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O mercado de trabalho e o padrão de regulação do trabalho no Brasil

4. Os anos 90: avanço da flexibilização e fragilização das instituições públicas

4.5. Ministério Público do Trabalho

Uma das principais novidades no sistema de vigilância e proteção dos direitos trabalhistas foi a redefinição do papel do Ministério Público do Trabalho (MPT), edificada na Constituição de 1988 e consagrada com o Estatuto e a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, ao torná-lo uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, com caráter permanente, autônomo e independente. Tem a finalidade de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Não estando subordinado a qualquer outro poder ou instituição da República, é considerado um “extra poder”, que tem a função de fiscalizar o cumprimento da lei e também dos demais poderes. As mudanças também ampliaram a sua competência, passando a ser, ao mesmo tempo, um órgão interveniente175 e agente, imbuído do papel de defensor da sociedade na proteção dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Além disso, pode também atuar como árbitro ou mediador na solução dos conflitos coletivos de trabalho.

A atuação do MPT concentra-se nas questões que envolvem um coletivo de trabalhadores. Os seus membros (procuradores) têm a liberdade de tomar iniciativas de investigação – para apurar denúncias – e de encaminhamento judicial176 de qualquer questão em que esteja implicado o descumprimento da legislação e que afete um coletivo de trabalhadores ou a sociedade. O desencadeamento de ações pode ocorrer a partir de uma notícia nos meios de comunicação, de uma denúncia (individual ou coletiva), por solicitação de uma diligência da Justiça do Trabalho, ou, ainda, por acompanhamento de processo individual que tem um problema afetando um coletivo maior de pessoas. Ou seja, o espaço de iniciativa de intervenção sobre as lesões ao direito é muito grande. Assim, o ponto fundamental é que o membro do MPT tem autonomia administrativa e funcional para desenvolver o seu trabalho.

A autonomia e a independência fazem com que cada procuradoria seja um órgão público próprio, com poderes para desencadear um número considerável de ações, como visto acima. Por um lado, é possível perceber que alguns temas, considerados prioritários e colocados como metas institucionais, oferecem uma certa perspectiva mais nacional para a

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De emitir pareceres e controlar a legalidade dos feitos judiciais submetidos aos tribunais Regionais e Superior do Trabalho.

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O membro do MPT instaura processos, ações coletivas, interpõe recursos, firma termos de compromisso de ajustamento de conduta, realiza inspeções e promove conciliações coletivas.

instituição, tais como: a erradicação do trabalho infantil; o combate ao trabalho forçado, às formas de discriminação, às cooperativas fraudulentas e à terceirização; a garantia dos direitos fundamentais do trabalho, especialmente a formalização; a inserção de pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho; e a observância das normas de segurança e medicina do trabalho. Essas são tendências que buscam dar uma certa identidade, mas as ações concretas dependem de um engajamento individual dos procuradores.

Apesar de ser um órgão estatalcom imensa liberdade de ação, ressaltando-se o respeito ao arcabouço jurídico-institucional brasileiro, está sujeito às influências políticas e ao contexto, pois as leis estão condicionadas a interpretações e as prioridades são objeto de definição considerando as relações sociais. Nesse sentido, há muitas experiências distintas, permeadas pelas concepções do procurador e da sua interação com os agentes sociais.

Trata-se de uma instituição que está conquistando espaço na sociedade brasileira, apesar de, em relação a outros órgãos na área da proteção e vigilância dos direitos trabalhistas, ainda ser incipiente do ponto de vista material (orçamento e pessoal). O trabalho de muitos procuradores, articulado, muitas vezes, com o judiciário local e agentes sociais (sindicatos, ONGs etc), tem apresentado resultados positivos na inibição de práticas fraudulentas. Por exemplo, a Procuradoria da 15ª Região teve um papel de destaque, junto com os sindicatos de assalariados rurais, pesquisadores e membros do judiciário trabalhista, no combate às coopergatos e no avanço da formalização do emprego no segmento da cana e da laranja, no interior do estado de São Paulo.

Como é uma instituição com alto grau de autonomia na atuação de seus membros, outros procuradores concentram seus esforços em encontrar maneiras de fragilizar os sindicatos, especialmente por meio da construção de uma leitura de que o financiamento sindical poderia advir somente dos sócios.

Por ter sido criado recentemente, dentro da lógica de fortalecer a regulação pública do trabalho, o MPT enfrenta a reação conservadora concentrada no excessivo poder dos procuradores, aos quais é facultado investigar, analisar e julgar ao mesmo tempo. São reações isoladas, que não têm se traduzido, na área do trabalho, em reformas substantivas.177 Ao

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A discussão sobre o poder dos procuradores é mais forte na área política, que não é objeto de nossa investigação.

mesmo tempo, na perspectiva de inibir o trabalho dos procuradores, auditores fiscais e juizes, outras reações se impõem como intimidação pela ameaça, agressão e até assassinato.

Em síntese, o MPT é uma instituição pública que teve ampliada a sua competência na Constituição de 1988 e exerce um importante papel na vigilância do cumprimento da legislação social, sendo uma força, na maioria dos casos, de resistência ao processo de flexibilização do direito do trabalho.

Analisando em conjunto as instituições públicas responsáveis pela vigilância e proteção dos direitos, observa-se que elas, apesar de fazerem parte da ossatura do Estado e com uma relativa autonomia de atuação (umas mais do que outras), estão sujeitas às influencias políticas e de forças sociais que refletem interesses e concepções presentes na sociedade brasileira. Mas, por si só, a sua preservação significa uma resistência à avalanche neoliberal, apesar de, em muitos momentos, suas iniciativas terem legitimado essa perspectiva política, pois carrega as contradições e tensões sociais vividas pelo país em cada momento histórico.

Ao mesmo tempo, faz-se necessário reconhecer que a profundidade das mudanças, combinada com a crise econômica, abertura comercial e financeira, aumento da concorrência, estreitamento do mercado de trabalho e crise da própria política e de suas instituições de representação, trouxe constrangimentos imensos à atuação dos órgãos públicos. Senão vejamos: apesar da presença e preservação dessas instituições, o nível de descumprimento da legislação social continua muito alto no país, com a permanência do trabalho escravo e a elevação da informalidade e da relação de emprego disfarçada. A impunidade para a maioria dos delitos trabalhistas mostra que compensa, para boa parte das empresas, continuar sonegando. Mas a questão não diz respeito só às instituições, pois as mudanças que afetam a sua eficácia têm relação com o movimento de crise e desestruturação do mercado de trabalho e da ordem capitalista hodierna, privilegiando a dimensão financeira e da concorrência entre os seus agentes e forjando que, efetivamente, toda a regulação ocorra no mercado. Acentua-se, portanto, a diferença entre o formal –assegurado na legislação social – e o real, dentro do que ocorre no mercado de trabalho.

Por outro lado, tanto o arcabouço jurídico quanto as instituições públicas são mecanismos que se constituem com referência no combate das formas mais destrutivas de exploração da força de trabalho. Tanto assim que, em um contexto um pouco mais favorável

para o trabalho, há sinais de uma contribuição, que não é possível quantificar, para a elevação da formalização.

A atuação das instituições públicas, acima discutidas, não gera postos de trabalho. Mas evidencia que o Estado pode ter um papel importante na fiscalização e efetivo cumprimento da legislação, melhorando a qualidade dos postos de trabalho gerados na economia [...] O que nos leva a concluir que se forem aprimorados os mecanismos de fiscalização e de uma presença mais ativa do Estado, dentro de contexto de crescimento sustentado da economia, é possível melhorar o perfil do mercado de trabalho brasileiro (BALTAR, MORETTO e KREIN, 2006, p.34).

Enfim, a importância do Estado é muito grande numa sociedade como a brasileira, em que há uma heterogeneidade estrutural do mercado de trabalho, onde somente os setores mais estruturados, com tradição sindical, têm poder de representação e de negociação dos interesses dos trabalhadores perante o empregador, portanto, têm força para assegurar um patamar mais elevado de regulação social do trabalho. Essa questão é agravada pela tradição de forte desrespeito da legislação social e pequena valorização profissional. Mas,

[nos] setores econômicos de sofrível desempenho e de fraca representação sindical, a legislação trabalhista e a função sancionadora do Estado na garantia de seu cumprimento continuam sendo os principais institutos, senão os únicos, a supostamente assegurar limites mínimos aos critérios de contratação e uso do trabalho (salário-base, teto para as jornadas, remuneração das horas-extras trabalhadas, 13º salário, proteção às gestantes e ao trabalho infantil etc.). E isto, em tese, já que, ainda hoje, é imprescindível que muitos sindicatos "corram atrás" para fazer as empresas respeitarem esses direitos básicos do trabalhador (COSTA, 2005, p. 16).