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CAPÍTULO I DO LIVRO LITERÁRIO À TELA DA T

CAPÍTULO 3 MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA NA LEITURA DE HOJE É DIA DE MARIA

3.2. Contribuição Teórica de Vygotsky e Bakhtin

Para analisar a mediação pedagógica, encontramos nos estudos de Vygotsky (1998) e Bakhtin (1981) ideias que contribuem para que possamos pensar essa questão.

O foco dos estudos de Vygotsky está na gênese social do desenvolvimento humano, que consiste na crença de que o indivíduo constrói seu conhecimento com a participação do outro. Esse outro fará o intercâmbio entre esse ser e a cultura existente à sua volta. O autor defende a ideia de que é na interação com o outro que o sujeito constitui sua singularidade.

O autor buscou explicar as funções psicológicas consideradas superiores, ou seja, os processos de origem sociocultural, tipicamente humanos do comportamento, como, por exemplo, a capacidade humana de planejar e controlar sua ação. Para ele, toda ação humana no mundo não é direta e sim mediada. Essa mediação pode acontecer com o uso de instrumentos ou signos que podem ser ampliados a partir da interação com o meio sociocultural. Daí porque Vygotsky atribui um papel fundamental ao contato interpessoal – com o outro – no processo de desenvolvimento humano.

Ressalta o autor que o desenvolvimento do psiquismo é característica do homem, porque implica a existência de uma natureza social. O homem aprende porque se desenvolve na coletividade. Ao nascer, já possui funções psicológicas elementares como os reflexos e a atenção involuntária.

Porém, é em sua interação com o meio cultural que essas funções elementares passam por transformações, surgindo os processos psicológicos superiores, exemplificados pela memória lógica, atenção voluntária e consciência. Para o autor, são as funções psicológicas superiores que irão diferenciá-lo dos outros animais, que são: a capacidade de pensar, de planejar suas ações antes de executá-las.

Essa capacidade do homem de categorizar a sua realidade interfere no desenvolvimento dos processos psicológicos superiores tornando-o capaz de refletir sobre os objetos, permitindo-lhe abstrair, generalizar e produzir significados nas interações estabelecidas com o outro. Sendo assim, Vygotsky nos lembra:

A relação entre o pensamento e a palavra é um processo vivo; o pensamento nasce através das palavras. Uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa morta, e um pensamento não expresso por palavras, permanece uma sombra. A relação entre eles não é, entretanto, algo já formado e constante; surge ao longo do desenvolvimento e também se modifica. (VYGOTSKY, 1989 P.131).

Com isso, podemos notar que os significados não são dados a priori, pois a palavra não é única e acabada; na verdade ela se constitui no espaço interlocutivo no qual ocorre a mediação do outro, permitindo a apropriação e ressignificação das palavras alheias que circulam nesse contexto, provocando o surgimento de novas funções, de forma a possibilitar e dirigir sua própria fala e, consequentemente, seu pensamento.

Os estudos realizados por Bakhtin (1981) permitem o aprofundamento de alguns postulados de Vygotsky. Um dos aspectos destacados pelo autor é que a ampliação das práticas sociais é fundamental para o desenvolvimento dos indivíduos. São essas práticas que permitem que se estabeleçam novas conexões psicológicas superiores.

Outro ponto a ser enfatizado por Bakhtin (1990) é que a interação verbal se constitui como um centro organizador e formador da atividade mental. O autor vê a palavra no campo ideológico, em que se estabelecem múltiplos sentidos, de acordo com o contexto estabelecido. Por isso, a necessidade de situar de onde se fala, a posição social dos interlocutores e o contexto da enunciação.

Para ele, quem fala, o faz de algum lugar, e quem ouve, também está inserido em determinado contexto. Assim, o processo de produção de sentidos não se dá de forma previsível; ele é dinâmico, complexo. Devemos levar em consideração que é no âmbito da interação verbal que são confrontados diferentes sentidos que emergem dos enunciados produzidos pelos diversos interlocutores. Como ele mesmo analisa:

O sentido da palavra é totalmente determinado pelo seu contexto. De fato há tantas significações possíveis, quantos contextos possíveis. No entanto, nem por isso, a palavra deixa de ser una. Ela não se desagrega em tantas palavras quantos forem os contextos nos quais ela pode se inserir. (BAKHTIN, 1990, p.106).

Segundo o autor, a palavra não pertence a um único falante. Com isso, passa a discutir a questão da autoria, ressaltando que um autor, ao expressar seu pensamento, não o

faz sozinho; outros “eus” compartilham essa ideia, daí a incompletude e complexidade da linguagem. O valor do enunciado não está em si, vai depender de “como” e “com quem” é

estabelecido. Na sua concepção, a linguagem é viva, inacabada e ideológica. É na multiplicidade de vozes que ecoam na interação dialógica que o sentido dos enunciados se estabelecem. Sendo assim, eles serão provisórios, variando de acordo com os interlocutores e o contexto da enunciação.

Na visão de Vygotsky (1998) é através da linguagem que o homem interage com outros atores do seu meio. O mesmo acontece com a criança que, em contato com o meio, aprende, entre outras coisas, a falar. Ela inicia o desenvolvimento de sua linguagem com uma fala socializada, dirigida ao adulto, para somente depois passar para uma fala internalizada que, além de ter uma função interpessoal, comunicativa, possui também uma função intrapessoal. Os outros sujeitos do meio social exercem um papel fundamental no desenvolvimento do indivíduo. Isso confere à linguagem uma importância extraordinária no desenvolvimento humano.

Essa dinâmica proporciona situações de interação, na qual, o homem constroi os processos psíquicos superiores responsáveis pela sua ação inteligente no mundo. Assim, vemos que a linguagem, como espaço de interação humana, mais do que propiciar um efeito comunicativo linear, provoca efeitos de sentidos entre interlocutores, pois que esses interlocutores constroem/reconstroem sentidos com suas formações imaginárias, conhecimentos linguísticos, textuais e de mundo.

Partindo do pressuposto de que a principal função da linguagem é a de intercâmbio social, Vygotsky (1998) enfatiza o papel da mediação, da interação com o outro, na realização da internalização da atividade. Para ele, é por essa mediação que a criança é capaz de transformar uma atividade externa em atividade interna e, portanto, em compreensão.

Dessa forma, para que ocorra a internalização, a reconstrução interna dos processos construídos através da interação, é necessário que o processo interpessoal seja transformado em intrapessoal, pois, segundo o autor, todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem em dois planos: primeiro no plano social, interpsíquico, e no plano psicológico, intrapsíquico. Contudo, a internalização das atividades, socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas, é processual e resultante de uma série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento, constituindo o aspecto característico da psicologia humana.

Uma das grandes contribuições de Vygotsky para a educação está na análise por ele esboçada da elaboração conceitual como prática social imersa nos contextos institucionais, explicitando o papel da mediação pedagógica e dialógica. Interessante mesmo é que esse autor não analisa a escola e o processo de elaboração conceitual que nela se realiza nas suas condições reais de produção /transformação, mas, na dinâmica histórica das forças sociais.

Essa análise é possibilitada por Bakhtin (1998) que, da mesma forma que Vygotsky, considera que não existe atividade mental sem expressão semiótica Da mesma forma, enfatiza que a interação verbal constitui um centro organizador e formador da atividade mental. Posiciona-se contrariamente às concepções subjetivistas idealistas, afirmando que não é o pensamento que organiza a expressão, mas a expressão que o organiza, modelando-o e determinando sua orientação.

Assim, é impossível conceber a atividade mental desligada das condições reais de interlocução, que são determinadas pelo contexto social imediato e mais amplo pelos

interlocutores. “Os contatos verbais possíveis, as formas e meios de comunicação são determinados pelas relações de produção”, evidencia Bakhtin (1998, p. 49).

Para ampliar a nossa compreensão sobre mediação pedagógica, no processo ensino- aprendizagem destacamos a distinção que Vygotsky faz entre sentido e significado da palavra, pelo que isso traz de contribuição para as relações entre eles em situação de

desperta em nossa consciência”, (VIGOTSKY, 1993, p. 125), Mais adiante, o mesmo autor destaca: “O Significado é apenas uma das zonas do sentido, a mais estável e precisa.”

(VIGOTSKY, op. cit., p. 126). No discurso interior, o sentido prevalece sobre o significado. A linguagem, então, é uma ferramenta da consciência, que tem a função de composição, de controle e de planejamento do pensamento e, ao mesmo tempo, tem uma função de intercâmbio social.

Os significados das palavras compõem a consciência individual, mas são, ao mesmo tempo, construídos no âmbito interindividual, têm um caráter social. Nesse raciocínio, destacam-se as relações de interdependência entre pensamento e fala, fala interior e fala exterior, entre sentido e significado, entre homem e mundo. Os sentidos de uma palavra não existem em si mesmos, como algo já dado. Eles são elaborados nas enunciações concretas, que são a unidade da língua, quer se trate de discurso interior ou

exterior. As enunciações são sempre parte de um “diálogo ininterrupto”. Os interlocutores

têm sempre um horizonte social e uma audiência que configuram as trocas verbais, de acordo com as diversas esferas da prática social.

A significação produzida na interação de vozes, presente no contexto da interlocução, no fluxo da nossa consciência, é parte nossa e é parte do outro, é o efeito da interação entre interlocutores. Vozes que representam perspectivas ideológicas sociais definidas.

Nesse sentido, concordamos com a afirmativa de Bakhtin de que a palavra não constitui um coro de harmonia, mas um espaço de discussão, uma arena em miniatura, em que se entrecruzam e confrontam-se valores sociais de orientação contraditória. Acrescenta, ainda, o autor: “todo discurso é ideológico e polêmico, em todo signo ideológico confrontam-se índices de valor contraditórios”. (BAKTHIN, 1986, p. 46). Nessa perspectiva, vemos que, enquanto Vygotsky procura traçar as possibilidades de elaboração no plano individual, Bakhtin analisa a dinâmica socioideológica.

Ainda nessa discussão, Vygotsky introduz um de seus mais destacados conceitos, que fornece base para a reconstrução do ensino: é a Zona de Desenvolvimento Proximal –

ZDP, ou seja, “a distância entre o que o sujeito pode fazer sozinho e o que pode alcançar mediante a orientação de um adulto ou a cooperação de companheiros mais capazes”.

(VYGOTSKY, 1998, 37).

Essa concepção aponta para o caráter interativo e cultural da aprendizagem humana, permitindo ver o sujeito da aprendizagem como um ser de desenvolvimento

dotado de potencialidade. Além de entender a ZDP com um atributo da pessoa, Vygotsky

avança nessa perspectiva, permitindo que se entenda esse como um “espaço socialmente

construído em que se encontram, contrapõem e complementam as subjetividades, a ação

prática, material de vários sujeitos”. (LABERRERE, 1996 p. 113).

Assim sendo, podemos dizer que é no espaço ZDP que o conhecimento é

construído, na “interação, em que a ação do sujeito sobre o objeto é mediada pelo outro através da linguagem” (FREITAS, 1996, p. 161).

Este processo de mediação é considerado por Vygotsky como a modalidade por excelência sob a qual acontece a interação na ZDP. Assim a mediação se desenvolve em

torno da “busca e subsequente apropriação dos modos – estratégias e procedimentos – de enfrentar e solucionar o problema” (LABARRERE, 1996, p.7).

O esquema geral de ação criado por Vygotsky e seus colaboradores no processo de mediação pedagógica consiste em

Ir introduzindo determinada ajuda gradual, com o propósito de comprovar o momento na interação, em que o sujeito em desenvolvimento se torna sensível a tal ajuda, quer dizer o momento em que capta, ou se apropria do procedimento em questão. (LABARRERE, 1996, p. 9)

Transferindo esse conceito para o processo de ensino e aprendizagem, observamos que o seu objetivo é possibilitar que o aluno alcance, através da colaboração, da atividade conjunta, um nível intelectual superior, avançando naquilo que sabe fazer sozinho para a conquista do que ainda não pode fazer só. Mediante o exposto, é possível ratificar o

postulado Vygotskiano, de que o ensino é promotor do desenvolvimento, ou seja, o “bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento”. (VYGOTSKY, 1998,

p.117).

A possibilidade de criar Zonas de Desenvolvimento Proximal no ensino e de, com isso, estimular uma série de processos ainda não amadurecidos nos alunos, mune o professor de um instrumento significativo na orientação de seu trabalho. Para o autor, o aluno é capaz de fazer mais com o auxílio de outras pessoas, professores e colegas, do que faria sozinho; sendo assim, o trabalho escolar deve voltar-se especialmente para essa

“zona” em que se encontram as capacidades e habilidades potenciais, em amadurecimento.

Contudo, o trabalho docente voltado para a exploração da ZDP e para a construção de conhecimentos nela possibilitada deve estar atento para a complexidade desse processo

de construção pelo aluno, a complexidade do contexto, que envolvem múltiplas influências sociais presentes nas relações do aluno na escola e a complexidade da própria mediação escolar e das relações com o outro.

Essas observações chamam atenção para a complexidade da mediação pedagógica e confirmam que é fundamental para a construção do conhecimento, a interação social, a referência do outro, por meio do qual podem conhecer diferentes significados dados aos objetivos de conhecimento.

Essa mediação, ressaltando-se o papel da linguagem, é fundamental para o desenvolvimento do pensamento, dos processos intelectuais superiores, nos quais se encontra a capacidade de formação de conceitos. Segundo Vygotsky, para o conhecimento do mundo, os conceitos são imprescindíveis, pois com eles, o sujeito categoriza o real e lhe conforma significados.

Entendemos, portanto, que o desenvolvimento do pensamento conceitual permite uma mudança na relação cognitiva do homem com o mundo, é função da escola e contribui para a consciência reflexiva do aluno. Os experimentos realizados por Vygotsky e seus colaboradores revelaram que a formação de conceitos é um processo criativo e se orienta para a solução de problemas. O desenvolvimento dos processos que resultam na formação dos conceitos inicia-se na infância, mas as funções intelectuais básicas só ocorrem na puberdade.

O autor ressalta, ainda, que, para entender a formação de conceitos, via escolarização, por exemplo, é preciso considerar as especificidades e as relações existentes entre conceitos cotidianos e conceitos científicos, porque eles se relacionam e se influenciam constantemente. Então, dessa forma, o aprendizado passa a ser uma das principais fontes de conceito do indivíduo em idade escolar, sendo também uma poderosa força que direciona e determina o destino de todo o seu desenvolvimento mental.

O processo de formação de conceitos cotidianos é “ascendente”, surgindo impregnado de experiência, mas de uma forma ainda não-consciente e ascendendo para um conceito conscientemente definido; os conceitos científicos surgem de modo contrário, seu

movimento é “descendente”, começando com uma definição verbal, com aplicações não

espontâneas e, posteriormente, podendo adquirir um nível de concretude, impregnando-se na experiência.