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Cristhopher Alexander - projeto e conflito

No documento Livros Grátis (páginas 123-127)

21 entre racionalidade e empirismo, elementos que conferiram às

C. Cristhopher Alexander - projeto e conflito

movimento, as séries temporais e os nomes e significados159, bem como a vitalidade, o sentido, a adequação, o acesso, o controle e a eficiência e justiça seguem operativos na contemporaneidade, tanto em projetos de macro escala, quanto nos de micro160. A importância das categorias de Lynch para a construção da auto-justificação das decisões de projeto é imensa, havendo em sua construção um impulso para permear o projeto de legitimação social.

Uma das críticas mais recorrentes ao estruturalismo dirige-se ao seu caráter não histórico, que reforçava uma inércia de forças estabelecidas, estruturadas e determinísticas frente à capacidade ou à habilidade das pessoas individuais históricas de atuar em determinadas situações ou de transformá-las. A dúvida que se instala, a partir da construção de Lynch, é se existe no esforço de leitura da estrutura uma vertente imobilista, que abria mão da mudança em troca da adaptação confortável. Outra vertente de questionamento, ainda mais contemporânea e denominada de pós- estruturalista, destaca e reforça o caráter ambíguo de toda linguagem, e não as suas propriedades cristalinas, como o estruturalismo da década de 60 se esforçava por fazer. De certa forma, a explosão do acesso à informação propiciada pela

159 Ver LYNCH, Kevin. A imagem da cidade, p. 117- 121.

160 LYNCH, Kevin, A boa forma da cidade, p. 119- 211.

informática representou uma mudança quantitativa de acesso a textos, possibilitando recortes aleatórios e arbitrários e transformando e confundindo a legibilidade cristalina.

A deconstrução de alguns desses pressupostos não elimina a habilidade e a aplicabilidade desses conceitos no campo do projeto, que ainda contaminam os dias de hoje e seguem operativos. A objetividade projetual segue precisando ser demonstrada não apenas pelos arquitetos, mas principalmente no terreno social, seja pela nova objetividade (modernista), pelo historicismo kahniano, ou pela psicologia social de Lynch.

de resolução formal contido no processo de projeto. A arbitrariedade e a subjetividade eram superadas pelo mapeamento preciso dos problemas a resolver.

O livro, lançado em 1966161, recebe a medalha de ouro em pesquisa do American Institut of Architects. Muito além da pretensão de retirar qualquer conteúdo autobiográfico do processo de projeto, o mérito deste primeiro livro de Alexander era explicitar que as premissas de projeto muitas vezes assumiam dimensões antagônicas:

Considere-se um exemplo simples de problema de desenho – a eleição dos materiais que se utilizarão na produção em série de qualquer objeto doméstico simples, como um aspirador. Os estudos sobre tempos e movimentos mostram que quanto menos diferentes sejam os tipos de materiais utilizados, mais eficaz será a linha de montagem. Por isso, impõe-se uma certa simplicidade na escolha dos materiais empregados. Essa necessidade de simplicidade opõe-se ao fato de que a forma funcionará melhor se escolhemos em separado o melhor material para cada uma das finalidades...162

161 ALEXANDER, Christopher. Notes on the Synthesis of Form. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1966. A obra foi traduzida para o espanhol em 1969 e lançada pela Ediciones Infinito, de Buenos Aires, com o título Ensayo sobre la síntesis de la forma. Todas as citações mencionadas aqui foram retiradas da edição em espanhol.

162ALEXANDER, Christopher, op. cit., p. 9.

Ficava claro que o processo de projeto muitas vezes transitava entre polaridades que não eram convergentes, que envolviam conflitos e, portanto, gradientes de importância para cada uma das premissas de desenho. Indo muito além da complexidade de um aspirador, Alexander refere-se ao projeto de instalação de uma comunidade humana de um milhão de pessoas, antepondo sempre premissas que representam conflitos:

O sistema de transportes não deve estar organizado de forma tal que crie uma demanda que agrave sua congestão. De algum modo é necessário que as pessoas possam viver em um estado de estreita colaboração e, não obstante, poder desenvolver a maior diversidade de interesses...163

Fica claro que o processo de projeto, como aliás todo o desenvolvimento social, não está baseado em consensos fáceis e mesmo possíveis, uma vez que o conflito, sempre latente, é que mantém a vitalidade da própria comunidade. Ao final do livro, num apêndice, Alexander apresenta um caso concreto de aplicabilidade do método, reunindo uma série de premissas de desenho, agrupadas por temas, às quais uma futura aldeia rural na Índia deveria apresentar respostas. Esses temas iam desde o problema de religião e casta, até a manipulação do gado e o fornecimento de

163 ALEXANDER, Christopher, op. cit., p. 11.

água, passando por forças sociais, totalizando 132 premissas, aglutinadas de forma variada. Cada uma delas conectava-se com outra. Por exemplo, a premissa 1 vinculava-se às premissas 8,9,12, 13, 14 etc. O gradiente de importância de cada uma dessas premissas era dado pela capacidade maior ou menor de se vincular a outras. A matriz utilizava-se de um sistema de computador para qualificar cada uma dessas premissas e seu grau de importância, cientificizando o processo de desenho164 .

O questionamento de Alexander em torno da problemática do projeto identificava uma crise manifesta no mundo ocidental, embora de maneira mais suave, desde o século XVIII, com Carlo Lodoli e Lauguier, com seus respectivos esforços para tornar transparente os complexos processos aí envolvidos. No século XX haviam se radicalizado, de maneira definitiva, os processos que pretendiam construir a autojustificação ou a justificação socialmente reconhecida das decisões projetuais, a partir do questionamento salutar de toda tradição e de todo passado histórico. O desenvolvimento do classicismo abstrato do Iluminismo em uma fuga para o historicismo mecânico e simplificador deturpou a pretensão desses teóricos em transformar o processo de projeto, conferindo-lhe maior

164 Ver a esse respeito, neste mesmo trabalho, 3.1.4 Elvan Silva - Classicismo e projeto.

transparência. Pode-se mesmo considerar que os esforços empreendidos por um grande número de arquitetos na modernidade, desde Brunelleschi, visavam exatamente transformar esse processo num procedimento orgânico dentro do corpo social.

A emergência do ser consciente, o próprio sujeito cognoscente moderno165, ciente de suas ações e pronto a explicitá-las a seus pares, era uma pretensão humanística instalada desde o Renascimento. Essa pretensão de autonomia do sujeito foi profundamente questionada por uma crítica vigorosa da racionalidade presente em Friedrich Nietzsche e Arthur Shopenhauer, que colocou em cheque sua vinculação com a realidade. A construção ideológica de Alexander, pelo menos neste primeiro momento, busca gestar um positivismo matemático que construísse um valor objetivo a uma manipulação contaminada pela subjetividade. De certa forma, essa pretensão podia ser confundida com uma radicalização do funcionalismo modernista, dando-lhe um lastro científico e matemático, embasado na teoria dos sistemas e na linguagem binária dos computadores.

165Pretensão renascentista que enxergava o homem como força aglutinadora da transformação de sua própria realidade. Ver, a esse respeito, BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Quid Tum, o conflito da arte em Alberti. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003.

Em seus passos subseqüentes – Oregon Experience, A pattern language: towns, buildings, construction, obra da qual foi um dos autores, e A timeless way of building166. Alexander abre mão dessa pretensão matemática e positivista, abraçando cada vez mais a história e a tradição do construir. Esses livros – que criticam o fazer moderno, optando por um empiricismo radical – alicerçam cada vez mais o processo de projeto na estratificação de uma cultura do construir. Com Alexander, permanecemos, de certo modo, dentro do problema colocado por Lynch – uma forma estruturada ou estruturadora do construir é sintonizada com o tempo presente, no qual o impulso da modernidade destruidor da tradição está instalado.

Os procedimentos de projeto na ideologia de Alexander consideram a empiria, cada vez mais, como única saída ao incremento da dimensão participativa do usuário. Essa participação ancorava-se solidamente no conceito de patterns (padrões), premissas de desenho socialmente compartilhadas e acordadas entre diferentes agentes e contextos e que se aproximam conceitualmente da idéia

166 Oregon Experience. Nova York: Oxford University Press, 1975; A pattern language: towns, buildings, construction. Londres: Oxford University Press, 1977; e A timeless way of building. Nova York: Oxford University Press, 1979. A primeira e a terceira obras foram traduzidas para o espanhol: Urbanismo y participación: el caso de la Universidad de Oregón. Barcelona: Gustavo Gili, 1979; e El modo intemporal de construir. Barcelona: Gustavo Gili, 1981.

de organização do programa do primeiro livro de Alexander. Pode-se afirmar que, destarte, que tanto Alexander quanto Lynch, a partir de uma crença no empiricismo, instituem de maneira definitiva a destruição da autonomia projetual, afastando-se da pretensão de esta vir a ser um traço-síntese, encarnado num sujeito cognoscente isolado.

A partir desses autores, estabelece-se uma convicção de que a síntese não é mais capaz de pactuar os conflitos e de que a diversidade de agentes precisa ter voz na conformação do projeto. O conflito gera o projeto e permanece instalado após seu término e sua materialização, desaparecendo, pois, a pretensão de síntese. O campo projetual é contaminado por um discurso sociológico, que pretende dar conta e responder a uma diversidade cada vez mais ampliada na sociedade de agentes diferentes. O desenvolvimento de pesquisas de pós-ocupação dos projetos e a estratégia de medir reações às estruturas propostas por arquitetos tornam-se uma prática que mescla as operações de plano e projeto.

A linha de que Alexander parte até chegar ao advocacy planning167 procura misturar os procedimentos de projeto e de plano, até então

167Numa definição dos planos ou projetos negociados ou de concertação, que me parece ser a tradução mais correta para o termo, pretende-se retirar o caráter de documento fechado assumindo maior processualidade. Os projetos de concertação

rigidamente separados. A inclusão do conflito como premissa conformadora do projeto determinou sua contaminação por mecanismos típicos da imprecisão do plano168. Essas indefinições lançavam as operações de projeto num futuro que era dependente das formas de absorção das intenções do próprio projeto.

O mérito fundamental da construção ideológica de Alexander foi apontar que o conflito também era gerador de formas que pressupunham um grau de compromisso com o consenso, mas não a supressão do conflito. De certa forma, ele lançou a atividade de projeto numa incerteza definitiva, que afasta o ato de projeto da síntese estável e equilibrada. Essa proposição seguiu, inicialmente, uma vertente positivista e científica; depois, contudo, enveredou pelos caminhos da crítica cultural, aliando, de forma muito consistente, construção e cultura. Essa aliança, típica do estruturalismo, começa no mundo contemporâneo a ser criticada por seu caráter imobilista, que privilegia a atitude analítica, afastando-se

pretendiam traçar estratégias baseadas num consenso provisório entre diferentes agentes, preocupados em determinar, de forma precisa, onde se estava, onde se pretendia chegar e como se pretendia alcançar este objetivo. Tudo, enfim, indica a presença de uma processualidade interminável.

168 Na palestra “Urbanismo e sociedade: construindo o futuro”, que integrou o seminário” Cidade e Imaginação”, promovido pelo PROURB em 1996, Nuno Portas afirma: “...o plano não é antes ou também um ponto de chegada...O plano não é inimigo da incerteza, o plano vive da incerteza...Esta é a grande diferença entre plano e projeto: é que o projeto, esse sim é inimigo da incerteza” (p.33).

da vertente propositiva que a atividade de projeto invariavelmente contém.

No documento Livros Grátis (páginas 123-127)