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Os autônomos e a relação de emprego disfarçada

As formas de contratação flexível no Brasil

4. Relação de emprego disfarçada

4.4 Os autônomos e a relação de emprego disfarçada

O trabalho autônomo é heterogêneo e expressivo historicamente no Brasil. Sob a categoria de autônomo está o trabalho precário e de baixo rendimento; o profissional especializado e de alto rendimento; o serviço em setores estruturados e em circuitos de alta renda; o trabalho que tem como clientela a baixa renda; o integrado à empresa, com ou sem tecnologia ou especialização; a consultoria; o tele-trabalho; o pedreiro; o motorista; o motoboy;318 o publicitário; o free lance etc.

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“Na realidade, são telefonistas, denominados pela empresa como atendentes, constituindo-se como empregados por apresentarem os requisitos da CLT para tal enquadramento”, revelou o laudo da DRT. In: Revista Consultor Jurídico, 2005.

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Somente na cidade de São Paulo são calculados em 150 mil, caracterizando-se pelos vínculos precários e condições de trabalho de extremo perigo. “É impressionante essa regressão a comportamentos violentos e a um

Muitas atividades por conta própria apresentam características similares às dos pequenos proprietários (SANTOS, 2006). Inclusive, parte do trabalho autônomo, conforme abordado anteriormente, transformou-se em PJ, como forma de legalizar a atividade de prestação de serviço com menor custo e risco, ou como exigência do cliente para fornecer nota fiscal.

A questão que se pretende destacar é a utilização do trabalho autônomo como parte da estratégia utilizada por empregadores, geralmente em uma relação triangular, para viabilizar uma redução de custos e permitir rápidos ajustes ao ambiente das atuais transformações econômicas e de reestruturação da produção de bens e serviços, o que pode ser considerado como uma relação de emprego disfarçada. É uma prática que já está consolidada no mercado de trabalho brasileiro, inclusive aparecendo na pesquisa de Cacciamali (1983, p.66) do começo da década de 80:

Destaca-se que alguns trabalhadores que, aparentemente, podem ser considerados conta própria estão, de fato vinculados a um único empregador. É o caso de vendedores ambulantes (cachorro quente, sorvete etc.), vendedores de maior qualificação (máquinas, seguro-saúde, imóveis, costureiras a domicílio, coladores de plásticos sub-contratados por firmas etc.). Estes casos são considerados (neste trabalho) como assalariados disfarçados optando-se pela categorização desses trabalhadores nas subcategorias correspondentes em assalariados.

Portanto, do ponto de vista das relações de trabalho, uma novidade é a crescente subsunção da atividade de parte dos autônomos à dinâmica de reorganização e valorização do capital,319 na perspectiva de propiciar uma maior flexibilização do mercado de trabalho. Nesse sentido, o “autônomo perde a sua autonomia”, e o seu trabalho passa a ser ditado por quem o contrata, tornando-se um trabalhador por conta alheia. É isso que caracterizamos como relação de emprego disfarçada no trabalho autônomo. O autônomo é, nesse caso, um proletarizado, ao ficar subordinado, mesmo sendo dono do seu instrumento do trabalho ou sendo um profissional especializado que não está contratado como assalariado.

Essa é uma realidade mais presente em alguns setores do que em outros. O trabalho por conta própria, com sua imensa diversidade, como já demonstrou Cacciamali (1983), apresentou uma trajetória de crescimento mais intenso nos anos 90, em que sua participação na estrutura trabalho de todo desprotegido, que resulta diretamente da própria riqueza da cidade, a qual se enche de automóveis sem investir no transporte coletivo. Como a cidade se paralisa, surgem os motoqueiros, que ocupam os últimos espaços da rua, os estreitos corredores entre os carros” (DOWBOR, 2002, p.41).

319 Entendida como a relação de subordinação que o capitalismo desenvolve entre processo de trabalho e processo de valorização, esta determinando aquela.

ocupacional passou de 20,7%, em 1993, para 22,3%, em 1999.320 O seu ritmo só foi inferior ao apresentado pelos empregadores (33,7%). Por exemplo, os assalariados cresceram somente 8,2%. Entre 1999 e 2004, os autônomos continuaram crescendo (15,1%), mas a uma taxa menor do que o conjunto dos ocupados não agrícolas (23,1%), inclusive em relação aos empregados (29%). Apesar da queda na taxa de participação, o numero dos que trabalham por conta própria é muito expressivo, tendendo a acompanhar a dinâmica do mercado de trabalho em cada período. Por isso, ele se expandiu na década de 90, num contexto de baixo crescimento, restritas oportunidades de trabalho e ajuste fiscal (SANTOS, 2006).

Não é possível quantificar, nesse imenso universo, o numero dos que trabalham de forma subordinada em uma relação de emprego disfarçada. Mas é possível ilustrar a nova tendência aqui discutida com dois exemplos.

O primeiro refere-se a mudanças na relação de trabalho de parte dos caminhoneiros (particularmente dos ‘cegonheiros’). Chahad e Cacciamali (2005) mostram que há uma tendência internacional de o motorista do caminhão tornar-se um trabalhador autônomo, proprietário de seu veículo, mas mantendo uma relação de subordinação direta à empresa de que transporta os bens ou a uma de logística (terceirizada). É uma prática que representa maior flexibilidade num duplo sentido:

Por um lado, embora a propriedade do caminhão não seja mais da empresa, transformando-se num instrumento de trabalho do caminhoneiro, ele representa a utilização de uma forma de capitalização mais flexível, cujo investimento e manutenção ela (empresa) repassou para o caminhoneiro. Por outro lado, estabelece-se uma situação de dependência entre a empresa e o caminhoneiro autônomo onde este presta serviços num elevado nível de subordinação, e com características muito semelhante aos motoristas permanentes, encobrindo uma relação de assalariamento que é favorável à empresa, seja pela ótica do controle do processo de trabalho, seja pela redução do custo da mão de obra, visando garantir sua renda econômica no transporte de carga. A titularidade do ativo (caminhão) é transferida para o trabalhador, mas a subordinação nas relações de emprego permanece (CHAHAD e CACCIAMALI, 2005, pp. 11 e 12).

A conclusão do estudo mostra que os cegonheiros estão submetidos a uma relação de emprego disfarçada, agravada pelo fato de estarem vinculados a empresas terceirizadas (logística), “levando a uma complexa rede de relações de emprego, onde fica obscurecida a natureza da subordinação e da verdadeira situação ocupacional do caminhoneiro autônomo proprietário de caminhão. Não se pode negar, entretanto, que ele é um legítimo

trabalhador” (CHAHAD e CACCIAMALI, 2005, p.22, grifos dos autores). Mesmo assim,

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esses trabalhadores apresentam uma condição menos desfavorável do que a de seus colegas, que permanecem em situação similar à de outros setores de transporte de carga no Brasil, pois as negociações da remuneração e das condições do transporte são realizadas coletivamente, pelo seu sindicato específico.

Outro exemplo é o trabalho do médico. As mudanças no setor de saúde,321 com a fragilização da atenção pública e a difusão de empresas de intermediação de serviços (empresas de medicina de grupo, autogestão, planos administrados, cooperativas médicas e seguradoras), irão definir o papel das ocupações e as formas de contratação. Nesse contexto, os médicos mantêm aparentemente o status de profissionais liberais,

[...] com controle total do processo de trabalho, mas, na essência, exercem seu ofício sob a coordenação “invisível” do capital, que subsumiu praticamente todas as formas de trabalho, ditando as regras direta ou indiretamente” e ... “com uma crescente dependência de um instrumental (máquinas e equipamentos) que é essencial para procedimentos diagnósticos e terapêuticos. O movimento de subsunção se traduz em expansão do modelo empresarial da prática médica, que traz como desdobramento principal a perda progressiva da autonomia profissional e uma diminuição real do

status de exercício liberal da profissão, que se estabelece através de formas diretas e indiretas de

assalariamento. Assim, o hospital terceiriza os serviços médicos, objetivando a agregação de serviços especializados e de maior qualidade, sem que isso redunde em aumento de custos, mas antes o contrário (BOLAÑO e SILVA, s/d, pp.16 e 17).

Parte dos profissionais médicos, mesmo sendo cooperativados ou autônomos, está sendo submetida a um processo que pode ser classificado como uma relação de emprego disfarçada, em que as suas funções parecem cada vez mais proletarizadas.