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Barcelona

No documento Livros Grátis (páginas 184-195)

21 entre racionalidade e empirismo, elementos que conferiram às

C. Barcelona

Durante a segunda metade dos anos 90, Canary Warf apresentava um aspecto desolador – escritórios desocupados, estações de trem e estacionamentos completamente vazios. A ocupação da torre de Pelli era de apenas 1/3, apesar da London Transport, corporação controladora do transporte de massa da capital inglesa, ter sido obrigada a se mudar para lá. Era mais uma das crises sazonais do nervoso capitalismo contemporâneo, que hoje já se encontra novamente vivendo melhores dias, afinal a torre de Pelli já apresenta 4/5 de sua área totalmente ocupada. Apenas uma dimensão permanece inalterada, Londres continua sendo uma das capitais do primeiro mundo com maior número de sem teto. Em 1991 atingiam a espantosa cifra de 75 mil pessoas. E, assustadoramente entre os anos de 1985-86 em meio a plena expansão econômica do big bang estimativas informavam que 1,8 milhão de pessoas se mantinham abaixo da linha da pobreza, duas vezes mais que na década indústrial de 60.

com o mestre, o Plan Macia, que não foi impelementado devido à eclosão da guerra civil. Enfim, Barcelona possui uma cultura arquitetônica e urbanística invejável, não só teórica mas também materializada espacialmente, sobretudo no período que se estende de meados do século XIX até os nossos dias.

Ao final da década de 80 do século XX, a cidade reconstruiu um vigoroso pensamento arquitetônico e urbanístico, sintonizado internacionalmente com a revisão do modernismo, mas também articulado, na Espanha, com a derrubada do franquismo e com a redemocratização do país, bem como com a chegada ao poder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) no governo central e em Barcelona. Esse pensamento marcou profundamente algumas administrações municipais pelo mundo afora e, após as Olimpíadas de 1992, espalhou consultores catalães por toda a parte, vendendo uma forma de fazer cidade auto-denominada “modelo Barcelona”268.

268O sistema de pensamento e de produção de arquitetura na Espanha possui um arranjo institucional invejável, garantindo aos arquitetos espanhóis uma remuneração proporcional às responsabilidades de se pensar uma obra. Esse arranjo, que produziu nos últimos anos um invejável corpo teórico, é capaz de veicular suas idéias na grande mídia. Apesar disso tudo, a construção da cidade genérica no país continua sendo uma produção medíocre. Para maiores informações e considerações a esse respeito, ver Capítulo 4.

O modelo Barcelona, a despeito da sua inegável capacidade de penetrar nas mais diversas culturas contemporâneas, não deixou de ser alvo de críticas do pensamento urbano brasileiro269. Segundo eles, o modelo Barcelona consiste num planejamento dissimulado de classe, que espetaculariza o conceito de planejamento desenvolvido, tendendo ou para uma competição estratégica da imagem da cidade, que pretende apenas atrair investimentos globais, ou ainda para uma construção forçada de consensos artificiais, nos quais existem grandes diversidades. Concordamos em parte com essas posições, e, ao fazê-lo, nossa intenção é apenas percorrer a construção do pensamento catalão, qualificando-o como um pensamento operativo. Isto é, trata-se de um pensamento construído não a partir de um distanciamento teórico, mas no calor da responsabilidade de administrar uma cidade de 1,6 milhão de habitantes, tamanho razoável para os padrões europeus. Este dado parece-me fundamental para compreender as suas propostas e ajuda a entender porque essa teoria disseminou-se tão amplamente pelo mundo.

269 Referimo-nos sobretudo ao livro A cidade do pensamento único: desmanchando consensos, já mencionado aqui, de autoria de Otília Arantes, Carlos Vainer e Ermínia Maricato (a primeira e a terceira da USP e o segundo do IPPUR-UFRJ), lançado pela Vozes em 2000. A obra critica abertamente o modelo Barcelona.

O reconhecimento dessa experiência como um modelo de gestão urbana no meio dos arquitetos pode ser comprovado pela série de premiações que o modelo Barcelona recebeu. Em 1987, foi contemplado com o prêmio American Harvard de bom desenho. Dez anos depois, o Banco Mundial contratou os catalães Jordi Borja e

Manuel Castells para elaborar o documento preparatório da Conferência Mundial do Habitat II, realizada em Istambul, o que conferia ao modelo Barcelona o status de política oficial de uma agência de financiamento mundial. Em 1999, foi agraciado com a Medalha de Ouro pelo Royal Institute of British Architects (RIBA), que pela primeira vez concedeu essa premiação, dada tradicionalmente a arquitetos, a uma cidade.

O que Barcelona parece demonstrar de maneira exemplar, apesar de seus problemas, é que ela representa o escancaramento de um equilíbrio bastante difícil entre a economia local e a globalizada. Por outro lado, a cultura arquitetônica instalada na cidade parece indicar que foi tentado um difícil equilíbrio entre expressão pessoal urbana e arquitetônica e anseios gerais da cidade, assim sintetizado por Toni Negri: “...a construção do público só pode ser concebida como produção de subjetividade”.270

Em 1980, a Espanha vivia um processo particularmente rico.

Conseguira se libertar do franquismo, iniciava sua adesão à Comunidade Européia e elegia, tanto para governos locais, como para o governo central um partido de esquerda democrática, o

270NEGRI, Toni. Exílio seguido de valor e afeto. São Paulo: Iluminuras, 2001, p. 34.

Barcelona riqueza do patrimônio construído e do pensamento arquitetônico e urbanístico

PSOE. Barcelona é a capital da Catalunha, uma das cinco nacionalidades que compõem a Espanha271. Capital da região autônoma da Catalunha, e contando com uma população de 1,6 milhão de habitantes na área do Ayuntamiento e de três milhões em sua área metropolitana, Barcelona construiu uma personalidade particular ao longo da história da Espanha.

A cidade abrigou no século XX um vigoroso movimento operário e durante a guerra civil chegou a ter um governo anarquista, tendo sido uma das últimas nacionalidades a se render ao golpe do general Francisco Franco. Durante grande parte da ditadura franquista, as manifestações de afirmação dessa nacionalidade – como o uso do idioma catalão e a expressão de manifestações culturais272 típicas do catalanismo – foram reprimidas, e Barcelona foi olhada durante todo o franquismo com profunda desconfiança pelo governo central. O próprio modernismo catalão sempre se utilizou de figuras que reforçavam sua identidade frente à Espanha273.

271 As nacionalidades correspondem às regiões da Andaluzia, Catalunha, País Basco, Galícia e Castela. Ver VALENTÍ, J. Vilá. Geografia de España. Barcelona:

Danae AS, 1972.

272 HUGHES, Robert. Barcelona (tradução de Denise Bottman). São Paulo:

Companhia das Letras, 1995.

273 Uma visita a qualquer um dos monumentos de Gaudí, o Palau Guel, por exemplo, mostra como ele manipulava símbolos caros à nacionalidade catalã.

Além dessa forte consciência de lugar e de identidade274, Barcelona encarnava - juntamente com Bilbao, principal cidade basca - a condição de pólo indústrial da Espanha, contrapondo-se a Madri, que sempre desempenhou as funções de capital e corte burocrática, e às outras nacionalidades economicamente menos desenvolvidas, como Andaluzia e Galícia. Além disso, em Barcelona sempre houve um forte movimento de associações de bairro, que desempenharam um papel-chave durante a redemocratização do país, sobretudo entre os anos de 1976 e 1979. A Federación de Asociaciones de Vecinos de Barcelona (FAVB) participou intensamente do Plano Geral Metropolitano (PGM), elaborado em 1976, antes da chegada dos socialistas ao poder. O PGM consistia em “um plano de ordenamento de atividades e usos na cidade de Barcelona, o qual também determinava suas áreas de expansão...”275. Tratava-se, portanto, de um típico exemplar do que chamamos de Plano Diretor, com suas determinações definidas para direcionar o crescimento da cidade na longa duração.

274Das cinco nacionalidades espanholas, três estruturam-se em torno de um idioma particular: o catalão, na região de Barcelona; o euskeria, no País Basco; e o galego, na Galícia. Na Andaluzia e em Castela fala-se o espanhol, embora na Andaluzia seja sempre destacada a presença da cultura árabe e cigana.

275 SANCHES, Fernanda. A reinvenção das cidades para um mercado mundial.

Chapecó: Unochapecó, 2003.

Nessa mesma época, na cultura arquitetônica e urbana daquilo que vem sendo chamado de concerto das cidades européias – afinal, com a unificação européia o sistema urbano passa a operar dentro de uma certa complementariedade como uma orquestra –, as experiências de Paris com as grandes obras, de Berlim, ainda não unificada, mais voltada para a construção de habitações comandada pelo IBA (Institut fur Baustellung) e de Londres com a requalificação das Docklands, descritas acima, mereciam grande espaço na mídia especializada, como exemplos de políticas públicas. Todas elas, na verdade, pretendiam expressar uma maneira européia de fazer cidades, na qual se reafirmava, de forma veemente, a polifuncionalidade, buscando associar habitação e contínuos de serviços.

Em Paris, vivia-se o esforço de reconstruir o cenário de hegemonia cultural do início do século XX, perdido com o pós-guerra para os EUA e para Nova York, com a política dos grandes empreendimentos de Miterrand. Como afirmou Jack Lang, ministro da Cultura do governo socialista de Miterrand “a cultura é nosso petróleo”. As intervenções parisienses partiram do Centro Cultural Georges Pompidou, o Beaubourg, ainda no governo de Giscard D’Estant, e ganharam terreno com as iniciativas tomadas pelo

presidente François Mitterrand, como a Gare d’Orsay, a reforma do museu do Louvre, a Cidade da Música etc., todas na área da cultura.

Em Berlim, com a cidade ainda dividida pelo muro, promovia-se uma grande intervenção, que visava enfrentar um velho problema – o domínio noturno da marginalidade de partes da cidade. A política berlinesa, ao contrário da parisiense de grandes empreendimentos, consistiu na implantação de um contínuo habitacional em trechos dominados por parques, para combater a subutilização destas áreas da cidade. A teoria pregava que a habitação promovia um uso da cidade longe da sazonalidade de horário dos equipamentos para o trabalho, intensificando o controle da esfera privada sobre a pública.

Em Londres, o governo de Margareth Thatcher, como já apresentado, desenvolvia, numa área de antigos armazéns do porto, os Docklands, uma intervenção espetacular, que ampliava a área de escritórios associada à habitação, voltada claramente para o público yuppie da City londrina. Havia também a experiência já mencionada de Bolonha na Itália, que, por seu caráter específico de sítio preservado, era sempre encarada como uma experiência restrita e não generalizável.

No cenário mais amplo, o mundo vivia, tanto no planos políticos e econômicos quanto no ideológico, a era Reagan-Thatcher. O sistema de produção fordista e keynesiano, que imperara desde o imediato pós-guerra, dava mostras de fraqueza, sendo substituído por formas que buscavam a desregulamentação total do capital. O mundo, diante do fracasso eminente do socialismo real, preparava-se para a prepreparava-sença unipolar de só uma potência, os Estados Unidos, que já pressionava o mundo em favor do desmonte do sistema de proteção social. A implementação de atividades ou operações às margens dos sistemas de tributação, pelo desenvolvimento de técnicas de comunicação, possibilitou que capitalistas endinheirados tivessem uma diversidade muito maior de aplicações desregulamentadas e até ilegais. O desenvolvimento das tecnologias de comunicação impulsionam os ganhos do capital financeiro no mundo, que passa a ser hegemônico e possuir uma volatilidade jamais observada. David Harvey lembra que

Sempre houve (...) um equilíbrio delicado entre os poderes financeiros e estatais no capitalismo, mas a desarticulação do fordismo-keynesianismo significou uma evidente guinada para

um aumento de poder do capital financeiro frente ao estado nacional276.

Diante desses acontecimentos, o mundo começa a enfrentar crises sucessivas. As novas tecnologias de informação e a revolução da informática produziram um impacto inusitado na produção, na organização das indústrias, comercialização dos produtos, mas principalmente na velocidade de investimentos em bolsas, que pulam de um canto para outro, sem qualquer vinculação com os reais investimentos realizados pelas grandes corporações. As transferências de capital tornaram-se quase que instantâneas, podendo empobrecer de um dia para o outro regiões inteiras, drenando o trabalho mais real acumulado por anos.

O fato é que em 1979, o primeiro governo do Ayuntamiento de Barcelona eleito democraticamente após o general Franco foi o de Narcís Serra, membro do PSOE. Com a eleição, em 1982, de Felipe Gonzalez, também filiado ao Partido Socialista, para o governo central Serra deixa a administração municipal para assumir um cargo administrativo em Madri, sendo substituído por Pasqual Maragal. Desde as primeiras administrações do PSOE, o

276ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, p. 3, citando HARVEY, David. A condição pós moderna. São Paulo: Loyola, 1998.

Ayuntamiento de Barcelona investe na promoção do patriotismo catalão, na implantação de pequenas intervenções, que se restringem ao espaço público e na conquista do evento internacional da Olimpíada. No início, a presença da forte Federación de Asociaciones de Vecinos de Barcelona desempenha papel fundamental na definição das prioridades e na escolha das intervenções:

A prioridade de atuar sobre os sitemas locais e a consideração de que o melhor estruturador destes sistemas era precisamente a atuação sobre o espaço público, ruas, praças e jardins. Por outro lado, esta ação urbanística, extensiva e progressiva, permitia abordar um dos principais objetivos do governo municipal: o reequilíbrio entre centros e periferias, a fim de levar a urbanidade à cidade desvertebrada e insubstantiva construída nos anos 60.277

Segundo Pasqual Maragal, a política do PSOE para Barcelona pretendia inicialmentereequilibrar a cidade dividida. Ele destacava a importância da virada política que significava a chegada dos socialistas ao poder:

Precisávamos devolver o orgulho a uma cidade que parecia derrotada e que havia passado por muitos anos de especulação, falta de investimentos e negligência... dando

277ACEBILLO, 1992 citado por SANCHES, Fernanda, op. cit., p. 225.

qualidade à periferia e fazendo com que bairros fossem definitivamente cidade.278

Em 1986, Barcelona foi selecionada para sediar os Jogos Olímpicos de 1992 (o fato do espanhol – e catalão - Juan Antonio Samaranch ser presidente do Comitê Olímpico Internacional presidente do COI, desempenhou papel fundamental nessa escolha). Com a conquista da condição de cidade olímpica, surge a necessidade de cumprir uma agenda de obras, que muitas vezes não se adequa ao ritmo da participação pulverizada. Desenvolve-se um falso antagonismo, talvez determinado pela escassez de recursos, entre intervenções pulverizadas, que atendem às demandas da FAVB, e as construções olímpicas.

Inicia-se um processo de distanciamento entre as FAVB e o governo do Ayuntamiento, atestado por uma série de ações judiciais, que grupos de vizinhos ou determinados bairros moveram contra os projetos oficiais. A balança parecia definitivamente pender para as grandes intervenções, que garantiam grande visibilidade internacional, ao mesmo tempo em que o governo começava a adotar a estratégia de imputar aos líderes comunitários o papel de ressentidos e de sabotadores de um futuro grandioso que as

278 MARAGALL,1994 citado em SANCHES, Fernanda, op. cit., p. 226.]

Olimpíadas prometiam. Esses conflitos, que certamente ocorreram, não chegaram, porém, aos meios de comunicação, às telas da TV, e portanto, em nossa sociedade do espetáculo279, efetivamente não aconteceram.

As mudanças sofridas pela cidade para abrigar os Jogos Olímpicos alteraram profundamente sua face, transformando-a de uma cidade indústrial decadente, com um patrimônio invejável do primeiro modernismo, num vigoroso pólo de turismo e de serviços. Arquitetos do star sistem internacional foram convocados para projetos pontuais.

De maneira geral, as intervenções em Barcelona atingiram mais intensamente quatro pontos da cidade: o morro de Monjuic, que recebeu as instalações para multidões como o estádio e o ginásio, e mais a torre de TV e a emblemática reconstrução do Pavilhão de Mies Van Der Rohe; o antigo Bairro Gótico, palco de uma série de intervenções pontuais de desenho urbano, que, de forma geral, pretendiam diminuir sua densidade populacional, abrindo áreas de lazer; o porto antigo ou Port Vell, na frente marítma do Bairro Gótico, que passou a abrigar restaurantes, comodidades turísticas e o novo

279 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo (tradução de Estela dos Santos Abreu). Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

aquário da cidade; e o bairro Nova Icária, instalado em Poble Neau, ao norte da Barceloneta, no qual teve lugar o maior contínuo de transformações, que consistiram essencialmente na remoção das antigas instalações portuárias e industriais, e na instalação da nova Vila Olímpica, um empreendimento imobiliário que, no primeiro momento, alojou os atletas e que, após o evento, transformou-se em bairro. Tanto o Port Vell quanto Nova Icária pretendiam estabelecer uma nova relação entre Barcelona e o mar, transformando a cidade num balneário de praia.

Além dessas intervenções, foi construído o anel de circulação da cidade, que, em Nova Icária, adotou a solução tipo parkway num nível rebaixado, de forma a não impedir o relacionamento do novo bairro com o mar. Novas linhas de metrô foram abertas e promoveu-se o enterramento das linhas de trens intermunicipais que chegam na cidade ao sul, na Gare de Francia, e ao norte, na Gare de Sans.

A conceituação desenvolvida pelos catalães, no seu nascimento e no calor da ação da administração municipal, envolvia um forte pragmatismo – adequando-se a uma arrecadação mais modesta do que as registradas nos exemplos alemão, francês e inglês –, uma tradição de participação dos movimentos de bairro da cidade e uma vontade de mostrar que uma administração de esquerda poderia

transformar a cidade tão espetacularmente quanto Berlim, Paris e Londres. Os Jogos Olímpicos de 1992 representou um marco que determinou o isolamento de um pensamento reformista para Barcelona, transformando-o numa operação de reinserção internacional da cidade, comandada pelo capital especulativo. A estreiteza de alguns movimentos comunitários talvez não permita a compreensão da complexidade das articulações internacionais envolvidas nas operações urbanas. De um modo geral, essa conceituação envolvia os seguintes aspectos:

• a limitação do espaço de intervenção urbana ao espaço da rua ou da praça, ao plano público efetivo, de testada a testada da esfera privada (i.e., visava limitar os gastos públicos, tornando as intervenções de requalificação mais acessíveis a uma cidade com uma economia mais frágil que Paris, Berlim ou Londres);

• a teoria da metástase positiva, ou do urbanismo de acumpuntura, pretendia atuar a partir do primeiro aspecto, da dimensão pública da cidade, e cooptar outros agentes desta mesma economia, como pequenos empresários e empreendedores, impulsionando uma sinergia entre agentes;

• a afirmação do patriotismo catalão pretendia construir consensos entre diferentes agentes, reconstruindo uma noção meio abstrata de comunidade, de uma cidade única e coesa (essa visão foi reafirmada nas consultorias catalãs prestadas na América Latina, enfatizando, de maneira algo abstrata, a idéia de competição entre cidades e regiões);

• a auto-denominação como urbanismo de resultados, que pretendia abertamente se distanciar do planejamento de longa duração e que está profundamente articulado aos outros três aspectos; e

a idéia de competição entre nacionalidades dentro do sistema espanhol foi a maneira como a redemocratização enfrentou e até incentivou as diferenças, para evitar movimentos separatistas.

Após 1992, o Ayuntamiento de Barcelona procurou ansiosamente promover um outro evento de proporções internacionais, que garantisse à cidade uma visibilidade na mesma escala das Olimpíadas. Em 1996 foi decidido que a cidade abrigaria o Fórum Mundial de Culturas, um seminário de proporções gigantescas, a ser realizado em 2004, que promoveria a diversidade cultural do mundo atual. Numerosas intervenções urbanas foram então inauguradas ao

lado do bairro da Nova Icária, junto à foz do rio Bésos, requalificando um novo trecho de praia para a cidade. Uma arquitetura de acentuação mais abstrata, tendendo para os ensinamentos de Eisenman e Koolhaas, instalou-se na cidade, que, com a intervenção para os Jogos Olímpicos, havia sofrido a hegemonia culturalista. Ao final da Diagonal Mar, ergueu-se um megacentro de convenções, projeto da dupla holandesa Herzog e De Meuron, assumindo a centralidade do novo evento promovido pela municipalidade de Barcelona. A espetacularização do espaço urbano ganhava então uma dianteira explícita, destacada por Josep Bohigas:

Imaginemos um visitante que chega ao aeroporto de Barcelona em 2004 e que se dirige em um táxi ao Fórum. Em este trajeto de aproximadamente meia hora (aeroporto-Granvia-Diagonal) terá visto uma mostra de obras de reconhecidos arquitetos internacionais; Ricardo Bofill, Richard Rogers, Jean Nouvel, Toyo Ito, Alejandro Zaera, David Chipperfield, Zaha Hadid, MBM, Rafael Moneo, Dominique Perrault, Enric Mirales, Oscar Tuquets, MVRDV, Josep Lluis Mateo, Abalos & Herreros e Herzog e De Meuron. A imagem é idílica. Uma muralha de boa arquitetura que conduz a percepção da cidade atualizada. Mais bonita se cabe. Barcelona deve manter seu ego já que tanta beleza aparece e turva a vista de outras realidades simultâneas, que nem por ser menos visíveis são menos urgentes. Para isto deveríamos começar por relativizar os benefícios do turismo, por assumir o envelhecimento da população, por nos adaptar a crescente imigração, por resolver o problema da habitação, por ativar uma maior participação

cidadã...temas que tem um potencial de experimentação enorme e que deveriam afrontar-se com o mesmo mimo que os aeroportos, hotéis, museus, oficinas, teatros e centros de convenções. E isso, por desgraça, não acontece.280

Além da espetacularização da cidade, houve um claro abandono dos temas do cotidiano, o que denunciava um desequilíbrio abissal entre os benefícios recebidos pela comunidade e a sua globalização. Até mesmo ideólogos vinculados à gestão e à operacionalização do modelo Barcelona fizeram críticas ao processo, apontando que esse urbanismo tinha negado os interesses da cidadania e privilegiado o capital. Foi o caso de Jordi Borja, para quem “o urbanismo de promotores de negócios tende a suplantar o urbanismo cidadão e redistributivo que define o modelo barcelonês”281

Havia uma clara diferenciação entre os planos de Joan Busquet de meados dos anos 80, o plano de Borja Carrera de meados dos anos 90 e o plano de Joan Antonio Acebillo do final daquela década.

Enquanto o primeiro plano fazia uma interpretação e uma proposição clara e transparente da cidade, o segundo trabalhava com a idéia de

280BOHIGAS, Josep. “Murallas de Cristal”, La Vanguardia, Barcelona, 01/02/2004.

281 BORJA, Jordi. “Barcelona y su urbanismo. Exitos pasados, desafíos presentes, oportunidades futuras”. In MUXÍ, Zaida (org.). Urbanismo en el siglo XXI.

Barcelona: Edicions Universitat Politécnica de Catalunya, 2004, p. 177.

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