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CAPÍTULO I DO LIVRO LITERÁRIO À TELA DA T

CAPÍTULO 3 MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA NA LEITURA DE HOJE É DIA DE MARIA

3.3. Mediação na Leitura Literária

A mediação pedagógica nas práticas de incentivo à leitura deve ser entendida não como método assistencial e pedagógico de ação, mas como um processo de produção de leitores, de transformação de cidadãos em cidadãos leitores. Nesse sentido, ao invés de o mediador operar como um intermediário ou como um tradutor junto às pessoas com dificuldades de leitura, atua como um formador de leitores.

Portanto, entendemos a mediação de leitura como um processo, no qual a relação entre dois ou mais sujeitos – agente de leitura e leitores – é mediada por um livro, um filme, um programa de tevê ou por um conteúdo determinado que os façam dialogar entre si. Na leitura, o diálogo do aluno é com o texto. O professor mediador passa a ser uma testemunha desse diálogo, sem deixar de ser também leitor, e sua leitura é uma dentre as possíveis.

Desse modo, essa mediação é entendida como uma relação de troca, de aprendizado recíproco e de ampliação de uma percepção individual a partir de sua composição com outras formas de percepções em relação ao mesmo objeto – um objeto de conhecimento. Isso significa que apropriar-se de um conhecimento é o mesmo que se tornar capaz de compartilhá-lo.

As novas exigências impostas pelas mudanças no contexto social estabelecem novos modos de conceber e praticar a leitura. Além da decodificação de símbolos, é preciso interpretar o que está escrito dentro de um determinado contexto, para usufruir dos novos recursos que se apresentam, o que torna ainda mais complexo o ato de ler. Embora reconheçamos a importância da prática de leitura em todos os seus aspectos, verificamos que, ainda hoje, na escola, o ensino da leitura ocorre de forma descontextualizada, pois o modo como vem sendo trabalhada não permite essa prática rotineira através de outras linguagens que não a escrita.

Sabemos que o mundo contemporâneo tem possibilitado ao homem uma variedade de textos disponíveis em diferentes suportes que se apresentam como um meio de acesso que possibilita a aprendizagem, por retratar a realidade cultural, podendo estar relacionado com o aprendizado nas diferentes disciplinas presentes no currículo escolar. Esses textos oferecem ao leitor diversas visões de mundo, ampliando, assim, suas experiências. Na ausência de uma prática com a leitura de textos dessa natureza, a escola impede que o

leitor tenha uma compreensão do mundo em que vive, aprofundando a reflexão sobre a realidade em que está inserido.

Observamos que, se, por um lado, têm-se maiores exigências e necessidades de constituição do sujeito leitor para enfrentar os desafios da sociedade contemporânea, por outro a escola não vem atendendo a essas necessidades. Nesse sentido, entendemos que a instituição escolar deve ter um olhar mais cuidadoso para o contexto em que ocorre o processo de leitura. As possibilidades de leituras na sala de aula aqui apresentadas apontam para a riqueza que pode emergir desses textos quando colocados em situação de interação.

Portanto, cabe ao professor ser o articulador, propondo vários modos de leitura, estabelecendo inúmeras relações entre texto e contexto do aluno, e entre o texto e outros textos. Para tanto, vemos a necessidade de oferecer ao aluno/leitor conhecimento de mecanismos discursivos que estão atrelados à linguagem em funcionamento. Assimilando esse conhecimento, o aluno poderá ir além, mediante a percepção de que o processo de leitura é aberto e inacabado.

Ademais, precisamos estar atentos para a maneira como a escola vem trabalhando com a leitura; devemos ter cuidado com as reflexões que fazemos, pois não se pode culpar somente aqueles que, na verdade, são vítimas da ausência de políticas públicas efetivas para a área educacional: professores e alunos.

Percebemos que os trabalhos acadêmicos acabam incorrendo em um erro que consideramos significativo: a culpabilização do professor. No nosso entender, as pesquisas devem abordar, de modo aprofundado, as condições de formação e de trabalho do professor e compreender, de forma mais ampla, as condições de aprendizagem do aluno. Desse modo, pode tentar compreender o processo educativo através de um olhar mais apurado para o contexto em que ocorre o processo de leitura.

Observamos que na escola não se leem textos; fazem-se exercícios de interpretação e análises. Isso não é mais que simular leitura, e essa simulação ocorre porque a leitura deixa de ser uma prática social, envolvendo os interlocutores diretamente no espaço de interação, para se tornar um exercício no qual prevalecem somente os sentidos por uma

única voz, a do autor do texto. Dessa forma, o texto seria uma unidade “complexa de significação” e, portanto, os sentidos não estariam garantidos nas palavras do autor e nem

na interpretação do leitor, mas no espaço discursivo que envolve autor, texto e leitor. É com essa compreensão que desenvolvemos nossa experiência de mediação de leitura com o texto televisual Hoje é dia de Maria. Vale registrar que a prática da leitura

desse texto ajudou significativamente o grupo a desvelar o sentido metafórico da linguagem literária, mais especificamente das imagens que compõem esse texto. Compartilhar esse percurso com o grupo possibilitou sinaliza para a importância do papel do mediador de leitura. Em alguns momentos dessa experiência, fomos tomados pelas lembranças pessoais instigadas pelo referido texto, ampliadas por novas questões que orientaram a discussão, fazendo o grupo compreender como foram se tornando leitores.

O processo de mediação de leitura não poderá ocorrer plenamente sem que seja considerado o elemento motor responsável pela conexão do texto com o leitor: a voz. No ato da leitura, mesmo silenciosa, surge uma fluência, um ritmo, uma melodia, um tom que define a musicalidade do texto. Processo semelhante acontece com o texto televisivo; é uma experiência musical, uma composição constituída de uma pluralidade de vozes. Existe a busca por um andamento, um compasso (lento, moderado e rápido) que define a construção de seu discurso. Isso tudo tem a ver com a sonoridade de cada palavra e da sucessão delas.

A voz estabelece o diálogo com o outro, indispensável à reflexão. Leitura é diálogo, porque ela é encontro e confronto pessoal. A compreensão que ela opera é fundamentalmente dialógica. Na TV, a sincronia entre a imagem e a voz permite ao leitor ampliar o prazer da leitura que o texto proporciona; a força dos códigos (verbal e visual) articulados, que potencializam o poder da mensagem, lhe permitirá perceber a realidade a qual pertence, enfrentando seus próprios dramas, desfrutando da sensação de não se sentir só.

Diante do exposto, percebemos que uma nova cultura para a aprendizagem se torna necessária, visto que estamos vivenciando um mundo em que as demandas são outras, as quais exibem novas práticas e novos conhecimentos. Diante desse contexto, entendemos a importância do trabalho educativo para, com e através das mídias, a partir de uma abordagem, crítica, instrumental e expressivo-produtiva.

A possibilidade de leitura da mídia televisiva permitirá ao sujeito uma educação mais cidadã, uma vez que o mundo das novas tecnologias exige de nós conhecimentos para relacionar e dar significado às informações que chegam de maneira fragmentada. É importante a linguagem audiovisual no contexto escolar, pois ela é sensibilizadora, no sentido de propor a ação de vários sentidos do espectador: audição, visão e a percepção sensorial, contribuindo para o aprendizado.

A mediação pedagógica de leitura da televisão na escola deve ser efetivada levando-se em consideração a bagagem que o aluno carrega acerca dessa mídia e suas reflexões sobre os diferentes programas veiculados. Atendendo a esses aspectos, o professor deverá construir, juntamente com esse aluno, caminhos que levem à compreensão dos conteúdos, importante para a ampliação do seu conhecimento de mundo. Para isso, consideramos importante que tanto as produções ficcionais como as informativas veiculadas na mídia televisiva sejam analisadas nas aulas de Língua Portuguesa/Literatura quanto nas outras disciplinas.

Ao professor cabe, ainda, o papel de incentivador da leitura, que é o primeiro passo para a formação dos valores da sociedade, propiciando a compreensão do homem pelo homem, o nível cultural, a formação e o exercício da cidadania. Assim, o leitor será um cidadão mais crítico, reflexivo e participativo. A leitura crítica desenvolve a capacidade intelectual do homem, a linguagem e a personalidade, permitindo ao leitor colocar-se criticamente diante dos fatos, interpretando dados da realidade.

Estamos inseridos em uma sociedade que se caracteriza por ser a sociedade da informação, do conhecimento, da comunicação, da interação e do compartilhamento. Desse modo, as práticas de leitura na escola devem ser incentivadas e estimuladas, visando à formação de um cidadão capaz de ampliar sua visão de mundo. O professor exerce o papel de mediador, termo que deriva do latim mediatore, e significa “aquele que medeia ou

intervém”.

A aprendizagem significativa pressupõe a dupla mediador-mediado. O mediador é alguém que avalia e seleciona estratégias, que organiza, interpreta e elabora as experiências. Em um ambiente de reciprocidade, o mediador provoca curiosidade, mostra envolvimento e interesse, estimula a significação, a reflexão, promove o compartilhamento e o respeito aos diversos pontos de vista, incentiva a mudança e a participação ativa, ou seja, proporciona uma atmosfera estimulante e favorável ao desenvolvimento cognitivo. Podemos considerar como mediadores de leitura os familiares, professores, bibliotecários, editores, críticos literários, redatores. Porém, os mediadores que mais se destacam são os professores.

Vale salientar que ao mediador cabe criar soluções próprias ou adaptar experiências alheias, consciente de que o leitor tem uma porta diante de si, em direção à leitura e ao conhecimento. Tamanha responsabilidade deve ser interpretada pelos mediadores como um desafio constante, pois o papel que desempenham na motivação de leitura poderá interferir

com maior ou menor profundidade na formação dos leitores de uma coletividade. Esperamos, contudo, que os mediadores de leitura facultem aos leitores uma pluralidade de experiências, para que eles percebam a leitura não apenas como aprendizagem escolar, mas como elemento de satisfação.

Nesse contexto, a leitura literária, por ser um ato de comunicação, também exige mediação, ou seja, pressupõe um mediador que incentive e oriente a vivência reflexiva do texto, de modo que a leitura possa ser concebida como uma experiência. Assim, através da mediação da leitura literária, almejamos a formação de sujeitos leitores capazes de, entre outras características, buscar textos segundo seu horizonte de expectativas, dialogar com novos textos e se posicionar criticamente diante deles.

A leitura da literatura é, pois, importante porque pode provocar transformações pessoais e sociais. Entendemos que a literatura é um conhecimento indispensável aos seres humanos por fornecer a possibilidade de vivermos dialeticamente com os problemas, além de ordenar nossa mente e sentimentos, nos tornando mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade e o semelhante.

Outra justificativa que consideramos relevante para a literatura na vida do homem, vem do pensador francês Edgar Morin (1995, p. 51), que, ao problematizar a fragmentação do saber e a razão acrítica, propõe a literatura como uma forma de informação, conhecimento e sabedoria capaz de proporcionar uma visão complexa da condição humana, visto que a obra literária encerra um infinito cultural que engloba ciência, história, religião, ética.

Ainda nessa linha de pensamento, de acordo com Zilberman (1998, p. 40), a criação artística, além de permitir o discernimento e o posicionamento diante da realidade, visa a

“uma interpretação da existência que conduz o ser humano a uma compreensão mais ampla

e eficaz de seu universo, qualquer que seja sua idade ou situação intelectual, emotiva e

social.”.

Literatura produz reflexão e, nesse sentido, Manguel (1997, 24-28) argumenta que a palavra artística é capaz de promover identificação com os personagens, já que os livros são como autobiografias para os leitores. Ler é também antecipar vivências, experimentar situações, o que, em muitos casos, abre portas para o amadurecimento e a lucidez. Dessa forma, a literatura é extremamente importante para a formação humana em todos os períodos da vida, ao incentivar a percepção estética e ética, além de contribuir para a emancipação existencial, uma das funções da arte.

Diante do exposto, configura-se como uma necessidade da escola promover a leitura e valorizar a manifestação literária, uma vez que, historicamente, nas instituições educativas, ainda é frágil uma cultura que privilegie a leitura da literatura, e percebemos que poucos envidam esforços nesse sentido.

Entendemos que a presença da literatura em sala de aula e a mediação da leitura literária são de suma importância para o aluno, permitindo-lhe adentrar no mundo da imaginação e criar espaço para recontar e inventar histórias, atribuindo sentidos e significados às experiências vivenciadas em seu cotidiano. A literatura é arte. Arte que se utiliza da palavra como meio de expressão para, de algum modo, dar sentido à nossa existência. Se deixarmos um espaço para que essa manifestação artística nos conquiste, seremos, com certeza, mais plenos de sentidos.

Como vimos, a leitura da literatura na escola é relevante na formação do aluno. O homem precisa, ao longo da sua existência, cultivar e esmerar a sua racionalidade e a sua fantasia. E, na incessante busca da sua completude, precisa equilibrar sabiamente as doses de realidade e fantasia em sua vida, sem que uma ofusque ou esmaeça a outra. A literatura é um artesanato da palavra, tecido na fantasia do escritor e que, via um suporte específico (livro, cinema, televisão), interpela a fantasia do leitor para a participativa recriação desse tecido.

A fantasia, por sua vez, é uma capacidade que permite ao homem projetar elementos de sua imaginação e, ao mesmo tempo, mostrar-lhe que existem outras formas de ser e existir além daquelas que estão aí no mundo administrado, ou seja, a fantasia abre ao leitor maneiras alternativas de ver as coisas, formas plurais de perceber a realidade, e inusitadas decisões podem ser tomadas.

Além do cultivo da fantasia e da imaginação, o texto literário, seja direta ou indiretamente, expressa sensibilidade, tanto emocional quanto linguística – nesses termos, sermos enredados por um texto literário é educar concomitantemente a nossa sensibilidade pelas práticas da leitura.

Contudo, sabemos que a literatura entra na escola pela porta da disciplina “Língua

Portuguesa” em um percentual irrisório, pois depende da organização curricular.

Entretanto, algumas pesquisas mostram que essas atividades ficam extremamente prejudicadas pela ausência de condições concretas de fruição prazerosa e consequente das obras literárias. Além disso, o tempo escolar é todo fragmentado em disciplinas estanques. Dentro desse contexto, não sobra muito tempo para a leitura da literatura, o que a torna

insuficiente, pois são as matérias que mais diretamente correspondem à lógica da razão instrumental que prevalecem.

Explicita-se a necessidade do ensino da literatura que leve em conta não a historiografia, mas, sim, o modelo sociointeracionista, tendo por base a comunicação, substituindo o antigo modelo classificatório. E, para a leitura e a formação de leitores, são importantes os fundamentos da Estética da Recepção, que inclui o leitor como elemento essencial dos estudos literários.

Assim sendo, acreditamos que o deslocamento da literatura para a área de leitura, pensando-se na formação de um aluno leitor, apresenta um aspecto bastante positivo e nos remete, ainda que implicitamente, à Estética da Recepção, em cujos pressupostos teóricos podemos resgatar a importância da contextualização da obra, de seu autor, o momento histórico de sua aparição e o papel do leitor na concretização da obra.