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Servidor demissível: a flexibilização da contratação no setor público

As formas de contratação flexível no Brasil

2. As formas atípicas de contratação vigentes no Brasil

2.2. Servidor demissível: a flexibilização da contratação no setor público

Nos anos 90, apesar da instituição do Regime Jurídico Único, que teve a finalidade de implementar as conclusões da Constituinte sobre o ingresso e as formas de contratação para a administração pública, os dados mostram que, especialmente após 1995, há um crescimento das formas de contratação de servidores não-efetivos. Os funcionários ativos em 31 de dezembro passam de 446.226, em 1995, para 1.294.526, em 2005,202 significando que os demissíveis representam, em 2005, 3,9% do total dos formalizados e 18,3% do total de funcionários públicos nas três esferas de governo.203 Além disso, há os que foram desligados durante o ano, somando mais 388 mil, em 2005. O crescimento expressivo pode ser observado pela elevação da participação dos não-efetivos ativos no total dos servidores, passando de 8,9%, em 1995, para 18,3%, em 2005, desconsiderando somente o estoque. É uma tendência que se contrapõe à lógica das decisões da Constituição de 1988 e do Regime Jurídico Único204 (1990), que tentou moralizar as formas de ingresso e estabelecer um padrão mais profissional e impessoal ao serviço público, ao assegurar que a única forma de acesso seria pelo concurso e garantir a estabilidade e o princípio da isonomia.

A flexibilização na forma de contratação no setor público pode ser observada também pelo crescimento exponencial da terceirização – analisado no item 5 do presente capítulo – e por outras formas de contratação por tempo determinado, que são admissões feitas por meio de

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Pode haver alguma distorção nos dados, pois essa modalidade somente foi incluída na RAIS a partir de 1995 e sempre há um período de adaptação ao novo formulário.

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Na RAIS de 2005 aparece, diferentemente de 1995, o servidor alocado no Regime Geral da Previdência, ou seja, contratação por CLT, que corresponde a 4,5% do total dos funcionários públicos.

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O Regime Jurídico Único é que determina as funções e cargos. Cargo tem relação com o cumprimento de uma função pública.

legislação específica, nas três esferas de governo, para atender necessidades transitórias de interesse público. Por exemplo, a contratação emergencial na área de saúde, os professores para suprimir a falta de concursados, diversos tipos de profissionais para necessidades imediatas de fundações públicas e autarquias etc. Essas contratações são, em geral, viabilizadas por legislação Específica. Na RAIS de 2005, pela primeira vez aparece a contratação por tempo determinado no âmbito estadual e municipal. Para o governo Federal, a RAIS capta especificamente a contratação por tempo determinado da Lei nº 8.745/93,205 a partir de 2001, que basicamente supre a contratação de professores substitutos das universidades federais. É um contrato semestral, que pode ser renovado por, no máximo, 3 vezes (2 anos), com um salário bastante baixo.206 A ausência do concurso foi resolvida com a contratação temporária, fazendo com que departamentos sejam viabilizados por profissionais que ficam na instituição por no máximo dois anos.

Gráfico 2.3 - Evolução dos servidores demissíveis, entre 1995 e 2005 (anos selecionados) - Brasil

388066 1294528 266507 137025 73056 446226 719761 1099116 0 200000 400000 600000 800000 1000000 1200000 1400000 1995 1999 2002 2005 Fonte: RAIS/MTE Não ativo Ativo

A expansão da contratação flexível tem relação com a concepção de Estado, a política de ajuste fiscal, a reforma administrativa e a lei de responsabilidade fiscal, num contexto de baixo crescimento, de pressão pela implementação das políticas sociais constantes na Constituição de 1988 e da opção dos governos, especialmente os municipais, de desenvolverem políticas para se viabilizarem eleitoralmente.

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A Lei n.º 8.745/93 é destinada a atender necessidade transitória de “excepcional interesse público” da administração federal direta, das autarquias e fundações públicas, tais como a “admissão de professores substitutos e visitantes (inclusive estrangeiros) em universidades federais, a contratação de pessoal para combater surtos endêmicos e para realização de recenseamento” (CESIT/MTE, 2005, p.12).

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O salário (bruto) de um professor doutor, no início de 2006, é de R$ 334,41 (trezentos e trinta e quatro reais e quarenta e um centavos), mais um adicional de titulação de R$ 535,05 (quinhentos e trinta e cinco reais e cinco centavos) para doutores.

Nos anos 90, caminha-se na perspectiva de ampliar as formas de contratação flexível. Enquanto o número de servidores estatutários cresceu 21,2%, o dos não-efetivos e dos temporários cresceu 67,4%, no mesmo período, sem incluir no cálculo os terceirizados. Na análise, também é preciso considerar que o número de servidores públicos em relação ao total tanto dos ocupados como da população é baixo no Brasil (CARVALHO FILHO,2002).207 São evidências da fragilização ou do sucateamento do serviço público brasileiro nos anos 90 e da mudança na natureza do Estado, que passa, no trato da coisa pública, a “privilegiar critérios de gestão pautados na eficiência, eficácia e efetividade” (GONÇALVES, KREIN e MADI, 2006, p. 2).

Gráfico 2.4 - Contratação por tempo determinado, leis nas três esferas de governo, 2005 - Brasil

0 10000 20000 30000 40000 50000 60000

federal Estadual Municipal

Fonte: RAIS/MTE 2005

Não ativo Ativo

Além das inovações na gestão, das privatizações e da política de ajuste fiscal, dentro das diretrizes do Consenso de Washington, ocorre um conjunto de reformas que irá contribuir para ampliar as formas de contratação, entre as quais se destacam a reforma administrativa e a Lei de Responsabilidade Fiscal. As mudanças na forma de estruturar e gerir o Estado fazem parte das reformas estruturais ocorridas na década de 90, no sentido de ajustar o país à lógica da inserção no processo de globalização sob o domínio do capital financeiro. Por exemplo, um dos elementos centrais para o funcionamento da atual lógica econômica é o ajuste fiscal,208 para poder arcar com os encargos da dívida pública, que crescem com a alta taxa de juros. A

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Segundo Eneuton P. Carvalho Filho (2002), o Brasil apresenta a segunda menor proporção de emprego público no emprego total (11,3%), perdendo apenas para o Japão (7%); e a quinta menor proporção em relação à população (5,1%), atrás de Grécia (4,7%), México (4,3%), Turquia (3,9%) e Japão (3,6%).

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exceção ficou para a área tributária, com a política de melhor ‘máquina arrecadatória’.209 A desestruturação é muito mais intensa em setores chaves da administração e das autarquias, que, por meio de PDVs, fizem um grande enxugamento de quadro técnicos, comprometendo a sua capacidade de planejamento e de gestão.

A Reforma Administrativa, assim como diversas outras políticas, apresenta uma dupla dimensão: estimula a adoção de técnicas e métodos utilizados na gestão privada (programas de qualidade e produtividade) e, ao mesmo tempo, abre espaço para uma maior participação privada na execução dos serviços sociais (privatização). Então, o Estado assume a teoria gerencial, introduzindo a lógica ‘produtivista’ no setor público, na “busca” de maior eficácia, eficiência e efetividade para as suas ações. Do ponto de vista da contratação, faz uma diferenciação em razão da natureza dos cargos a serem preenchidos (contratação por CLT e estatutário), admitindo a contratação por processo seletivo. Além disso, a Reforma Administrativa acaba com a isonomia das remunerações, relativiza o estatuto da estabilidade do funcionário público e abre a possibilidade do contrato de gestão para a execução de atividades que são prerrogativas do Estado.

A [Reforma] Administrativa, aprovada no governo anterior – Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 41/97 – imprimiu alterações fundamentais na estrutura do Estado, no âmbito da administração direta e indireta. Além de incluir regras permitindo a terceirização no serviço público, flexibilizou normas para a criação e extinção das sociedades de economia mista, fundações e empresas públicas e as de licitação para as empresas públicas e sociedades de economia mista. Relativamente aos servidores, as regras que inscreveu na moldura constitucional do país quebraram princípios, como: o da isonomia da remuneração; o da estabilidade do servidorpúblico, permitindo a despedida por insuficiência de desempenho, mediante procedimento simplificado de avaliação periódica, ou para redução do quadro aos limites definidos em lei complementar para gastos com pessoal; e, o da irredutibilidade dos vencimentos. Flexibilizou a regra geral de ingresso ao serviço público por meio de concurso, permitindo a contratação pelo regime da CLT. Ao fazê-lo, acabou submetendo o servidor aos deveres típicos do regime estatutário, porém sem as vantagens correspondentes, como, por exemplo, a estabilidade e aposentadoria integral. Na prática, possibilitou que o regime jurídico único do servidor público passe a ser o da CLT210 (BIAVASCHI, 2005, p. 306).

A Lei de Responsabilidade Fiscal211 é introduzida a partir da negociação com o FMI, em 1998, como parte do programa de ajuste fiscal. Do ponto de vista do nosso objeto, ela coloca limites para as despesas com pessoal e impede que aumentos de gastos sejam feitos sem

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Os concursos voltam em algumas áreas muito defasadas, somente em 2004. Ainda assim, o número é pequeno, dada a desestruturação do serviço público nos anos 90.

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Foi o que aconteceu com a opção ao FGTS, instituída pela Lei 5.107/66. Na prática, transformou-se em imposição, importando verdadeiro golpe à estabilidade dos trabalhadores privados.

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que se aponte a origem dos novos recursos, com comprovação de que a despesa criada terá seus efeitos compensados por aumento permanente de receita. A lógica é de fazer o superávit primário para viabilizar o pagamento da dívida.212 Ela tem duas conseqüências nas formas de contratação. Em primeiro lugar, inibe a realização de concurso público, pois o funcionário contratado torna-se uma despesa permanente. Com isso, estimula a contratação temporária, emergencial, de comissionados etc. Em segundo lugar, estimula a terceirização, pois a contratação de outra empresa não é considerada despesa de pessoal. A LRF estipula que o limite máximo é de 60% da receita corrente líquida, sendo que 54% para o Executivo e 6% para o legislativo. Também coloca uma barreira de prudência de 51,3% da receita corrente líquida.213

Por último, em muitos municípios e mesmo estados, os preceitos da Constituição não chegam a ser efetivados, pois as contratações temporárias, o trabalho comissionado e a terceirização podem ser moeda de troca eleitoral para políticos ou de financiamento de campanhas eleitorais.

Com a crise econômica e a política de ajuste fiscal, a precarização e a flexibilização nas formas de contratação também se intensificam em decorrência da própria demanda da sociedade por mais serviços na área social. Parte dessa demanda passou a ser atendida por meio de contratações emergenciais, da pressão sobre os servidores para intensificar o trabalho, da diminuição do custo de pessoal (perda do poder de compra dos vencimentos) e do ataque a direitos conquistados pelos servidores. Faz-se uma política de atender mais gente, mas em

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“O crucial é que o resultado primário não se destina ao atendimento das necessidades sociais de saúde, previdência, moradia, terra, segurança, educação, justiça, transporte, trabalho, meio ambiente, etc., mas aos serviços da dívida. Quanto ao item justiça, por exemplo, os dados revelam a sua não prioridade” (BIAVASCHI, 2005, p.306).

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Em todo caso, a lógica foi de desestruturação do serviço público, que está expressa, entre outros exemplos, no intenso crescimento das contratações flexíveis de funcionários. Como exemplo, pode-se citar uma pesquisa, realizada no ano de 2000, com dirigentes sindicais em três unidades públicas do Estado de São Paulo, verificando a existência das seguintes formas de contratação: a) Concursados (regime CLT) e Lei 500/74, predominante no setor da Saúde; b) Estatutários, presentes nos três setores, sendo que na Pinacoteca praticamente não existem mais servidores contratados por esse regime; c) Emergenciais – admissão atualmente efetuada na forma da Lei 3131 (uma rubrica do orçamento que prevê a contratação por 3 meses com a possibilidade de prorrogação por mais três meses – introduzida pelo governo Covas, em substituição ao Banser da gestão Fleury e Quércia) – na área da Saúde e, ainda, particularmente na área da Cultura (educação), ocorre a contratação por hora-aula; d) Terceirizados, que aparecem em todos os locais pesquisados, mas de forma mais intensa na prefeitura de São Paulo; e) Frentes de trabalho, existentes no governo e na prefeitura, sendo mais comum na prefeitura; f) Comissionados (em todos os órgãos); e g) Trabalho dos presos na lavanderia e cozinha de hospital. Na avaliação dos entrevistados, cresceu a utilização dos contratos de emergência, das frentes de trabalho e do estágio (KREIN e TEIXEIRA, 2001).

condições mais precárias e com um funcionalismo mal pago. Ou seja, o governo procura ampliar o volume do serviço, “economizando” custos.