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Avanço da regulação social do trabalho pela ampliação da legislação e fortalecimento das instituições públicas

O mercado de trabalho e o padrão de regulação do trabalho no Brasil

3. Avanços e limites da regulação pública na década de

3.3. Avanço da regulação social do trabalho pela ampliação da legislação e fortalecimento das instituições públicas

O avanço da regulação pública do trabalho, do ponto de vista do Estado, está na ampliação dos direitos sociais e do sistema de proteção social; no papel da Justiça do Trabalho de garantir direitos e de legitimar e criar normas; e na estruturação do sistema de inspeção do trabalho, especialmente pela redefinição do poder do Ministério Público do Trabalho. É um movimento que acompanha e cristaliza a mesma tendência observada nas negociações coletivas.

Como tendência geral, observa-se uma contra-reforma em relação à realizada no período da ditadura militar, pois caminha na perspectiva de remover o entulho autoritário e a intervenção sobre as entidades sindicais; de ampliar os direitos sindicais, apesar da manutenção de elementos herdados do sistema corporativo; de expandir os direitos trabalhistas, constitucionalizando diversos deles; e de estruturação de uma maior proteção social.

A remoção do entulho autoritário ocorre primeiramente pela dinâmica sindical e depois do ponto de vista formal. A força política do sindicalismo, manifestada nas mobilizações e no reconhecimento social, consegue desmontar uma série de instrumentos autoritários e de controle da vida sindical, tais como a intervenção direta do Ministério do Trabalho no sindicato (tanto administrativa como politicamente), a carta sindical, o estatuto padrão e a legislação antigreve.

Ao mesmo tempo, há uma ampliação de direitos sindicais, como a liberdade para organizar as eleições e estabelecer a estrutura organizativa da direção sindical, a criação de centrais sindicais, a sindicalização dos servidores públicos, o direito de greve,104 inclusive do setor público, e a representação sindical nas empresas com mais de 200 empregados – que, porém, nunca foi regulamentada. Também há uma ampliação da negociação coletiva, tornando obrigatória a anuência do respectivo sindicato obreiro para a alteração de qualquer norma coletiva. Ao mesmo tempo, são mantidos o poder normativo da Justiça do Trabalho, a data base e os procedimentos da negociação.

Na Constituição de 1988, como parte do título dedicado aos direitos e garantias fundamentais,105 são inscritos direitos sociais e trabalhistas que estavam dispersos em

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Em 1989, a Lei 7.783/1989 coloca restrições para o livre exercício do direito de greve. 105

legislações específicas ou presentes nos contratos coletivos de setores mais organizados.106 Há também a ampliação da proteção social, com a configuração de um sistema de seguridade social universal, especialmente por meio da consolidação do SUS (Sistema Único de Saúde), do sistema de previdência social (estruturado em três regimes: geral, público e complementar, que garantiu um salário mínimo para todos pensionistas e aposentados e incorporou os rurais no sistema) e da assistência social (com benefícios de prestação continuada aos excluídos do mercado de trabalho e da previdência).107 Além disso, ocorre a regulamentação do seguro desemprego,108 que começa a ser efetivado no país. A Constituição não só regulamenta a proteção social como estabelece fontes de financiamento para a sua viabilização.

A constitucionalização dos direitos e da proteção social traz duas conseqüências para a presente discussão. Em primeiro lugar, há uma ampliação da regulação social do trabalho, como expressão do movimento social e político da década, num contexto de transição democrática e de um legado de forte dívida social. Em segundo lugar, a garantia dos direitos na Constituição dificulta a sua alteração e desregulamentação, apesar de boa parte dos 24 incisos do capítulo VII ainda não ter sido regulamentada pelo Congresso Nacional.109

Além disso, a Constituição possibilitou uma flexibilização da jornada e da remuneração, via negociação coletiva. Ou seja, a Lei Maior faculta às partes reduzirem salário e jornada por meio de uma contratação coletiva (CESIT/SEBRAE, 2005). Então, apesar da ampliação dos direitos sociais, aspectos centrais da relação de emprego continuam apresentando flexibilidade. Por exemplo: 1) o empregador continua tendo grande facilidade de romper unilateralmente o contrato de emprego, comprometendo-se somente a pagar as verbas rescisórias e o adicional incidente sobre os depósitos do FGTS, que subiu para 40% sobre o total depositado; 2) a jornada e a remuneração podem ser reduzidas por meio de negociação coletiva; 3) a jornada de 6 horas nos turnos de revezamento é sujeita à alteração via negociação; e 4) a alocação do trabalho é definida unilateralmente pela empresa.

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Entre os quais se destacam: licença maternidade e paternidade, férias e 1/3 de férias, 13º salário, FGTS etc. 107

Uma análise da proteção social presente na Constituição de 1988 pode ser vista em Fagnani, 2005. 108

Cf. Moretto, 2001. 109

Sem regulamentação, vários direitos não se efetivaram na prática, por exemplo: relação de emprego protegida contra despedida arbitrária, aviso prévio proporcional ao tempo de serviço e proteção em face da automação. Do ponto de vista dos direitos coletivos, também há vários aspectos não efetivados; por exemplo, o direito de eleição de um representante sindical nas empresas com mais de duzentos trabalhadores e o direito de greve para servidores públicos.

Em síntese, a década de 80 revela que há uma perspectiva similar e complementar entre a negociação coletiva, a regulamentação estatal e o posicionamento da Justiça do Trabalho, indicando uma tendência de ampliação da regulação social do trabalho. Nesse sentido, o Brasil apresenta no período uma tendência distinta em relação ao movimento internacional, que está vivendo uma pressão pela flexibilização. Apesar disso, a não resolução do problema do desenvolvimento econômico e a mudança de perspectiva política, a partir da eleição de 1989, inviabiliza a efetivação de parte significativa dos direitos sociais. E, ao invés de o país caminhar para uma estruturação social mais homogênea, ver-se-á a prevalência de uma tendência liberalizante que buscará promover uma contra-reforma dos avanços alcançados na década de 80.

4. Os anos 90: avanço da flexibilização e fragilização das instituições