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652013) A partir desse ano todas as crianças, nessa idade, deverão estar matriculadas na

educação infantil, que tem o compromisso de proporcionar o desenvolvimento integral complementando a ação da família e da comunidade. Para isso, a escola e os professores devem estar bem preparados para recebê-las e para cumprir o seu compromisso de cuidar e educar.

Quando estudamos e/ou trabalhamos com a infância, precisamos fazer alguns

questionamentos: Quem são as crianças da sociedade contemporânea? Como são vistas? Em que situações elas se desenvolvem? O que a escola oferece para elas? Elas também produzem cultura? A concepção de criança na contemporaneidade é muito diversa e contraditória. Muitos ainda pensam que as crianças são adultos em miniatura, que apenas são capazes de reproduzir costumes e ações, que observam através dos exemplos e que não têm

condições de produzir cultura, mas apenas de reproduzir a cultura que lhes é apresentado. Outros acreditam que elas são um vir a ser cidadãs do futuro. Nessa visão, o período da infância é apenas uma preparação para a atuação futura, suas experiências nessa fase são pouco consideradas, assim como os seus direitos como pessoa civil, estando submetidas inquestionavelmente às decisões dos adultos que são vistos como “seres superiores”. Há ainda os que nem pensam sobre esse assunto, pois desconsideram sua participação na sociedade, agem como se esse período da vida não tivesse nenhuma importância ou significado para elas, como se a vida começasse a partir dessa fase.

Em todos esses múltiplos olhares as especificidades infantis não são reconhecidas e muito menos respeitadas e assim o desenvolvimento pleno, nessa fase, fica comprometido. As crianças são sujeitos históricos dentro da sociedade, elas não vivem alienadas ao meio social. Elas estão imersas na cultura, interagem com a realidade, são parte integrante do meio social e através das oportunidades que lhe são oferecidas, podem se apropriar dos elementos e produzir cultura. Brasil (2009) definem a concepção de criança como:

Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.

Quando falamos em formação cultural vemos que é algo bastante complexo que inclui não somente o conhecimento propriamente dito, ou seja, o que chamamos de cognitivo, mas também todos os hábitos e aptidões adquiridos pelo ser humano em todas as esferas da qual faz parte. Os profissionais da educação precisam conhecer essas questões e esse ensaio tem o propósito de analisar como a escola pode assumir um compromisso de contribuir com a formação cultural das crianças analisando os limites e as possibilidades para que ofereça reais condições de educação e emancipação. Adorno (2010a) se preocupa muito com a formação cultural, afirmando que a primeira infância é uma fase da vida oportuna para desenvolvê-la e é nesse autor que buscamos embasamento teórico para discorrer sobre essas questões.

Um dos primeiros limites que se apresenta é a falta de formação cultural dos

professores que atuam com essa faixa etária, justamente aqueles que vão participar de um período tão importante na vida das crianças apresentam um déficit nessa área. Adorno (2010a) relata a experiência de ser avaliador da prova geral de filosofia, dos concursos para

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a docência em ciências nas escolas superiores do estado de Hessen (Alemanha), concluindo que os professores possuem carências nessa área e afirma que “seria melhor que quem tem deficiências a este respeito, não se dedicasse a ensinar” (Adorno, 2010a, p.64).

Embora seja em contextos diferentes, acreditamos que hoje é possível fazer uma relação e ampliar as observações feitas por ele aos professores contemporâneos, que trabalham com a primeira infância, porque muitos dos argumentos utilizados são comuns podendo ser aplicados à nossa realidade. Gostaríamos de destacar alguns: boa vontade e respeito, visto que muitos professores acreditam que, tendo apenas essas características, poderão ser contratados para lecionar e ainda usam frases do tipo “para trabalhar com crianças tem que gostar e ter boa vontade”, que são comumente repetidas, mas no qual devemos refletir, pois além do voluntarismo há que se ter densidade teórica e exercer com intencionalidade a ação pedagógica.

Assim como Adorno (2010a), acreditamos que essas características devem ser inerentes aos seres humanos e não somente pré-requisitos para quem trabalha com essa faixa etária. Existem também aqueles que não encaram a docência como uma profissão, mas como um sacerdócio, porém é necessário uma formação pedagógica para que tenham as mínimas condições teórico-metodológicas para exercerem a sua função e, não somente, devem gostar do que fazem, mas devem estar aptos para fazê-lo. Uma outra questão bastante relevante é o domínio da linguagem oral e escrita. É notório que, na maioria das vezes, a formação dos indivíduos se mostra falha, no tocante ao aprendizado da língua portuguesa. Muitos professores apresentam dificuldades em se comunicar de forma clara, tanto na fala

quanto na escrita, articulando conceitos e concepções sobre assuntos diversos, talvez pelo déficit em sua formação. O conhecimento dos fatos que possuem parece muito superficial, o que não lhes dá condição de discorrer sobre assuntos relacionando-os com o contexto histórico. A falta de leitura minimiza a capacidade refletiva e restringe os conhecimentos científicos e literários, o que pode repercutir sobre a escrita que se torna falha e isso se torna muitas vezes motivo de constrangimento na escola, pois grande parte dos docentes apresenta muitos erros ortográficos. Demonstram isso no preenchimento dos diários de classe, nas documentações escolares, nos bilhetes enviados aos familiares e/ou responsáveis e, principalmente, quando precisam fazer uma avaliação descritiva da criança, na qual não deve se utilizar tópicos, mas deve-se trazer na redação de um texto a descrição detalhada de características do desenvolvimento da criança, que em sua estrutura contenha coesão e coerência, além da utilização adequada das normas de ortografia.

Outro argumento é a coisificação da consciência, que se manifesta quando perdemos a capacidade crítica e nos tornamos iguais às coisas passando a tratar os outros também como coisas, principalmente em relação às crianças, que, geralmente, já são consideradas pessoas com menos importância. A preocupação com o outro deixa de existir e os professores passam a organizar a rotina diária de forma a não priorizar as necessidades das crianças, não se importando com elas. Reproduzem as mesmas práticas utilizadas há anos e não veem a necessidade de mudanças. As crianças passam a ser tratadas como se estivessem numa fábrica, numa linha de produção – para tudo tem hora estipulada de forma inflexível: hora do brinquedo, hora da história, hora do pátio, hora do lanche, do almoço, do sono, do banho, do jantar e de ir embora... e no outro dia começa tudo novamente de forma mecânica pois a tendência é seguir sempre por caminhos já consolidados.

Como diz Adorno (2010a), o nexo entre o objeto e a reflexão foi rompido. As ações são repetidas sem avaliação sobre o que é bom e o que não é para a criança, sobre o que faz

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