improbabilidade de M é tão

alta que nenhuma quantia de evidência será suficiente em favor de M – aqui Earman interpreta Hume como se ele tivesse um argumento a priori contra qualquer testemunho de milagres.

Ora, mas com a máxima de Hume, a saber, P(M/t(M)) > 0,5 → P(M/t(M)) > P(¬M/t(M)), Hume avança um pouco mais na análise dos fatores de probabilidade, pois inclui a evidência específica advinda do testemunho. No entanto, Hume argumenta que um evento miraculoso será sempre mais improvável do que a falsidade do testemunho em apoio a ele. Isso significa que a falsidade do testemunho em apoio ao milagre será sempre mais provável do que o evento miraculoso, ou seja, o que está em pauta é a improbabilidade das alegações de milagres serem verdadeiras. Para Hume, a falsidade do testemunho deveria ser sempre mais improvável do que o fato que ele propõe a comprovar, mas ocorre sempre o contrário: a falsidade do testemunho em favor do milagre é sempre mais provável. Então, a questão é a seguinte: por que a falsidade do testemunho será sempre mais provável?

A resposta algo informal e imprecisa de Hume parece ser que eventos extraordinários exigem evidências extraordinárias. Hume parece pressupor tal ideia, quando diz que “não apenas o milagre destrói o crédito do relato, mas o próprio relato destrói a si mesmo” (EHU, 10, §24). Nesta passagem, Hume defende que um milagre jamais será crível, sobretudo se estiver relacionado aos sistemas religiosos, pois sempre haverá um número maior de testemunhas contrárias, seja por meio de um testemunho favorável a um milagre de uma religião contrária, ou seja por meio do testemunho universal da regularidade das leis da natureza, que irá sempre sobrepujar a evidência em favor do milagre. Seria preciso, portanto, uma evidência extraordinária para superar tão grande evidência contrária ao milagre.

Earman, contudo, observa que o Teorema de Bayes mostra que não é a quantidade enorme de evidências o elemento determinante, mas sim que a evidência seja mais provável dado que o evento de fato ocorreu do que não ocorreu - não pressupondo, à partida, que há uma experiência uniforme contra os milagres, como se soubéssemos que todos os milagres relatados são falsos. Hume está tentando explicar P(M/k) em termos de frequência, ou seja, os milagres são absolutamente improváveis, pois divergem da uniforme experiência da humanidade. Ora, mas explicar as probabilidades no Teorema de Bayes como frequências objetivas seria algo inadequado, pois estaria a confundir probabilidades estatísticas e indutivas, e representaria o fim de boa parte das nossas crenças mais comuns, das quais não temos qualquer razão forte para as rejeitar, bem como de boa parte das nossas crenças científicas. Em suma, a crítica de Earman se resume a dizer que Hume parece não ter uma resposta adequada se quisermos saber o que explica melhor a evidência total que dispomos, se M ou ¬M, uma vez que pressupõe que

a alta improbabilidade prévia de M é suficiente para vencer qualquer valor da probabilidade do potencial explicativo de M sobre ¬M, o que é um erro.