• Nenhum resultado encontrado

69barbárie nas pessoas submetidas a essa cultura Ninguém está inteiramente livre de traços de

barbárie, é preciso orientar esses traços contra os princípios da barbárie, em vez de permitir seu curso em direção a desgraça. A falta da consciência esclarecida nos faz perpetuar

situações escolares que já são feitas há muitos anos sem refletir sobre elas, sobre suas reais intenções e principalmente, sobre as consequências na formação das crianças.

Possibilidades

Uma forma de contribuir para a completa formação cultural das crianças é a utilização da autoridade no ambiente escolar. Estamos imersos em situações em que o princípio da autoridade não é bem visto, pois as pessoas a confundem com autoritarismo, mas o objetivo principal da autoridade frente às crianças não é somente de apontar e punir os seus erros, mas de cuidá-las e protegê-las – a diferença está na forma como ela é exercida. É importante na abordagem sobre o conceito de autoridade, fazer a distinção do seu oposto que é o

autoritarismo. Sabe-se que o autoritarismo é a doença da autoridade. Toda autoridade é um valor, pois que é garantia da liberdade. Isto porque autoridade tem a ver com liderança e não com chefia; entendendo-se que, líder é aquele que se propõe e é aceito, e chefe é aquele que se impõe.

As famílias estão passando por uma situação difícil em relação a isso, pois a cada dia que os pais e/ou responsáveis passam mais tempo fora de casa, longe de seus filhos, e no momento em que estão juntos tendem a responder de forma afirmativa para tudo que lhes é pedido e de não repreenderem as crianças, afinal já estão tanto tempo longe uns dos outros que permitem que, determinadas situações ou ações, aconteçam ou fingem que não veem sucumbindo aos seus desejos. Já que normalmente não exercem sua autoridade perante as crianças, também não permitem que os professores a exerçam no ambiente escolar.

Quando acontece alguma situação em que as crianças precisam ser repreendidas, afinal estão iniciando um processo de educação formal e a socialização é um dos maiores desafios, não aceitam e reprovam a postura dos professores.

Isso é extremamente prejudicial, as concessões começam a ser dadas na primeira infância, as crianças começam a perceber que não precisam respeitar pessoas ou regras, e sentem-se no centro do mundo, se considerando a pessoa mais importante e desconsiderando os seus semelhantes. Isso forma um círculo vicioso que pode perdurar durante a vida. De acordo com o decorrer dos anos mantêm esses pensamentos e vão praticando atos que são verdadeiras barbáries contra os seus semelhantes, vão

desenvolvendo preconceitos, praticando violência por motivos torpes e tendo atitudes de intolerância. Começam a tratar os outros como se fossem coisas que podem ser descartáveis.

Por não terem sido sujeitos à autoridade, alimentam o autoritarismo. É preciso impor limites e isso começa na primeira infância, a criança não pode ficar à mercê de suas vontades, porque ainda não viveu o suficiente para saber o que é ou não é bom para ela. As crianças precisam vivenciar a autoridade, que precisa ser apresentada a elas com transparência, pois necessitam de que alguém as repreenda nos momentos necessários, já que não têm noção do mal que são capazes de trazer a si e aos outros.

Para Adorno (2010c, p. 167), é necessária “a dissolução de qualquer tipo de autoridade não esclarecida, principalmente na primeira infância”, pois só assim as crianças estariam capacitadas o suficiente para saber como agir em situações futuras. Segundo o autor, a educação era algo que precisava ser repetida incessantemente até que as normas e bons

70

costumes se transformassem em hábitos. A forma como a autoridade é exercida faz toda a diferença. Em tempos passados os pais exerciam a autoridade sobre os filhos só com olhar, através dele as crianças os obedeciam imediatamente, pois eram intimidados a isso, mas na maioria das vezes nem sabiam por que deveriam obedecer a tais ordens. A autoridade não esclarecida é como o olhar autoritário: intimida, mas não explica. Os professores precisam entender bem essa questão para poderem aplicá-la com suas crianças. Elas precisam aprender desde cedo que não estão abandonadas, que não estão à mercê de suas próprias decisões e que cada uma delas refletem diretamente na vida de seus pares. As regras básicas de convivência, os chamados “combinados”, continuam sendo importantes, elas precisam desses princípios orientadores.

Outra oportunidade de formação cultural são as experiências que são oportunizadas às crianças no ambiente escolar. A sociedade contemporânea valoriza o que é imediato, o que já está pronto, o que já foi experimentado para que não percamos tempo. Segundo Adorno (2010b, p.148) “O defeito mais grave com que nos defrontamos atualmente consiste em que os homens não são mais aptos à experiência” e essa situação também diz respeito à educação que tem sido conduzida nesse sentido. As crianças passam um grande período do dia na escola – algumas até dez horas diárias, no caso de estarem matriculadas no período integral – e esse período precisa ser formativo e rico em experiências. Isso proporciona a oportunidade de desenvolverem, dentre outras coisas a criatividade, tão descartada atualmente devido às coisas pré-estabelecidas e na primeira infância isso é essencial para elas.

Nessa fase da vida podem experimentar, refazer, criar e recriar e dessa forma vão desenvolvendo a individualidade. É necessário refletir sobre a forma que as crianças têm vivenciado a sua infância no ambiente escolar: o que tem sido oferecido a elas em relação ao desenvolvimento dos princípios estéticos inerentes a essa fase da vida: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão? É através das oportunidades que lhes são oferecidas que elas passam a ter condição de, não somente se inserir na cultura, mas também de produzir cultura. As crianças atualmente têm poucas oportunidades de desenvolverem a criatividade, de experimentarem coisas novas; como as famílias dispõem de pouco tempo para dispensar a elas, a escola se torna, possivelmente, um dos únicos espaços para promover essas situações.

A escola precisa pensar nas necessidades da criança, em suas especificidades enquanto seres em desenvolvimento e promover reais condições para que isso aconteça, ampliando assim as possibilidades de aprendizado e de formação permitindo o acesso aos bens artísticos e culturais através das múltiplas linguagens. Um exemplo disso são as formas de brincar, hoje as crianças desde cedo têm acesso à brinquedos eletrônicos que já indicam o caminho que será percorrido, dando pouco espaço para a imaginação. A escola precisa oferecer outros tipos de jogos e brincadeiras, principalmente, os que são parte da cultura regional a que estão inseridas, brincadeiras de roda, faz de conta e tantas outras que resgatem a tradição, pois a tendência é que essas formas de brincar sejam esquecidas.

É necessário ainda oferecer um trabalho de artes que apresente várias formas de manifestação de outros artistas, como a música, filmes, esportes e tantas outras oportunidades em que poderá ser feito um trabalho de conhecimento e apreciação em diversas áreas, mas que também incentive a criação artística das crianças. Através das experiências primárias, àquelas que nos marcam profundamente, as crianças vão compondo um repertório e registrando memórias de suas vidas, que serão elaboradas e experienciadas por elas próprias, participando ativamente como protagonistas do processo de construção de sua história e não atuando apenas como meros espectadores.

71