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As formas de contratação flexível no Brasil

4. Relação de emprego disfarçada

4.3 Trabalho estágio

O trabalho estágio pode constituir, também, uma relação de emprego disfarçada, pois não é considerado um emprego nem tem a ele vinculado qualquer direito trabalhista e

produzem no mercado (bens ou serviços), nem dispõem de capital, equipamentos e instalações para venderem "seu peixe" (áreas agrícola, industrial, artesanal, de crédito), nem se compõem de profissionais liberais autônomos (médicos, dentistas e taxistas, por exemplo).O parágrafo único do art. 442 da CLT vai de encontro aos princípios do Direito do Trabalho, pois deixa implícita a possibilidade de intermediação de mão-de-obra (MELO, 2001, s/p). 310

Tendência extraída de acórdãos dos Tribunais Regionais da 4ª Região, Rio Grande do Sul; 6ª Região, Pernambuco; 9ª Região, Paraná; e 15ª Região, Campinas e interior de São Paulo.

311

Ver em: http://www.mpt.gov.br/noticias2/66-1anexo26.html Acesso em 21 fev.2006. 312

previdenciário.313 Dada essa possibilidade, ele se tornou mais um instrumento alternativo para reforçar a lógica da flexibilização na forma de contratação.

As poucas exigências para a sua efetivação são uma declaração da instituição de ensino, o seguro de vida pessoal e o pagamento de uma “bolsa-auxílio”314 que é objeto de livre negociação entre o estagiário e o contratante. Portanto, do ponto de vista de custos, ele é bastante atrativo para as empresas, o que estimula a substituição de trabalhadores permanentes por estagiários, como aparece em inúmeras denúncias.

Apesar da especificidade do trabalho estágio, justificado como forma de complementar a formação e a aprendizagem do aluno, boa parte dele, atualmente, pode ser considerada trabalho contratado, pois embute as características essenciais da relação de emprego, tais como a subordinação, a continuidade e a remuneração regular. A maioria das empresas contrata o estagiário com a finalidade de inseri-lo no seu trabalho geral e não como mero espaço de ensinamento (ROSA PINTO, 2001).

A principal novidade, do ponto de vista da regulamentação, foi a ampliação da possibilidade de utilização dessa forma de contratação desvinculada da formação escolar do estagiário,315 proporcionando maior liberdade ao empregador na sua efetivação, inclusive como substituição de força de trabalho regular. Basta o estudante estar freqüentando curso superior ou qualquer ensino médio (geral, de educação profissional ou educação especial).

O desvirtuamento, possibilitando uma relação de emprego disfarçada, é conseqüência da fragilização da regulamentação do estágio e do estreitamento do mercado de trabalho, com o elevado nível de desemprego, especialmente para os jovens (BALTAR, 2003a). A regulamentação da jornada é bastante frágil, limitando-se a estabelecer o período máximo de 6 horas somente para os que não concluíram o ensino fundamental. As empresas, na sua maioria, estão exigindo uma dedicação de 40 horas semanais, desencadeando um conflito com algumas instituições de ensino que consideram a jornada incompatível com os objetivos da formação acadêmica.

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Decreto 87497/82: o estágio não acarreta vínculo empregatício de qualquer natureza.

314

Em alguns segmentos, tais como na saúde e na advocacia, é comum que o estagiário não receba qualquer remuneração.

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Apesar da inexistência de estatísticas de órgãos oficiais, é visível a ampliação dessa modalidade de contratação. Um dos poucos dados sobre trabalho estágio, com série histórica, conhecidos e disponibilizados, é produzido pelo Centro de Integração Empresa Escola (CIEE), em seu relatório social anual. Apesar de ser uma organização não-governamental presente em todas as unidades da federação, ela não é a única que faz intermediação de trabalho estágio. A alocação do estágio também é realizada por empresas de intermediação de mão-de-obra e diretamente entre a instituição do ensino e a empresa, órgão público ou organização social. A partir dos dados do CIEE, observa-se um crescimento sistemático do número de estagiários intermediados por essa instituição, especialmente após os anos 90, inclusive em anos de baixo dinamismo econômico e de elevação do desemprego, conforme pode ser verificado no gráfico abaixo, chegando a superar 268 mil, em 2005. É um número maior do que os contratos temporários ativos em 31 de dezembro do mesmo ano. O CIEE diz ter convênio com 90 mil organizações empresariais e sociais. A média de permanência no estágio foi, em 2004, de 5,7 meses.

Gráfico 2.17 - Nº de estagiários contratados pelas empresas por intermédio do CIEE - Brasil

1985 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 38 .1 5 9 33.404 30.653 37.280 27.970 58 .0 9 7 70.971 74 .9 9 4 7 5 .177 91.423 99 .2 0 4 1 16.744 1 51.161 175 .8 2 2 208.701 212.474 24 4.335 268.32 3

Fonte: Balanço Social CIEE, 2005

A expansão do trabalho estágio ocorre em todos os setores, inclusive em importantes instituições públicas, tais como os bancos federais, que adotam a prática de contratar estagiários de qualquer instituição de ensino, sem vinculação com a formação profissional. Em alguns segmentos, o estagiário é quem garante a dinâmica da empresa, como, por exemplo, em diversas academias de ginástica.

Denúncias316 e ações trabalhistas solicitando o reconhecimento do vínculo têm sido bastante comuns, fazendo com que os estudantes forjassem um termo mais apropriado para designar a sua relação de trabalho: “escraviários”. A Subcomissão de estágios da Comissão Geral da Graduação da Unicamp, apesar de reconhecer aspectos positivos do trabalho estágio, indica, no seu relatório de 2002, inúmeras críticas e problemas, tais como: jornada de até 12 horas diárias e 44 semanais, problemas em compatibilizar a formação acadêmica com o estágio, retardamento na conclusão do curso para continuar no estágio (reprovação voluntária), processo seletivo igual ao de contração em emprego, alto número de estagiários em relação ao de funcionários (a empresa tem, por exemplo, 3 empregados e 17 estagiários), atividades fora da área de atuação etc. (LOPES, 2002).

Apesar desta medida flexibilizadora de desvinculação entre o estágio e a formação escolar, não foram revogadas as exigências de relacionamento com a grade escolar e com a aprendizagem prática das atividades ensinadas na escola, o que abre base legal para o questionamento de certos tipos de estágio. Em função disso, há diversos processos em curso para reversão dessa relação de emprego disfarçada. Um caso que ganhou evidência recentemente foi o da Caixa Econômica Federal (CEF). A partir de uma denúncia ao MPT pelo sindicalismo bancário, foi realizado um acordo, em 2002, em que a CEF comprometia-se a substituir em torno de 20 mil terceirizados e estagiários por concursados.

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“Vejamos alguns depoimentos que vieram com as mensagens: ... meu filho foi sumariamente mandado embora na semana em que colou grau. Ele sabe bem, e disse, o quanto o estágio lhe tirou, inclusive atrapalhando seu melhor desempenho no curso; ... estagiários ... não aprendem nada, pois são vistos, pela maior parte das organizações, como uma mão-de-obra que caiu do céu, barata e de bom nível, para cobrir os buracos dos

downsizings constantes. Vão tirar cópias xerográficas, trabalhar como mensageiros, ou ensinar as pessoas a

utilizar os equipamentos eletrônicos na ante-sala dos bancos; ... trabalhei como estagiária em uma empresa, de 10 a 11 horas por dia ... hoje me arrependo por ter sido conivente com esse sistema exploratório cada vez mais recorrente no mercado de trabalho; ... chego a ser mais ousado e afirmo que hoje, em relação aos estudantes de Direito, a regra dos escritórios de advocacia é a não-remuneração...; ... meu filho, com 24 anos, comunicou-me que estaria deixando de entregar sua monografia para conclusão de seu curso de Economia, para apenas tentar prorrogar seu estágio por mais seis meses ... (ele) precisa vestir-se como um executivo, pois sua postura tem que ser de funcionário efetivo da organização ... Nós, pais, sabemos que além de tudo temos que ajudá-los a ser

escraviários, pois ... suas despesas são maiores do (que aquilo) que ganham; Sou contratada ... há exatamente dois

anos e meio, sem férias e trabalho nove horas por dia ... (sem contar a hora de almoço) ... tenho obrigações e responsabilidades iguais às de um profissional registrado, ou ... até mais ...; Tem banco que exige dedicação exclusiva (oito horas), além de carro próprio, e ... obriga o infeliz a rodar ... média diária de 100 km por dia, mal pagando a gasolina ... Acredito que a quase totalidade dos propagandistas de laboratórios farmacêuticos sejam estagiários atuando nas condições acima. Há empresas que como pré-requisito para contratação exigem carros de certo ano de fabricação em diante; ... vi colegas comprometendo os estudos, horas de sono e até o ano acadêmico por conta da carga de trabalho imposta nos estágios”(MACEDO, 2003, p.01).

Além do MPT, a Justiça do Trabalho tende a condenar os empregadores que utilizam, de forma fraudulenta, o trabalho estágio. Por exemplo, por meio de reclamatória, uma estagiária da Telemar Norte fez a solicitação e conseguiu o vínculo de emprego na Justiça do Trabalho, depois que a DRT de Belém comprovou por meio de inspeção a existência de cerca de 500 estagiários na empresa, que se reestruturou por meio da demissão de funcionários:

[...] quase mil empregados em todo o Pará, justificando a necessidade de enxugar seus quadros e adequar sua estrutura ao setor privado. A apuração indicou que os estágios não ofereciam a experiência prática nem a complementação da aprendizagem escolar exigidas pela Lei 6.494/77. Os estagiários faziam atividades comuns aos empregados, mas com uma remuneração inferior paga aos trabalhadores demitidos (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2005).317

Mesmo assim, dadas as imensas restrições do mercado de trabalho na criação de oportunidades de ocupação, o trabalho estágio passa a ser considerado uma das poucas “possibilidades” de inserção profissional. Para os jovens, ele é uma esperança de aquisição de experiência profissional e inserção no mercado de trabalho. Isso faz com que, apesar da precariedade, haja uma disputa acirrada pelas vagas que surgem. Nem os estudantes e nem as instituições de ensino têm força para contrapor-se à lógica do mercado, pois as que colocam condições são preteridas em relação a outras que aceitam avaliar a relação sem qualquer exigência, como denuncia Macedo (2003). A questão chega ao cúmulo de algumas empresas exigirem experiência no processo de seleção e imporem uma jornada de 40 horas semanais, tornando incompatível o estágio com uma sólida formação escolar.