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A formação continuada de educadoras e educadores – além da formação inicial – sempre constituiu pauta de minhas inserções na educação. Esse compromisso incluiu também as problematizações das relações de gênero e sexualidades. A articulação com profissionais de cidades do sul de Minas Gerais – quase trinta cidades da região – nos espaços constituídos cooperativamente do Fórum Sul Mineiro de Educação Infantil ampliou a possibilidade de produção de conhecimento. O vínculo, a confiança e o respeito mútuo que se construíram entre o Departamento de Educação da Universidade Federal de Lavras e as profissionais integrantes do Fórum potencializaram a realização de vários projetos. Especialmente, neste texto, apresentarei os que se referem à temática de gênero e sexualidade e que tiveram início no ano de 2004. Ora, o Fórum foi implementado em 1999. Por questões de liderança, dois anos ficaram sem as reuniões regulares. Retomou-se em 2001 sua

organização e, assim, três anos depois havia um espaço fértil para os projetos com a temática em tela.

O primeiro deles – aprovado consecutivamente em 2004, 2005 e 2006 – atendendo a editais do Ministério da Educação/MEC, Secretaria de Educação Superior/SESU, Departamento de Modernização e Programas de Educação Superior – DEPEM – e o programa de apoio à extensão universitária voltado às políticas públicas – PROEXT - intitulou-se Construindo práticas a partir dos compromissos com a defesa dos direitos sexuais

de crianças e adolescentes no combate ao abuso e exploração sexual.

Nos anos de 2007 e 2008 os projetos foram aprovados atendendo a editais da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade do Ministério da Educação – SECAD/ MEC com o título: Educação Inclusiva: tecendo gênero e diversidade sexual nas redes e

proteção.

Em 2009, para execução em 2010, também foi aprovado pela SECAD/MEC o

projeto intitulado: Tecendo gênero e diversidade sexual nos currículos da educação infantil. Os estudos do livro, produzido com o mesmo título, até hoje é realizado por grupos de educadoras e educadores nas cidades da região.

E finalmente, em 2014 para execução em 2015/2016 a aprovação, com nota máxima, do projeto Borbulhando enfrentamentos às violências sexuais nas infâncias no sul de Minas

Gerais também atendendo a edital do PROEXT/MEC.

Esses projetos contemplaram, em suas equipes, as profissionais da Educação Infantil nos processos de formação continuada, discentes das licenciaturas em processos educativos na formação inicial e discentes da pós-graduação. Um fio condutor importante e imprescindível foi o de gerar livros, artigos, produção de materiais que objetivavam justamente veicular nossa luta contra as concepções de criança inocente e assexuada interferindo para não reduzir a infância “àquilo que os nossos saberes podem objetivar e abarcar e àquilo que nossas

práticas podem submeter, dominar e produzir” (Larrosa, 1999, p. 194).

39Professora Titular do Departamento de Educação da Universidade Federal de Lavras. Líder do Grupo de Pesquisa: Relações entre

a filosofia e educação para a sexualidade na contemporaneidade: a problemática da formação docente. Fundadora do Fórum Sul Mineiro de Educação Infantil.

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O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, Brasil (1998) nos respalda para veicular os estudos das temáticas de gênero e sexualidade:

a sexualidade tem grande importância no desenvolvimento e na vida psíquica das pessoas, pois independentemente da potencialidade reprodutiva, relaciona-se com o prazer, necessidade fundamental dos seres humanos [...] seu desenvolvimento é fortemente

marcado pela cultura e pela história [...] a marca da cultura faz-se presente desde cedo no desenvolvimento da sexualidade infantil, por exemplo, na maneira como os adultos reagem aos primeiros movimentos exploratórios que as crianças fazem em seu corpo. (Brasil, 1998, p. 17)

Mesmo antes da participação nos encontros do Fórum Mineiro – foi aí que iniciei minha inserção no movimento – já produzia conhecimento nas temáticas de gênero e sexualidade. Em 1992, defendi a dissertação de mestrado com a pesquisa “A fala da criança sobre sexualidade humana – o dito, o explícito e o oculto” (Ribeiro, 1995; 1996). Outro livro, muito estudado nos encontros do Fórum Sul Mineiro de Educação Infantil, intitula-se “Sexualidade(s) e infância(s): a sexualidade como tema transversal”, escrito com Ana Maria Faciolli de Camargo, em 1999 (Camargo; Ribeiro, 1999). Alguns conceitos importantes para a concepção de sexualidades e infâncias são veiculados nesse livro, a saber: 1. A infância foi

concebida e tratada de diferentes maneiras em diferentes momentos e lugares da história da humanidade; 2. São tantas as infâncias quantas forem as ideias, práticas, discursos que se organizam “em torno” e “sobre” ela. Mas, por que “sobre” ela? Porque como objeto de estudo tem sido o adulto que estuda, organiza e decide por ela. 3. Larrosa (1999, p. 185) diz que a presença enigmática da infância “inquieta a soberba da nossa vontade de saber [...] a arrogância da nossa vontade de poder [...] e a presunção de nossa vontade de abarcá- la”; 4. A sexualidade é um dispositivo histórico (Foucault, 1988); 5. As relações de gênero. (Louro, 2000).

Na elaboração dos projetos em tela, algumas perguntas fizeram-se presentes: com que intencionalidade educadores e educadoras, que atuam nas instituições de Educação Infantil, elaboram as atividades a serem desenvolvidas com as crianças, para fazerem emergir

suas vozes sobre gênero e sexualidade? Quais atividades realizar para penetrar em temas tão delicados que esbarram nas fronteiras da intimidade? Que estudos aprofundar para subsidiar o cotidiano nas instituições de Educação Infantil? Que metodologias propor para suscitar a participação ativa das pessoas integrantes dos projetos, para mobilizá-las a pensar diferentemente?

Cada projeto teve sua especificidade, mas todos eles, até a presente data, operaram com as ferramentas advindas do referencial teórico pós-estruturalista40, que desafia ultrapassar

limites impostos pelo mundo e aguçar o olhar para as relações entre poder-saber-verdade; significa assumir que teoria e política são indissociáveis e requerem navegar entre tensões, contradições e hesitações e engavetar as generalizações, as ideias prontas, as dicotomias,

40A teorização pós-estruturalista mantém a ênfase estruturalista nos processos linguísticos e discursivos, mas também desloca

a preocupação estruturalista com estruturas e processos fixos e rígidos de significação. Para a teorização pós-estruturalista, o processo de significação é incerto, indeterminado e estável (...) citam-se, frequentemente, Michel Foucault, Jacques Derrida e Gilles Deleuze como sendo teóricos pós estruturalistas (Silva, Tomaz Tadeu. Teoria cultural e educação. Um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica. 2000).

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