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Rem Koolhaas e a superficialidade do zapping

No documento Livros Grátis (páginas 149-158)

21 entre racionalidade e empirismo, elementos que conferiram às

G. Rem Koolhaas e a superficialidade do zapping

estrutural, pretendendo se transformar numa possibilidade de síntese. O problema do modus operandi deste arquiteto é sua vinculação a uma certa pretensão de autonomia da arquitetura e da urbanística, nunca realizada inteiramente, mas constantemente proposta como sentido. Em relação a esse aspecto, a reflexão de Eisenman contém um efeito colateral, determinado pela sua proposição de estetização radical do ofício, pelo afastamento radical do uso e pela aproximação do contemplativo. Esse efeito colateral, diante da construção geral de Eisenman, deve-se a uma afirmação inevitável de um afastamento do cotidiano, enveredando por uma importância desmesurada do espetáculo.

A questão do uso e da contemplação sempre representou, nos campos da arquitetura e da urbanística, uma equação complexa, na qual as duas categorias devem ser encaradas como constituidoras das disciplinas. A chave para a as relações entre uso e contemplação encontra-se numa vigília contínua e interminável que pretende que as duas dimensões se relacionem de forma dialética, nunca dualista. Assim, na nossa reflexão, mais precisamente na sua proposta de retomada da questão da habitação, não pretendemos negar o contemplativo, mas sim estabelecer uma ligação radical com o uso, num esforço de reconstrução da essencialidade das duas disciplinas, a arquitetura e a urbanística.

Mutaciones, que é a compilação de seu curso sobre cidades, ministrado em Havard em 2000212.

212Há mais uma publicação de Rem Koolhaas nas prateleiras – Content . Berlim:

Taschen, 2004. Nas palavras do autor, Content é um “produto do momento” e nele a cultura do zapping aparece com mais força.

Cabe destacar que o pensamento e a teoria aqui descritos fazem parte de um pensamento contemporâneo e vivo, que, portanto não pode ser engessado e dogmatizado. Todavia, na medida em que tende à operatividade, pretende transformar-se em ideologia. Com Koolhaas, aproximamo-nos de forma definitiva da contemporaneidade, um tempo no qual ainda não dispomos de distanciamento efetivo para uma melhor avaliação. Por esse motivo é que situamos o seu discurso e o de Siza Vieira na categoria do ruído de Luhmann. Isto é, eles fazem parte de um grupo de discursos que ainda não desfruta de tempo no sistema de pensamento da arquitetura e da urbanística, não tendo sido portanto manipulado e aplicado para obter a institucionalização.

A cultura, assim como a personalidade humana e a história, não é e nunca foi unidirecional. Do mesmo modo, a pretensão crítica de interpretação dos acontecimentos históricos como que dotados de uma orientação comum, simultânea e nova é algo que se distingue da realidade efetiva. O próprio Koolhaas lembra que “a função última da arquitetura será a criação de espaços simbólicos que acomodarão os persistentes desejos para a coletividade.”213

213 KOOLHAS, Rem. S, M, L, XL. : Small, Medium, Large and Extra Large. Nova York: Monacelli, 1995, p. 604.

A cidade sem horizonte utópico e os manifestos retroativos de Koolhaas

O arquiteto holandês surge no cenário internacional criticando fortemente o contextualismo e a presença da história no fazer arquitetônico e no pensamento sobre a cidade, investindo corajosamente contra uma inércia cômoda instalada no pensar arquitetônico e urbanístico. Nascido em 1944, viveu na Indonésia de 1952 a 1956. Formado em jornalismo, foi correspondente do Haage Post em Amsterdam e escritor de roteiros cinematográficos. Depois desse início de vida profissional ligado à comunicação, gradua-se em arquitetura na AA School de Londres. Em 1975, cria – juntamente com Elia e Zoe Zengellis e Madelon Vriesentrop – o OMA, com sede em Amsterdam. Koolhaas inicia sua promissora carreira com a publicação de Delirious New York em 1978. A presença da história, uma certa verve niilista e um poder de comunicação bombástico e bem-estruturado marcam esse livro, no qual a confrontação com o pensamento arquitetônico hegemônico, o contextualismo, ainda não se manifestava de forma explicita. Estão presentes na obra um certo discurso histórico, uma presença da rua e da grelha como elementos estruturantes do urbanismo e uma crítica revisionista do modernismo, apesar de já ser perceptível uma certa nostalgia do mesmo modernismo e das estratégias vanguardistas.

Este livro, “um manifesto retroativo”214, pretende explicar o

“manhattanismo”215, neologismo criado por Koolhas para designar uma mistura de hiperconcentração, cosmopolitismo e artificialismo que sempre foi desmerecida pelos arquitetos. Essa “capital da perpétua crise”216 é elevada à condição de paradigma da modernidade e descrita não tal qual é, mas em sua base teórica,

“como uma conjectura”217, esquecendo-se da Manhattan real, que é uma realização imperfeita dessa teoria. As estratégias pós- estruturalistas ficam claras aqui. A independência textual desprende-se da realidade. O texto critica a falta de interesdesprende-se dos arquitetos por esta forma de ser de Nova York, mas ao mesmo tempo abandona a Manhattan real para se debruçar sobre a Manhattan ideológica, mais perfeita do que a Manhattan real. O livro já prenuncia o estilo de Koolhas, misturando observações superficiais, típicas dos documentários enciclopédicos, com argutas interpretações, numa constante atitude de zapping. É claro ainda no livro uma massiva presença da história, que o autor irá abandonar na sua produção literária posterior.

214 KOOLHAS, Rem. Delirious New York. A retroactive manifesto for Manhattan.

Nova York: The Monaccelli Press, 1994, p. 9.

215 KOOLHAS, Rem, Delirious New York, p.10.

216 KOOLHAS, Rem, Delirious New York, p.11.

217 KOOLHAS, Rem,Delirious New York, p.11.

Há ainda no livro, no capítulo “A Dupla Vida da Utopia: O Arranha-Céu”, um típico raciocínio tipológico. Nele, Koolhas historiciza a evolução da torre nova-iorquina, considerando seu desenvolvimento uma fusão de três protótipos, materializados em três edificações – o Flatiron, o Metropolitan Life e o Madison Square Garden. A primeira edificação a realizar essa síntese será Wooldworth no City Hall do arquiteto Cass Gilberthi em 1913, com 60 andares, juntando uma base a uma agulha. O raciocínio de Koolhas aqui permanece vinculado a uma gênese da forma, a uma evolução tipológica, típica do regionalismo crítico218. No entanto, pode-se notar também o começo de uma manifestação de negação dos parâmetros de projeto, então homogêneos no cenário internacional, justificada por ele com uma argumentação niilista que buscava a retomada do discurso desgastado das vanguardas. “Toda geração ridiculariza a prévia só e apenas para ser anulada pela próxima”219, afirma Koolhaas.

Retoma-se então, no cenário arquitetônico, ao vanguardismo, recalcando a crítica realizada por Adorno e Hockheiemer220, ainda

218Para uma precisa qualificação do regionalismo crítico, ver FRAMPTON, Kenneth.

História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

219 KOOLHAS, Rem, S,M,L,XL, p. 259.

220 ADORNO, Theodor e HOKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

nos anos 50 do século XX, que identificaram nessa estratégia das vanguardas artísticas uma mera questão de conquista e colonização de mercados para suas obras. Nesse período, Koolhaas parece fascinado pelo antiintelectualismo americano, pintando uma imagem da América como algo vital e ingênuo, visões típicas de um eurocentrismo que se esforça por incluir o mundo fantástico do além-Atlântico. Considera o Novo Mundo como dotado de uma força vital, ao mesmo tempo complexa e portadora do pensamento utópico da novidade. Essa abordagem fica visível na evolução da sua tipologia da torre, destacando a contribuição de Raymond Wood, o autor do Rockefeller Center, e da sua formação na velha Europa. Wood estabelece uma comparação: se os anos em que passou na Europa foram “anos para pensar”, em Nova York “qualquer um desenvolve facilmente o hábito de trabalhar sem pensar”221.

No capítulo do livro dedicado aos europeus, Koolhaas chama atenção para a primeira visita simultânea, em meados dos anos 30, de Le Corbusier e Salvador Dali, a Nova York. De Dali, ele menciona o “método paranóico crítico”, o qual, segundo o pintor espanhol, possibilitaria a sistematização da confusão e desacreditaria completamente o mundo da realidade. Para Koolhas,

221Citação de Raymond Wood in KOOLHAAS, Rem, Delirious New York, p. 162.

Dali abominava o modernismo, Le Corbusier desacreditava o surrealismo. Mas a personalidade e o método de operação de Le Corbusier mostram muitos paralelos com o método paranóico crítico de Dali222.

Fica clara a pretensão de ridicularizar o racionalismo ingênuo do arquiteto suíço, com uma estratégia que combina suas angústias autobiográficas com suas proposições utópicas. O mundo europeu, com suas pretensões estruturadas, contrapõe-se ao mundo americano, propondo dominá-lo com um racionalismo ingênuo e esquemático. A não realização de propostas baseada na figura da edificação por Le Corbusier recalcam nele um complexo, diante da Manhattan com torres subordinadas às geratrizes da divisão fundiária da cidade e ao sistema de ruas e avenidas do século XIX.

Le Corbusier considerava Manhattan uma experiência imatura, ainda não moderna, caracterizada por uma construção pré- apocalíptica, como a da Arca de Noé.

Para Koolhas, Le Corbusier localiza no arranha-céu americano e em Manhattan construções que devem ser combatidas e renegadas, contrapondo ao primeiro a torre cartesiana e ao segundo o parque.

Os arranhas-céus cruciformes, projetados por Le Corbusier para o Plano Voisin em Paris, são estruturas que, para Koolhas, prescidem

222 KOOLHAS, Rem, Delirious of New York, p. 246.

de base. O isolamento do arranha-céu no meio do parque e a presença das auto-pistas estratificadas com relação aos pedestres contextualizaram novamente as propostas corbusieanas, mas mataram a cultura da concentração no território. A feira de 1939 em Flush Meadow, ocorrida em Nova York ao lado de Manhattan, nas extensões ainda desocupadas do Queens, representa a vitória ideológica das propostas de desadensamento de Corbusier frente ao manhattanismo. Construída no interior da grande esfera, que marcava a atração central da Feira, Democracity, a metrópole da era da máquina, tinha todos os princípios da Cidade Radiosa de Le Corbusier. Fica claro que a revisão histórica empreendida por Koolhaas nesse momento sobre a evolução de Nova York aproxima-se muito da montagem aqui defendida, que aponta a preaproxima-sença de ideologias variadas e aponta sua pretensão de atingir a hegemonia.

A conquista dessa hegemonia confere sentido às intervenções espaciais, procurando encontrar uma vertente que objetive os anseios da sociedade em geral, como uma imagem que representa seus anseios de se tornar moderna.

A ideologia de Koolhaas envolve um descrédito generalizado pelas operações de planejamento, uma aceitação tácita das operações capitalistas que desdenham das previsões estruturadas e que pretendem controlar o desenvolvimento. Uma compreensão aguda do fracasso do planejamento em geral frente as lógicas guiadas pelo

lucro dos empreendedores. Ao mesmo tempo, demonstra com vivacidade, pelo menos nesse primeiro momento, uma capacidade ímpar de chamar a atenção do problema arquitetônico sem tender para superficialidades. Demonstra também uma forte vertente propositiva, que desdenha da verve analítica, com um sentido de fazer e exercer a crítica a partir do desenho e do projeto. Nesse primeiro livro, as propostas de Koolhaas para Manhattan pretendem atingir o contextualismo confortável, a prepotência isolada dos arquitetos, bem como uma empostação analítica generalizada, presente nas análises estruturalistas.

Em 1995, Koolhaas lança uma compilação dos trabalhos desenvolvidos no seu escritório: Small, Medium, Large and Extra Large. Trata-se de uma clara peça de marketing empresarial, revestida de pretensões intelectuais e teóricas para a arquitetura.

Nesse livro, a crítica ao contextualismo torna-se mais clara e frontal.

Proclamando o abandono da história, do território como lugar específico e da urbanidade tradicional, Koolhaas identifica suas principais influências teóricas e referências projetuais em Zaha Hadid, Peter Eisemann, Philip Johson, Charles Jencks, Jeff Kipnis, Andew Macnair, Kayoko Ota e Terence Riley. Definindo a profissão de arquiteto como impossibilitada de desenvolver-se com coerência, sujeita a uma sucessão arbitrária de demandas, ele acaba por

concluir que a “arquitetura é, por definição, uma experiência caótica”223. Apesar dessa definição, a arquitetura continuava sendo uma profissão arrogante, uma mistura de onipotência com impotência, exatamente por estar sujeita a uma seqüência arbitrária de demandas.

Ao se referir ao estruturalismo, o autor remete à presença, na Holanda, de Aldo Van Eyck, e à sua pretensão de humanizar os temas arquitetônicos a partir de uma correta amenização da monumentalidade, do burocratismo, da alienação, da rigidez das instituições com base na redução ao módulo estrutural e à pequena parte, citando o emblemático orfanato de 1960 em Amsterdam, Koolhas acaba, após essa respeitosa citação, imputando a característica de redução de todos os projetos a mesma cara. O edifício de escritórios de Herman Hetzberger, que pretendia exatamente essa estrutura isenta para ser apropriada pelos usuários, é apontado como exemplo desta homogeneização, a partir da utilização dos princípios do estruturalismo. Para Koolhaas,

“Hoje orfanatos, dormitórios, casas, escritórios, prisões, lojas de departamentos e salas de concertos, todos parecem o mesmo” 224

223KOOLHAS, Rem, S, M, L, XL, p. 19.

224KOOLHAS, Rem. S, M, L, XL, p. 287.

Ele também chama atenção para a diversidade do movimento moderno e lembra, com uma certa nostalgia, que a cidade abstrata imaginada por diferentes pensadores ainda deveria ocupar o imaginário da contemporaneidade.

Em 1991, Koolhas desenvolve um de seus mais emblemáticos projetos, a Villa Dall’Ava. Erguida em Paris, no subúrbio de St Cloud, com uma bela vista da Torre Eiffel, Villa Dall’Ava era cercada por casas históricas e pitorescas do século XIX. Koolhaas contrapõe três materialidades até então inusitadas no fazer arquitetônico: uma robusta parede de concreto, chapas metálicas de telha ondulada como revestimento e um revestimento de pedra artificializado. Os elementos revestidos em chapa metálica ondulada projetam-se como vigas, que lembram as proporções da Vila Savoye de Corbusier, contrapostos a um feixe de pilares não ortogonais, que parecem querer manter a instabilidade do objeto. Um terraço com uma raia de piscina coroam a casa.

A implantação da casa, que se amolda aos ângulos esconsos do terreno, pretende remeter-nos a um objeto capaz de ser encontrado em qualquer parte do mundo, como que fazendo questão de enfatizar seu cosmopolitismo ou sua capacidade genérica. As relações entre espaço interior e exterior são magistralnmente

manipuladas, repetindo-se apenas a forma espetacular de apresentação das fotos, que agora agrega uma surrealista girafa caminhando nos seus jardins. Apesar disso, cabe destacar o impacto e a sinceridade das fotos tiradas nos tempos de obra, que revelam as robustas estruturas de concreto. Villa Dall’Ava é um dos mais impressionantes manifestos urbanos. Seu enquadramento da torre Eiffel, sua dinâmica dentro do terreno e suas citações inovadoras eram o mais claro sinal do esgotamento da continuidade comportada do projeto. Emergia uma clara rebelião pela forma beaux arts de compor, revelando uma incômoda tensão entre os elementos, que parece denunciar a impossibilidade de equilíbrio na contemporaneidade.

Numa seção de S, M, L, XL, Koolhaas faz um balanço do que aconteceu ao urbanismo no século XX. Para o arquiteto holandês, o urbanismo teria fracassado inteiramente e este fracasso determinou um grande vazio na nossa compreensão da modernidade. Uma lógica quantitativa de crescimento urbano, observada em todas as partes do mundo, superou a qualidade da abstração e da repetição proposta pelos urbanistas modernos. O paradoxo, para ele, reside exatamente no desaparecimento do urbanista como profissão, num

momento em que a urbanização espalhava-se por todas as partes do mundo, estabelecendo um “triunfo global da condição urbana”225.

O desenvolvimento de formas escapistas de pensamento – que pretenderam, tanto na arquitetura quanto no urbanismo, dar resposta a esta situação (a redescoberta da cidade clássica, por exemplo) – acaba aumentando a desconexão entre profissionais e realidade226. Para Koolhaas, o conceito de cidade mudou e a transição entre a posição de poder anterior de arquitetos e urbanistas para um estado de relativa humilhação é difícil de ser introjetada. As intervenções parciais, as conexões estratégicas e as posições de compromisso, abraçadas por muitos arquitetos, apesar de apontar para um novo começo, “nunca reestabelecerão o controle”227 perdido. O problema da relação entre quantidade e qualidade da cidade indústrial era na verdade qualificado como impulsionador de uma revisão conceitual que desembocaria na produção de um urbanismo de melhor qualidade. Assun Koolhaas descava a questão da produção da cidade capitalista, que pretende também produzir lucros, e com isso restringe a qualidade a territórios restritos.

225KOOLHAS, Rem, S, M, L, XL, p. 961.

226Koolhaas faz eco à análise de Choay na sua cisão entre progressistas e culturalistas.

227 KOOLHAS, Rem, S, M, L, XL, p. 965.

Segundo ele, o próprio conceito de cidade deveria ser questionado, uma vez que as extensas implantações contemporâneas eram, na verdade, qualitativamente novos objetos. A estrutura das cidades, suas dimensões e suas conexões haviam se transformado, impulsionando para quem opera com o projeto um novo modus operandi de colonização do mundo, que, para Koolhaas, deverá ser a hiper-arquitetura, pois o fracasso do plano era claro. As formas escapistas de pensamento – a hiperarquitetura, as junkie Box etc. – foram eleitas como formas de atuação, que em sua ironia denunciavam a impotência das disciplinas frente a um mundo da contingência.

Para a geração de 68, que, segundo Koolhaas, finalmente atingiu o poder na nossa contemporaneidade, as cidades, paradoxalmente, não podem mais ser feitas, porque é necessário redescobri-la e reinventá-la. Para Koolhas – e, pela primeira vez, ele inclui-se na classe dos arquitetos e urbanistas –, “somos simultaneamente dogmáticos e evasivos,... temos que seguir Derrida, não podemos ser completos, ou Baudrillard, não podemos ser reais, ou ainda Virilio, não podemos estar”228. Apesar disso tudo, ao afirmar que, com nossa incapacidade de criticar o poder, “condenamos a população inteira a impossibilidade de transcrever civilização no

228KOOLHAS, Rem, S, M, L, XL, p. 967.

território – a tarefa do urbano”229, ele ainda mantém, por trás de todo desencanto presente nesse texto, uma definição positiva do que seja o urbanismo. Talvez essa última afirmação pudesse constar do Arquitetura da cidade ou em qualquer pensamento de resistência frente ao status quo, revelando uma vertente de seu pensamento mais positivo com relação à capacidade humana de construir.

Para Koolhaas, é exatamente essa impossibilidade da nossa civilização de se deixar representar no território que determinou a nossa compreensão da modernidade e da modernização como um movimento fracassado. Essa situação condenou-nos a um mundo

“sem urbanismo, só de arquitetura”230, no qual os arquitetos se refugiam na segurança parasitária de suas estéticas que acabam gerando um caos estético. A segurança de uma doutrina não é mais possível. “Se houver um novo urbanismo”, afirma Koolhaas, “ele não poderá ser baseado na dupla fantasia da ordem e da onipotência:

ele deverá estar baseado na incerteza”231. Ao invés da tentativa de se estabelecer limites meticulosos, é necessário seguir em direção a noções em expansão. Não se trata mais de dispor objetos permanentes no território, mas sim da potencialidade de irrigá-lo. A

229 KOOLHAS, Rem, S, M, L, XL, p. 967.

230 KOOLHAS, Rem, S, M, L, XL, p. 967.

231 KOOLHAS, Rem, S, M, L, XL, p. 969.

crítica ao urbanismo contextualista, particularmente na sua vertente italiana, é bastante explícita e clara. À idéia de uma linguagem instituída, assimilável e estruturada, Koolhas contrapõe uma desestabilização, um compromisso com o nosso tempo. Não se trata mais de defender a cidade enquanto conceito existente, mas de reconstruí-lo “com a manipulação da infra-estrutura fomentar uma interminável intensidade e diversificação...a reinvenção do espaço psicológico”232.

A proposta de atacar a estruturação baseada no conceito de cidade – tal qual este existiu durante séculos e do qual obtivemos exemplares notáveis e outros não tão notáveis – é clara em todas as proposições do arquiteto holandês. Para Koolhas, teremos de correr riscos insanos. A insegurança deve ser encarada como nosso oxigênio: a “modernização é nossa droga mais poderosa”233. A presença da abstração, que tanto caracterizou a cidade modernista, é aqui recolocada. No entanto, seu usuário não é mais o homem ideal do modernismo, mas alguém cético e descompromissado com as utopias ou com a sua construção.

232 KOOLHAS, Rem, S, M, L, XL, p. 969.

233 KOOLHAS, Rem S, M, L, XL, p. 971.

Ao contrário de Eisenman, Koolhaas parece não se adequar ao esforço de tornar explícito o processo de projeto, pretendendo manter o ofício da arquitetura e do urbanismo num distanciamento apolíneo, uma perigosa revalorização da vanguarda, que só mistifica nosso campo de atuação. Além disso, o fato de se refugiar na cidade genérica, nas junkie Box e nas hiperarquiteturas demonstra uma capitulação irônica, que fala do absurdo da vida cotidiana condenada a viver sem futuro, num eterno presente. A sua estratégia é um investimento na espetacularização da profissão. Koolhaas passou a investir cada vez mais num marketing caracterizado pela domesticação da capacidade crítica dos arquitetos, única alternativa possível para viabilizar sua atuação. Esse declínio da crítica ocorre principalmente diante da ampliação generalizada dos processos de fetichização comercial, típicos das sociedades tardo-capitalistas. A única fronteira crítica a ser preservada nessa capitulação geral é a presença de uma ironia fina, cínica e frívola.

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