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A IDÉIA DA CIDADE CONTEMPORÂNEA

No documento Livros Grátis (páginas 110-113)

21 entre racionalidade e empirismo, elementos que conferiram às

C. A cidade na era da cultura de massas

2. A IDÉIA DA CIDADE CONTEMPORÂNEA

“O Gerais corre em volta. Esses Gerais são sem tamanho... O sertão está em toda parte”134

Depois de caracterizar a atuação profissional como a do ideólogo do habitar, de entender como as ideologias conquistam o metabolismo social a partir da categoria da hegemonia, e de reconhecer que, no mundo contemporâneo, os momentos hegemônicos tornaram-se cada vez mais efêmeros, nossa intenção, agora, é entender o conceito de cidade pretendido e, traçar uma estratégia para alcançar esse objetivo. Por conseguinte, acompanharemos neste capítulo o desenvolvimento das diferentes idéias gestadas a partir da década de 1960 até os dias hoje, destacando que elas, muitas vezes, rebelaram-se contra a hegemonia instalada. Vinculado à questão da auto-fundamentação135, presente em toda modernidade, esse

134 ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 8.

135Jürgen Habermas – em O discurso filosófico da modernidade (tradução de Luiz Sérgio Repa). São Paulo: Martins Fontes, 2000 – afirma que a experiência do tempo na modernidade é sempre desejo de se libertar da tradição, fazendo com que a subjetividade descentrada tenha de construir sua auto-fundamentação, buscando, portanto, um caminho ainda não trilhado, livre, pois, da tradição. Theodor Adorno – em Teoria estética. São Paulo: Martins Fontes, 1970 – refere-se ao turbilhão de insegurança no qual a arte é lançada pelo modernismo: “A energia antitradicionalista transforma-se em turbilhão devorador.

Nesta medida o Moderno é um mito voltado contra si mesmo; a sua intemporalidade torna-se catástrofe do instante que rompe a continuidade temporal” (p. 35).

processo pode ser claramente percebido a partir dos anos 60, mas irá se acelerar sobremaneira no último quadrante do século XX.

Nesse momento, algumas formas do pensar moderno passam a apresentar uma forte tendência à massificação e à generalização.

Essa massificação afeta diretamente a natureza da modernidade até então implantada, disseminando suas conquistas para amplos setores da sociedade. Com efeito, nos anos 60 o cotidiano humano passou a poder dispor das amplas possibilidades abertas pela modernidade no sentido da promoção da autonomia operativa da humanidade. A disseminação dos anseios de autonomia e a emergência da chamada sociedade da informação, mediante a generalização do rádio e da televisão, modificaram o cotidiano de grandes massas, viabilizando os anseios das vanguardas modernistas e disseminando suas maneiras de vida. Pelo lado estético, os anos 60 presenciaram o surgimento de novos atores, os quais acabaram provocando o fim de um reducionismo simplificador e elitista136 que o modernismo inicial, centrado na relação

136 Vários autores apontam o término do impulso vanguardista: Hockheimer e Adorno, com sua vinculação entre estratégias de vanguarda e mercado, Benjamin, com a perda da aura da obra de arte, Argan, com sua crítica anti-idealista do desenvolvimento artístico, e outros. O declínio da vanguarda pode também ser aliado à emergência, de maneira não convergente, de diferentes atores sociais e sua ideologias.

vanguarda/militância, carregava137. Enfim, assistiu-se a uma pluralidade de pensamentos que destruiu, de forma definitiva, a impressão de unidirecionalidade dos movimentos estéticos e filosóficos.

Essa visão foi construída não apenas por pensadores isolados.

Ocorreram, também, movimentos localizados em cidades específicas, que construíram ideologias distintas de como atuar sobre o habitat humano. Estas ideologias coletivas, gestadas no calor da atuação e levando em conta a necessidade de governar organismos concretos, constituíam, igualmente, críticas operativas da realidade, momentos de síntese que indicavam uma forma clara de atuar para o projeto contemporâneo. Concomitantemente, nessa trajetória que se estende dos anos 60 até nossa contemporaneidade de início do século XXI, houve o declínio do Estado de bem-estar social, entidade que, até os anos 70, parecia estar em contínua expansão pelo mundo. Essa inflexão na forma de estruturação do Estado determinou o aparecimento de novas estratégias e de diferenciadas formas de atuar no projeto. Não se trata aqui de repetir a fórmula mecânica do marxismo mais vulgar, que, numa relação de

137 Alguns autores categorizam nosso tempo como uma hipermodernidade, particularmente TAFURI, Manfredo. History of Italian Archietcture,1944-1985. Nova York: Rizoli, 1992.

causa e efeito, linear e direta, estabelecia uma distinação apenas entre super-estrutura e infra-estrutura138. Devemos entender a prática do projeto como uma atividade inserida num contexto concreto, sendo ao mesmo tempo moldada e moldando-o, conforme seu desenvolvimento. Essa independência na modelagem pode, de certa forma, ser observada mais fortemente nos construtores de ideologias – as individualidades aqui escolhidas – que elaboraram formas de atuar que ainda estão conformando nossa contemporaneidade.

Por sua vez, nas cidades que determinaram uma forma de agir concreta e coletiva, condicionada pelas imposições da gestão, há sempre uma maior articulação entre organização social e processos de escolhas. Percebe-se um declínio da capacidade e da variedade de escolhas, que, no entanto, não cessa de existir.

Dessa maneira, o presente capítulo encontra-se cindido em duas grandes partes. A primeira apresenta as contribuições dos pensadores que desde os anos 60 continuam influenciando nossa cotidianeidade e que ainda conformam a atuação projetual.

138 LUKÁCS, Georg. “El arte como superestructura (El caracter superestructural de la arquitectura”. In PATETA, Luciano. Historia de la Arquitectura, Antología Crítica. Madri: Celeste, 1997.

Referimo-nos a Françoise Choay, Kevin Lynch, Christopher Alexander, aos integrantes da Tendenza italiana, Collin Rowe, Peter Eisenman, Rem Koolhaas e Álvaro Siza Vieira. A segunda percorre os casos emblemáticos de transformação de cidades que, por sua ampla divulgação, acabaram atingindo a forma de discursos ideológicos variados. Referimo-nos a Bolonha, Docklands (em Londres), Barcelona, Puerto Madero (em Buenos Aires) e Los Angeles, projetos urbanos que se transformaram em paradigmas de atuação e que também influenciam nossa forma de projetar.

Cabe tentar justificar as escolhas aqui feitas. Num mundo onde não existe mais um sentido, seja ele vanguardista ou não, acaba-se tendendo para uma panorâmica isenta e morna, na qual a intencionalidade, diante de um ecletismo relativista, é apagada.

Certamente a recorrência das antologias constitui um traço marcante deste nosso tempo, um descompromisso típico da perda de sentido do mundo contemporâneo, uma atitude que não se ajusta muito com a prática do projeto, sempre condicionada pela pressão da escolha precisa. Delineia-se aqui, de certa forma, uma justificativa. Todos os autores e cidades listados possuem ou determinam atitudes de desenho, premissas teóricas ou pressupostos socialmente compartilhados para se atingir uma prática projetual crítica. Uma prática de projeto que pretende ser operada, tanto para atender

quanto para revolucionar o cotidiano do habitar humano, que efetivamente não nos satisfaz. Nesse sentido, a síntese dessa imensa pluralidade de intenções que justificam minhas escolhas, mas não as ausências139, será organizada no quarto capítulo.

Cabe ainda fazer uma última advertência sobre a estrutura deste segundo capítulo, que se refere a uma deliberada atitude panorâmica, em contraposição a um aprofundamento particularizante, que certamente seria mais adequado numa tese de doutorado. Essa decisão, que é de absoluta responsabilidade do autor, deve-se a uma distorção profissional presente nos projetistas, que, no seu embate cotidiano, são condenados a atuar de forma panorâmica, sem nunca se alçar a condição de especialistas. A prática de projeto envolve invariavelmente um conhecimento superficial de tectonia, de infra-estrutura urbana, de sociologia do espaço, de proporções, enfim de uma infinidade de matérias que demandam um profissional generalista, capaz de conciliar essas variadas presenças. Assim, os temas percorridos neste capítulo, por si só, gerariam uma tese inteira, da mesma maneira que os pensadores e as cidades aqui citados, por si só, poderiam provocar

139Outros autores estavam presentes na estrutura inicial deste item, como Louis Kahn, Bernard Tschumi, Tadao Ando e Rafael Moneo. Da mesma forma, tinham sido incluídas outras cidades, entre as quais Houston, Valência e Lisboa.

uma reflexão de fôlego. A perigosa opção panorâmica deve-e ao fato de que, tanto no campo do projeto quanto no mundo contemporâneo, as reflexões e as intervenções que povoam as idéias na hora da ação possuem vertentes distintas, que precisam ser problematizadas para poderem assumir uma proporcionalidade próxima ao real.

2.1. Os teóricos da atuação

Percebe-se uma clara cisão nos agentes aqui escolhidos. Se, de um lado, os anos 60 e 70 ainda mantêm viva a idéia de sentido ou de hegemonia, embora já erodida, nos anos 80 e 90 essa idéia apresenta-se totalmente desgastada. Autores como Françoise Choay, Kevin Lynch, Aldo Rossi e mesmo Collin Rowe140 elaboram seus discursos pretendendo unificar o discurso do projeto. Já Peter Eisenmann, Rem Koolhas e Álvaro Siza declinam claramente dessa pretensão, assumindo um compromisso com a pluralidade de formas de contaminação do tecido social. Percebe-se, nesses autores,

140 As obras fundadoras desses autores, em suas respectivas línguas originais, são as seguintes: CHOAY, Françoise. L' urbanisme, utopies et réalités. Une Anthologie (Paris, Editions du Seuil, 1965) Cambridge: The MIT Press, 1960); LYNCH, Kevin.

The Image of the City, , Cambridge, MA: MIT Press, 1960; ROSSI, Aldo.

L'architettura della città (Padova: Marsilio, 1966); e ROWE, Collin e Fred Koetter.

Collage City. (Cambridge: The MIT Press, 1978).

desde o início de suas trajetórias, uma aberta tendência para a fragmentação dos discursos.

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