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CAPÍTULO I DO LIVRO LITERÁRIO À TELA DA T

CAPÍTULO 2 PERCURSO METODOLÓGICO

2.2. Base Teórica

Todo trabalho de pesquisa em Linguística Aplicada se auto-explica de maneira objetiva, quando deixa clara a concepção de linguagem que adota. A noção de linguagem não significa apenas entender o papel da língua, mas, de igual modo, da sociedade das imagens, dos falantes, dos escritores, enfim, das relações sociais que permeiam a linguagem, procurando aproximá-la do contexto social.

Sendo assim, consideramos importante situar bem o lugar teórico em que solidificamos nossa investigação. Por isso, optamos por um enquadramento integrado que pudesse dar conta da complexidade do nosso objeto de estudo, qual seja, as práticas de leitura da narrativa televisual no contexto escolar. Adotamos a concepção sociointeracionista cognitivista para entender a linguagem, e, como fundamentação principal, as concepções de Iser (1999) e Jauss (1979), através da teoria da estética da recepção e do efeito estético.

Percebemos que, tradicionalmente, os estudos de cunho pedagógico dividem em três as concepções de linguagem (KOCH 2003; TRAVAGLIA, 2002; GEALDI, 2003). A primeira vê a linguagem como expressão do pensamento. Significa uma tradução, uma representação fônico-escrita do pensamento. Na segunda, temos a linguagem como instrumento de comunicação. Nesse sentido, o código linguístico é externo ao falante e cabe usá-lo de maneira adequada para que sua mensagem chegue ao outro de forma clara e sem ruídos. Compreendemos que tal tendência isola a linguagem do homem em sua atividade social. A terceira vê a linguagem como lugar de interação social. Através da linguagem como fenômeno sociointerativo, os indivíduos não só expressam seus pensamentos, comunicam-se, mas, também, atuam e agem sobre o outro, construindo e modificando os objetos do discurso, os sentidos dos textos, assim como, criando mundos via linguagem. Essa concepção postula que a língua deve ser investigada em seu uso e não em estruturas internas a ela, pois essa estruturação do sistema linguístico é afetada justamente pela realidade social da língua. Nessa perspectiva, há uma quebra da tendência autonomista da língua, tanto do ponto de vista do campo estrutural quanto do semântico. Adotamos o sociointeracionismo cognitivista e discursivo, ancorando-nos nas ideias de Vygotsky (2007) e Bakhtin (1992), por entendermos que ambos contribuem para uma melhor compreensão do objeto em estudo.

É o filósofo italiano Ponzio (2008) que nos faz ver que as ideias de Bakthin e Vygotsky se cruzam e com ele aprendemos como promover, responsivamente, esse encontro. Segundo o autor, Vygotsky tem a mesma abordagem cultural do Círculo de Bakthin e, em comum, o mesmo viés marxista, em campos como a Psicologia, Filosofia da Linguagem, Literatura e Semiótica. Ponzio percebe, em ambos, igual tratamento em temas como a relação entre o individual e o social, estrutura e superestrutura, consciência e ideologia social, signo e ideologia.

De acordo com Ponzio (2008), como Vygotsky, Bakthin se opõe a reduzir a “reação verbal” a um fenômeno de caráter unicamente fisiológico, do qual se exclui o elemento

sociológico. Afirma que é necessário um enfoque materialista-dialético em psicologia, para poder valorizar a específica natureza histórico-social dos processos psíquicos humanos fundamentais. Bakthin, assim como Vygotsky, se dá conta de que o primeiro e fundamental dever que se apresentava era o de recusar, por um lado, o valor comportamentalista e, por outro, a concepção dos fenômenos psíquicos como estados simplesmente subjetivos, só acessíveis à introspecção.

Os estudos da escola formalista, com todos os seus fundamentos, além da corrente marxista – que por si só não podia explicar os pontos de contato temáticos e metodológicos entre os trabalhos de Vygotsky e Bakthin – constituem a base comum, tanto da psicologia

da arte de Vygotsky e da teoria da literatura de Bakthin, como dos “Prolegômenos da Semiótica”, que se encontram em “Marxismo e filosofia da linguagem” (1995). Além

disso, Vygotsky, Bakthin e seu Círculo consideram que as categorias elaboradas pela linguística não poderiam ser aplicadas à análise do discurso interior.

Ainda com base em Ponzio (2008), tanto Bakthin como Vygotsky defendem que a especificidade das funções psíquicas humanas reside no caráter de intermediação; e os instrumentos são os produzidos e empregados dentro de formas sociais concretas, entre os quais há que se considerar, também, os instrumentos que se produzem para suprir as necessidades da comunicação social: os signos, e, entre eles, sobretudo, a linguagem verbal. Os dois autores pensam igualmente que os signos, a linguagem verbal em especial, não são somente instrumentos de transmissão de significados, de experiências individuais já configuradas, mas instrumentos de significação, de constituição de experiências individuais, dos processos interiores, mentais, que, assim como os signos que empregam,

são também sociais. A distinção que Vygotsky estabelece em “Pensamento e linguagem”

(1998) entre sentido e significado é, em grande parte, parecida com a distinção entre tema e significado que introduz Voloshinov.

Analisando as obras dos dois autores, fica evidente que, embora partindo de objetivos diferentes, Bakhtin, na construção de uma concepção histórica e social da

linguagem, em “Filosofia da linguagem”, e Vygotsky, na formulação de uma psicologia historicamente fundamentada, em “Psicologia do conhecimento”, muitos são os pontos de

encontro entre suas ideias, como podemos ver. A possibilidade maior dessas semelhanças está ligada a dois pontos básicos: o método dialético e a visão de ciências humanas. O materialismo histórico está presente como o referencial teórico comum às suas teorias, e a dialética constitui-se em seu método de trabalho. É pelo método que se reconhece uma forma de pensar.

Na abordagem psicológica de Vygotsky há sempre a integração entre dois sistemas: pensamento-linguagem, aprendizagem-desenvolvimento, plano interno-plano externo, plano interpessoal-plano intrapessoal. Bakhtin, por sua vez, em sua concepção dialógica de linguagem, coloca em diálogo: enunciado e vida, falante e ouvinte, arte e vida, linguagem e

consciência. Encontra-se presente nas construções teóricas de ambos toda uma preocupação em relacionar forma e conteúdo, texto e contexto, sujeito e objeto.

Na teoria da estética da recepção, buscamos entender os estados do prazer estético que vinculam o leitor à obra através dos estudos de Iser (1999) e Jauss (1979), que contribuíram para demolir a visão textualista de que o livro se basta. Através da teoria do efeito estético, buscamos os fundamentos para compreender a interação texto-leitor e a concepção do leitor implícito. De acordo com o pensamento desses autores, o leitor e o texto dialogam e, nesse diálogo contínuo, os dois se transformam. Nem o leitor, nem o texto se superpõem um ao outro.

No âmbito da linguagem, o sociointeracionismo foi de fundamental importância para a superação de paradigmas formais e estruturalistas. Se entendemos que a língua deve ser analisada na realidade de seu uso, o sistema linguístico é fortemente determinado pelos aspectos discursivos e, consequentemente, sociais, contrariando os estudos linguísticos da primeira metade do século XX, que descreveram, com sucesso, as estruturas internas da língua.

A partir daí, a Linguística passa a ver na interação a natureza múltipla da constituição da linguagem e percebe que a estrutura da língua é posterior à sua realidade em uso, diferente do que afirmavam alguns estudiosos estruturalistas. A interação desponta como um elemento importante da linguagem na concepção de várias disciplinas, análise da conversação, etnografia da fala e a sociolinguística interacional. Para elas, a noção de interação fica, de certo modo, restrita à situação social e ao diálogo face a face.

Na teoria sociointeracionista de Vygotsky (1998), percebemos que as interações permitem pensar um ser humano em constante construção e transformação que conquista e confere novos significados para a vida em sociedade. O tema principal da estrutura teórica de Vygotsky é que a interação social exerce um papel fundamental na cognição. Como sabemos, os seres humanos, como seres sociais, vivem em constante interação entre eles e com o meio, no qual se constituem como pessoas. Esse é o princípio do desenvolvimento humano, que se baseia em uma inter-relação entre o meio social e as bases biológicas.

Para a maioria das pessoas, a interação social é algo que acontece naturalmente como uma relação que se estabelece entre pessoas. Na verdade, é uma relação complexa que se constrói e que nela participam não somente os sujeitos envolvidos, mas todo o contexto sociocultural ao qual pertencem. Tal contexto evidencia-se, principalmente, pelo uso da linguagem, mas, também, pelas ações dos atores sociais durante a interação. Assim,

para Vygotsky (1998), a interação representa um elemento necessário para a aprendizagem e o desenvolvimento do indivíduo, implicando a participação ativa dos homens em um processo de intercâmbio, ao qual aportam diferentes níveis de experiências e conhecimentos. Como vimos, autênticas relações interpessoais levam a uma interação social plena, o que significa dizer que é necessária a existência de diálogo e envolvimento afetivo.

Parece-nos claro que alguns aspectos, como a co-presença, a exigência de uma presença conjunta de, pelo menos, dois sujeitos para estabelecer a interação, instrumentos ou meios de comunicação, a relação de reciprocidade entre os participantes, ou seja, ação de um ao outro, o meio cultural compartilhado e a intencionalidade de comunicação, são necessários ao processo de interação social. Vygotsky (1998) atribui grande relevância à dimensão social que fornece os instrumentos e os símbolos que mediatizam a relação do indivíduo com o mundo e destaca a importância da convivência social na transformação do biológico em humano.

O pesquisador russo é, ainda hoje, um dos maiores representantes de uma matriz teórica denominada interacionismo sociocultural e um dos precursores do cognitivismo interacionista, portanto, não mentalista. Sua tese central consiste no fato de que as crianças compreendem e internalizam o discurso que os adultos usam para orientá-las. Dessa forma, elas passam a examinar os seus próprios pensamentos e crenças, refletindo sobre eles, assim como faz o adulto. Para Vygotsky,

O momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas completamente independentes de desenvolvimento convergem. (VYGOTSKY, 1998, p. 33).

O sociointeracionismo, no campo cognitivista, procura relacionar e mostrar a mútua relação constitutiva entre sociedade e cognição, superando a noção clássica cognitivista que separava mente e ação social, promovendo uma dicotomia.

Os estudos antropológicos e etnometodológicos oferecem pistas na relação entre conhecimento e sociedade, em que a cognição é um fenômeno situado e específico de cada cultura. Assim sendo, o interacionismo abre espaço para o social no movimento interativo entre mente e sociedade. Cabe explicar que as abordagens interacionistas definem a

cognição como sendo “um conjunto de várias formas de conhecimento, não totalizado pela linguagem, mas, de sua responsabilidade”. (KOCH, 2004, p.32).

Através do processo complexo da atividade cognitiva, representamos mundos quando pensamos, percebemos, armazenamos, falamos e explicamos as nossas realidades. A busca de uma compreensão definitiva sobre a capacidade de conhecer do ser humano continua a ser o grande desafio das ciências cognitivas. A cognição, da forma como a entendemos, é um processo complexo e/ou uma faculdade que diz respeito às atividades de construção e processamento do conhecimento. Os autores sugerem que existem, hoje, duas tendências nos estudos da cognição social. Uma mentalista, que propõe que a maneira como as pessoas participam e agem na sociedade está vinculada a uma organização cognitiva na mente individual, atribuindo a interação intersubjetiva a uma determinação da estrutura biológica dos nossos cérebros.

A outra é a sociointeracionista, que concebe a cognição social ligada às ações – incluindo o discurso – que as pessoas formulam conjuntamente. Essa interpretação da cognição social concebe o discurso como um acontecimento social, que é, de certa maneira, ação, seja na fala ou no texto. Entendemos que, nessa esteira de pensamento, se encontram Bakhtin (1992) e Tomasello (2003), que lançam à cognição um olhar que implica a ideia de que os indivíduos se imaginavam na pele mental do outro, a fim de que não só apreendam do outro, mas através do outro, permitindo que compreendamos que os outros fazem escolhas e que essas são motivadas por uma representação mental que elaboramos.

Para o pesquisador, entender o outro como agente intencional igual a si mesmo, possibilita a existência de processos através dos quais os indivíduos colaboram entre si para criar práticas culturais, gerando, também, processos de aprendizagem cultural e internalização. Sua tese central é a de que temos uma natureza biológica e cultural que permite o desenvolvimento da capacidade de identificarmo-nos uns com os outros. Essa capacidade faz com que, historicamente, fosse permitida ao homem uma linguagem natural

que é “uma instituição social simbolicamente incorporada, uma forma de cognição

acondicionada para fins de comunicação interpessoal e, ainda, “um artefato cultural” (TOMASELLO, 2003, p. 131). Para o autor,

A linguagem não cria novos processos cognitivos do nada, é claro, mas quando as crianças interagem com outras pessoas intersubjetivamente e adotam suas convenções comunicativas, esse processo social cria uma

nova forma de representação cognitiva – uma forma que não encontra contrapartida em outra espécie animal. (TOMASELLO, 2003, p. 298).

A tese de Tomasello (2003) coaduna-se com a proposta de Vygotsky (1998) de que as formas iniciais do conhecimento são construídas a partir de atividades coletivas, mediadas por interações sociais. Esse cruzamento se estabelece, principalmente, porque, para o autor, é através das interações discursivas que as crianças, gradualmente, ganham experiência com o jogo do inter-relacionamento entre suas mentes e as dos outros. Esse pensamento pressupõe, então, que as interações discursivas, por expressarem divergências de opiniões e conhecimentos, são conflituosas, porém, construtivas, uma vez que os pontos de vista contraditórios não são obstáculos, mas a própria condição para que os processos de desenvolvimento intelectual e comunicação se movam.

O trabalho de Vygotsky (2007) é voltado para a demonstração do caráter histórico e social da mente e da possibilidade de intervir em seu desenvolvimento. A consciência e o comportamento são seus objetos de investigação psicológica e que não são compreendidos separadamente, mas como uma totalidade. A motivação em sua obra é identificar o mecanismo do desenvolvimento de processos psicológicos no indivíduo – formação da consciência –, por meio da aquisição da experiência social e cultural. A ideia a se ressaltar é a de que as funções mentais superiores do homem – percepção, memória e pensamento – desenvolvem-se em sua relação com o meio sociocultural, relação essa que é mediada por signos.

Para Vygotsky (2007), o pensamento, o desenvolvimento mental e a capacidade de conhecer o mundo e de nele atuar, é uma construção social que depende das relações que o homem estabelece com o meio. No processo de desenvolvimento das funções mentais superiores, o autor chama atenção para a internalização, um processo de reconstrução interna, intrassubjetiva, de uma operação externa com objetos com os quais o homem entra em interação.

Diante disso, podemos destacar dois aspectos que consideramos importantes no processo de internalização: o percurso da internalização das formas culturais pelo indivíduo, que tem início em processos sociais e se transformam em internos, interiores do sujeito; e, o da criação da consciência pela internalização das formas culturais pelo indivíduo. Na verdade, esses dois aspectos demonstram a importância de processos culturais específicos para o percurso da formação da consciência, que ocorre a partir da atividade do sujeito auxiliado pelos instrumentos de mediação.

Na perspectiva de Vygotsky (2007), o conhecimento é uma produção social que emerge da atividade humana, que é planejada, organizada em ações e operações socializadas. A relação sujeito-objeto, nesse sentido, seria mediada semioticamente, sendo a mediação semiótica, por sua vez, de natureza social, pois os meios técnicos, semióticos e linguísticos são sociais. A palavra, para o autor, é o signo que serve, tanto para o objeto como para representá-lo, como conceito, sendo, nesse último caso, um instrumento do pensamento.

Podemos depreender que poderá haver uma relação estreita entre a atividade produtiva e a atividade cognitiva, uma vez que a atividade produtiva implica conhecimento e que é ele que pressupõe uma produção sociocultural. Nesse sentido, a linguagem, para Vygotsky, é, desde o início, social e desenvolvido no sujeito por um processo intrapsíquico. Vejamos o processo de aquisição da língua na criança, que é inicialmente social, evocando o meio externo e gradativamente se torna um sistema de signos. Seguindo o pensamento Vygotskiano, somos levados a compreender que a formação da consciência e o desenvolvimento intelectual se dão de fora para dentro, em um processo de internalização.

O autor fala, ainda, de uma relação de interdependência entre o desenvolvimento do sujeito e os processos de aprendizagem, tornando-se um importante elemento mediador da relação do homem com o mundo, interferindo no crescimento humano. Para ele, o ensino escolar não pode ser identificado como desenvolvimento mental, mas sua realização eficaz resulta no progresso intelectual do aluno. Visando descobrir as reais possibilidades de a aprendizagem influenciar no processo de aceleramento mental, o pesquisador formula o

conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, assim afirmando: “é a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial”. (VYGOTSKY,

2007, p. 95). Esse conceito tem sido destacado nas análises e propostas sobre o ensino escolar.

Para o autor, o aluno é capaz de fazer mais com o auxílio de outra pessoa do que sozinho. Por isso, o trabalho na escola deve voltar-se especialmente para essa zona. Com isso, vale salientar o processo de mediação pedagógica que o autor considera de extrema importância para o desenvolvimento do pensamento e dos processos intelectuais superiores, nos quais se encontra a capacidade de formação de conceitos pelos alunos. Na complexidade da mediação pedagógica é fundamental a construção do conhecimento, a

interação social, a referência do outro, por meio do qual se pode conhecer diferentes significados.

Vistos os pressupostos cognitivistas, faremos aqui uma leitura dos fatores mais relevantes das ideias de Bakhtin (2004), buscando compreender os dois conceitos fundamentais que embasam seu pensamento: a interação verbal e a noção de dialogismo, os que mais particularmente nos interessam no presente trabalho. Percebemos o cruzamento das ideias desses dois autores, Vigotsky e Bakhtin, que apontam para uma noção de linguagem que engloba a sua natureza interativa e dialógica, da aprendizagem e da significação. Bakhtin (2004) assume a interação como essencial no estudo dos fenômenos humanos, salienta o valor da compreensão construída a partir dos signos, destacando-se o caráter interpretativo dos sentidos construídos.

O pensador russo desenvolve a noção sociointerativa e dialógica da linguagem, a partir da crítica a duas correntes de estudos linguísticos: a primeira é denominada de

“subjetivismo idealista” e, a segunda, o “objetivismo abstrato”. Bakhtin (2004) argumenta

que, para o objetivismo abstrato, a língua é limitada à noção de sistema que se apresenta ao indivíduo para apropriação, obedecendo às suas normas internas. Esse sistema, para o autor, não passa de uma abstração realizada em nome de um objetivismo científico positivista, que perde a essência da linguagem no recorte dos objetos.

Assim, a língua apresenta-se como uma norma tal como as demais normas sociais, que constitui fenômenos apenas no imaginário social – mas, para o autor, não é essa norma que governa a interação. Vale destacar que ao contrário do que muitos asseveram, Bakhtin (idem) não negava a existência e a importância do objetivismo abstrato, apenas dizia que essa teoria não podia reivindicar o sinônimo de língua, pois a língua é bem mais do que formas. Ao rejeitar a fala, o objetivismo abstrato, por não saber tratar a heterogeneidade linguística, coloca a variação como um fenômeno extralinguístico. O pesquisador afirma

que a noção de língua como sistema, “nos distancia da realidade evolutiva e viva da língua e de suas funções sociais”. (BAKHTIN, 2004, p. 108). A falha dessa corrente é, para o

filósofo, eliminar a essência ideológica da língua, separando-a do social.

Negada a premissa como sistema, Bakhtin (2004) passa a refletir sobre o subjetivismo idealista, para, então, afirmar o caráter interacional da linguagem. Isso significa que defende a natureza individual e psíquica da linguagem, postulando a ideia de um aparato mental que se responsabiliza pela elaboração e expressão do pensamento, sendo esse processo realizado intramentalmente.

Para o autor, o equívoco está em considerar a expressão um ato individual e monológico e a língua como instrumento pronto para ser usado. Bakhtin passa a formular

sua noção de interação, quando afirma a natureza dual da expressão. Na sua concepção, “a

expressão comporta duas facetas: o conteúdo, interior, e sua objetivação exterior para

outrem”. (BAKHTIN, 2004, p. 111). Com isso, “a interação passa a ser muito mais que um acontecimento linguístico, é a linguagem”. (BAKHTIN, op. cit.). Dessa forma, vimos que,

embora não postule nenhuma orientação cognitiva ao negar o subjetivismo individualista, o autor deixa pistas para a dualidade do conhecimento humano, ideia levada a fundo nos

postulados Vygotskyanos. O pensador sintetiza, então, seu pensamento, afirmando que “a interação verbal constitui, assim, realidade fundamental da língua”. (BAKHTIN 2004, p.

123).

Para Bakhtin (idem), o dialogismo é mais que uma forma de interagir; é uma propriedade da língua. Essa natureza essencialmente dialógica da linguagem implica no papel do outro e da estrutura social com a qual o indivíduo dialoga. Isso faz com que a