• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I DO LIVRO LITERÁRIO À TELA DA T

CAPÍTULO 2 PERCURSO METODOLÓGICO

2.5. Trabalho de Campo: garimpando informações

O primeiro momento da presente pesquisa foi a coleta dos dados que se efetivou através do trabalho de campo realizado com um grupo de 17 estudantes do terceiro ano do Ensino Médio da Escola Estadual Francisco Ivo Cavalcante e sobre o corpus de uma minissérie. No grupo, exploramos a prática de leitura da narrativa televisual, sustentada na Teoria da Estética da Recepção e do Efeito Estético e na combinação de um conjunto de técnicas, de modo que cada uma pudesse ser explorada, nos auxiliando a desenvolver estratégias que permitissem uma melhor interpretação e compreensão do texto analisado.

A escolha de nossos instrumentos técnicos pode ser entendida por analogia às variações de enquadramentos e angulações realizadas pelas câmeras na produção de uma imagem, conotando-lhe múltiplos sentidos. O trabalho de campo com o grupo de alunos combinou uma série de procedimentos técnicos. Realizamos entrevistas individuais com a vice-diretora da Escola e a coordenadora pedagógica, aplicamos um questionário com perguntas semiestruturadas, enfocando a preferência dos alunos pelos programas da televisão e a técnica da observação etnográfica, que permitiu o registro das ações e reações dos participantes durante o desenvolvimento da pesquisa.

O corpus da pesquisa foi constituído pela gravação, em DVD, da microssérie Hoje é dia de Maria, primeira jornada, composta de oito episódios. Escolhemos esse programa de ficção por sua produção inovadora, por fugir da padronização das minisséries, por ser um trabalho de qualidade artística, pela sutileza criativa, densidade de conteúdo e por ser, na época, o ano de 2005, considerada uma das melhores do ano, recebendo o prêmio da crítica da Associação de Críticos de Arte, o hors concours da Mídia Q e a indicação como finalista do 57º Emmy Internacional Awards, para melhor produção de TV, de acordo com a matéria da Ilustrada, do jornal Folha de São Paulo, de 1º de janeiro de 2006.

Selecionamos a primeira jornada por consideramos a temática infantil mais interessante e por sua produção ter sido considerada pela crítica esteticamente melhor, voltada para o público infanto-juvenil, muito embora seu conteúdo e o horário de exibição não fossem compatíveis a essa faixa etária. Além disso, trouxe a vantagem de dramatizar

certos valores afetivos capazes de recuperar a emoção das fábulas. Conta a saga de uma menina que perde a mãe e vive entre as maldades da madrasta e o desajuste emocional do pai, provocado pela bebida. Protegida por Nossa Senhora, ela foge de casa e enfrenta as artimanhas do demônio, e, apesar da árdua travessia, Maria não desiste de buscar seu caminho em direção às franjas do mar. A primeira jornada mexe mais com a imaginação, uma história na qual o fio condutor é a infância carregada de sonhos, levando para a tela uma das coisas imponderáveis da narrativa: o maravilhoso.

O programa está registrado em suporte DVD, com produção e realização da Rede Globo de Televisão e Som Livre. Conforma-se em um estojo contendo três discos com a gravação das duas jornadas, totalizando nove horas e vinte e seis minutos, um livreto de postais destacáveis com anotações e entrevista do diretor da minissérie Luiz Fernando de Carvalho. A comercialização está sob a responsabilidade da Globo Marcas. Os dados coletados resultam da leitura e interpretação da microssérie Hoje é dia de Maria, exibida em um aparelho de televisão de 29 polegadas, com som ambiente, distribuído por quatro caixas interligadas e dispostas em pontos diferentes do miniauditório da escola estadual Francisco Ivo Cavalcante. O registro dos dados se deu através da videogravação, com duas câmeras digitais, modelo GS 300, 3CCD – Mini-DV, marca Panasonic. Utilizamos um computador PX 2000 e o programa de gravação de imagens Nero para copiar em discos de DVD todo o processo de leitura e mediação, totalizando 20 DVDs analisados.

Daí estabeleceu-se uma situação de interação que normalmente se cria na pesquisa qualitativa entre o investigador e os sujeitos da investigação, que, antes de ser considerada um erro, deve ser vista, na nossa visão, como uma fonte de informação, pois ela é responsável pela cultura da pesquisa que se instala em cada contexto empírico. Notamos que é importante a relação interativa entre os participantes – pesquisador e pesquisados –, porque, dessa maneira, conseguimos entender o nível de envolvimento dos alunos em suas relações com a televisão e o mundo da microssérie.

Um resultado importante deste trabalho é poder dizer que a situação de interação que se criou com o grupo foi específica e acabou por constituir-se em um esquema de comunicação interpessoal, usado pela pesquisadora para organizar sua interação, sentir até onde podia avançar nas conversas e discussões. Situações espontâneas ocorreram, esperadas ou não. Esse esquema foi sendo consolidado através da situação de interação, em que estavam em jogo desde características de personalidade dos agentes envolvidos até a cultura individual encontrada. Essa relação facilitou na condução dos questionamentos

acerca da compreensão do texto televisivo, contribuiu da mesma forma para instaurar um clima de espontaneidade dos alunos em se expressar diante das câmeras instaladas na sala de aula.

Podemos dizer que ficamos no campo o tempo suficiente que nos permitiu alcançar o grau necessário de proximidade/distanciamento de forma a facilitar a convivência entre a investigadora e o informante e a permitir comportamentos mais livres e recíprocos, embora, temos que admitir, houve variação na participação dos alunos nessa relação. Alguns se mostraram mais interessados e participativos, enquanto outros se revelaram um pouco mais dispersos no momento da exibição do texto, demonstrando certa desatenção ao conteúdo. O que queremos destacar com isso, é que, na pesquisa, os diferentes tipos de situações podem ocorrer sem que isso venha alterar a validade da investigação. São perfeitamente admissíveis as controvérsias, fazem parte de um espectro ampliado de possibilidades o qual a pesquisa deve encarar como sendo implicações epistemológicas que acabam por derrubar alguns mitos, como o da objetividade da relação sujeito-objeto nas pesquisas e, principalmente, do caráter natural dos dados que se reúnem.

É bom lembrar que é privilégio da pesquisa qualitativa promover a convergência de técnicas no trabalho de campo e no tratamento dos dados, o que nos permitiu fazer uma exploração metodológica para a pesquisa da prática de leitura das narrativas televisivas. Outra questão que atribuímos à metodologia qualitativa é o enfrentamento na questão da subjetividade dos dados e que para encará-lo precisamos objetivá-los, ou seja, levá-los à

condição de dados de confiança e de afirmação através de um processo de “saturação de sentidos” de um fato, ou melhor dizendo, fazendo o informante retornar ao fato através de

outro ponto de vista. A combinação de técnicas na pesquisa nos permitiu obter um rico material empírico, denso e multifacetado, concretamente refletido pelos discursos dos sujeitos.

Como as técnicas foram agrupadas para dar muitos sentidos à recepção, vamos expor, sumariamente, como cada uma foi usada no trabalho de campo:

2.5.1. Entrevista

Aplicamos essa técnica, para estabelecer uma espécie de aquecimento nas relações entre pesquisador e a instituição escolar, abrir canais de comunicação entre os agentes envolvidos na investigação, coletar informações sobre a escola, no sentido de poder

descrever a ecologia daquele contexto educacional. Conforme o diário de pesquisa, fizemos o primeiro contato com a Direção daquela instituição de ensino no dia 10 de setembro de 2009, momento em que apresentamos o projeto de pesquisa e os oito planos de aulas contendo os conteúdos programáticos que seriam aplicados em sala de aula durante o tempo da pesquisa. As propostas foram entregues para avaliação. No prazo de sete dias, recebemos o aval para iniciar o projeto de investigação.

No dia 18 de setembro de 2009, realizamos a entrevista com a vice-diretora da Escola Estadual Francisco Ivo, professora Nancy da Silva, de quem recebemos as seguintes informações: a escola possui 22 salas; quatro laboratórios, sendo dois de ciências e dois de informática; um miniauditório, com telão, projetor de vídeo, TV de 29 polegadas, aparelho de DVD e som ambiente; uma biblioteca; uma videoteca; ampla área de recreação; e cantina. Além disso, escola dispõe de 80 professores, 1.600 alunos, funciona nos três turnos, com 11 turmas do terceiro ano do ensino médio, sendo seis à tarde e cinco à noite.

A situação de entrevista é marcada por um crescimento na inter-relação que permite o acercamento a questões de maior privacidade. Assim, pudemos, após o reconhecimento inicial do ambiente escolar, entrevistar a coordenadora pedagógica, professora Cecília Barbosa, que falou, em linhas gerais, sobre o sistema de ensino adotado pela instituição quando da reformulação de seu projeto pedagógico. A professora assevera que “essa escola foi pioneira na implantação do sistema de ensino semestral, no qual as disciplinas são distribuídas por semestre, com aulas em bloco de 90 minutos cada. O projeto pedagógico dessa instituição, implantado desde 2006, foi desenvolvido para atender às necessidades do aluno do turno noturno e visa melhorar a qualidade do ensino e minimizar a evasão

escolar”. Em 2010, a Escola Estadual Francisco Ivo vai implantar os cursos técnicos

profissionalizantes e, conforme a professora Cecília Barbosa, “está prevista uma evasão do terceiro ano do ensino médio para esses cursos que, de certa forma, vão garantir uma

formação específica, possibilitando ao aluno a entrada no mercado de trabalho”.

As entrevistas não-estruturadas prepararam o caminho para a realização da pesquisa, quando recebemos a aprovação para iniciar a investigação na disciplina de Língua Portuguesa, na turma do 3º ano B, do turno noturno, no horário de 19h às 20h30min, com 90 minutos disponibilizados ao trabalho. O tempo destinado à pesquisa foi disponibilizado pelo professor de Língua Portuguesa, José Fernandes, que cedeu sua turma e seu horário de aula para o desenvolvimento das atividades investigativas. O horário designado foi distribuído da seguinte maneira: 15 minutos para uma breve explanação

sobre um tema introdutório a cada aula, totalizando oito planos de aula, com vistas a ampliar o conhecimento dos alunos sobre televisão, literatura, narrativa, linguagem televisiva e leitura, para facilitar a interpretação da narrativa. Reservamos 45 minutos, tempo de duração de cada episódio, para a exibição e leitura de Hoje é dia de Maria, e, os 20 minutos restantes, para a mediação, comentários e críticas relacionadas ao texto televisual.

2.5.2. Questionário de Sondagem

A finalidade dessa técnica foi a de prospectar o gosto dos alunos sobre a programação da televisão aberta no Brasil, suas preferências televisuais, abastecendo-nos, dessa forma, de um instrumento mais objetivo, como é o questionário. A intenção foi perceber o porquê e o modo como os alunos escolhem os programas na tevê, como se apropriam de bens simbólicos que contribuem para a estruturação de suas características subjetivas. A inspiração metodológica do questionário de sondagem foi gerada com o objetivo de obter dados capazes de subsidiar a nossa interpretação com respeito às estratégias de escolha do receptor na TV.

Em outros termos, os dados sobre as preferências dos alunos na audiência dos programas televisivos permitiram fundamentar a lógica do consumo da mídia televisiva, que está na base de importantes transformações ocorridas no cotidiano das pessoas. Ainda, e talvez mais importante, a lógica do consumo possa revelar uma espécie de racionalidade receptiva quanto à decisão por um determinado produto, em face da programação ser montada em um continuum de formatos, gêneros e horários de consumo, em um arranjo híbrido, por vezes surpreendente. Nele, o receptor inscreve diferentes sentidos. Conforme as reflexões apresentadas, estruturamos o questionário de sondagem com os seguintes tópicos: 1) gosto pela televisão, 2) programas, 3) formatos, 4) entendimento das narrativas, 5) tempo diante da TV e 6) horário de exibição.

2.5.3. Observação Etnográfica

Adotamos essa técnica para analisar a capacidade interpretativa do receptor diante de uma mensagem estruturada na linguagem televisiva, em que sua composição depende, necessariamente, do conhecimento de três códigos que se articulam para formatar o texto.

Para nós, resultou útil adotar a técnica de viés etnográfico no trabalho de campo, para podermos captar o ponto de vista dos membros do grupo, não observando apenas, mas considerando suas opiniões como elementos de análise na investigação.

Por que observar? Entendemos que a constante permanência das câmeras de TV no ambiente, como um observador a mais, poderia acarretar estranheza e causar alterações no comportamento dos receptores, transformando-se em um obstáculo à naturalidade dos fatos desenvolvidos no ambiente da sala de aula. Portanto, a adoção da observação passa a ser importante, pelo fato de que a análise feita é de cunho essencialmente qualitativo, necessário para alcançarmos resultados mais representativos de como as subjetividades do grupo podem estar refletidas no ambiente. Além disso, consideramos que a observação é uma poderosa ferramenta a nos auxiliar nessa complexa tarefa investigativa.

Utilizamos o princípio da observação discreta, nossa postura foi o menos intrusiva possível, para não interferir na prática de leitura dos alunos. Daí, verificamos que um dos instrumentos que forneceu suporte à observação foi o diário de campo, que representou o registro dos dados que chamam a atenção do pesquisador e as anotações são feitas à medida que os fatos são observados. O relato foi feito não apenas do que pode ser visto, mas também do que foi sentido. No nosso caso, passamos a acompanhar desde a chegada dos alunos à sala de aula, sua conformação nas cadeiras, sempre preferindo as poltronas da segunda e terceira fileiras e, quando solicitados para ocupar as primeiras, alegavam que, sentados na frente, poderiam aparecer com mais defeitos nas gravações. Passamos aos poucos a entender o que devia ser dito, o que devia ou não ser feito, o que era motivo de risos, e essa compreensão auxiliou na produção dos resultados.

Dificilmente a observação consegue ser realizada em período integral, em todos os horários. Como esse foi o nosso caso, experimentalmente, efetuamos algumas observações nos mesmos horários, por ocasião da leitura propriamente dita do texto, quando todos estavam atentos à tela da TV e, posteriormente, no momento após a leitura, quando da discussão e reflexão sobre o texto. Ambos se revelaram úteis, por diferentes motivos: a manutenção dos horários se tornou útil para revelar acontecimentos cíclicos, como o pedido de silêncio sempre quando um colega falava alto no momento da exibição da minissérie; enquanto o procedimento de variar os horários foi útil para aumentar a amplitude temporal da pesquisa. Por exemplo, em diferentes momentos, a presença ou ausência de um ou mais alunos, ensejava situações diferentes para a observação.

Para que a observação não fosse feita somente em função de uma descrição de eventos, ao sabor de cada situação, procuramos estabelecer certo direcionamento, de modo a aprofundá-la, em um processo que entendemos ser uma sistematização.