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CAPÍTULO I DO LIVRO LITERÁRIO À TELA DA T

CAPÍTULO 2 PERCURSO METODOLÓGICO

2.8. Universo da Pesquisa

2.8.1

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Ecologia da Escola

Escolhemos a Escola Estadual Francisco Ivo Cavalcante como universo de nossa pesquisa, principalmente, por ser a primeira escola pública a desenvolver um projeto pedagógico para atender ao alunado do ensino médio noturno. Portanto, revelou-se imprescindível caracterizar esse espaço de ensino e aprendizagem, buscando discernir o que era importante para a nossa investigação. Mantivemos um primeiro contato para apresentação do nosso projeto de pesquisa, que tem como objetivo geral investigar as estratégias cognitivas, na articulação de elementos didático-pedagógicos, no processo de mediação em sala de aula, para promover a compreensão dos interlocutores sobre as narrativas televisuais.

Optamos, neste estudo, por desenvolver o trabalho empírico no contexto da sala de aula, assumindo a ação pedagógica como condição de elaboração da prática de leitura das narrativas televisuais, na disciplina de Língua Portuguesa, por se tratar de uma investigação que tem, como objeto de estudo, um texto literário televisual. Diferente do que ocorria anteriormente, quando havia uma disciplina específica para o estudo da Literatura nas escolas, o Ministério da Educação, por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s –, determinou a incorporação do conteúdo programático de Literatura à disciplina de Língua Portuguesa.

Por essa razão, e por se tratar de uma investigação que tem como objeto de estudo a prática de leitura de um texto literário televisual, decidimos realizar nossa pesquisa na disciplina de Língua Portuguesa, com a prática de leitura da imagem, mesmo que esta

atividade não seja recomendada pelos PCN’s de Língua Portuguesa do ensino médio.

A questão que se colocou frente a essa opção foi o do encaminhamento da vivência experimental da mediação pedagógica, que é o espaço próprio do professor na relação de ensino. O caminho pelo qual buscamos viabilizar essa vivência experimental das situações foi a de atuar em comum acordo com o professor, a quem entregamos os oito planos de aula (ver anexo) contendo os conteúdos programáticos aplicados em sala de aula por ocasião do estudo dos temas introdutórios. Os planos foram aprovados pela direção da instituição escolar e entregues ao professor de Língua Portuguesa, João Fernandes. Para que essa convergência de interesses se explicasse, foi necessário o contato direto do

professor de Língua Portuguesa, pesquisador e a direção da Escola, com os alunos a quem apresentamos e discutimos o projeto e a conveniência de desenvolvê-lo nos moldes propostos.

Escolhemos trabalhar com alunos da terceira série do ensino médio dessa instituição educativa, tendo em vista que esse período marca a conclusão da escolarização formal e a perspectiva de entrada na Universidade e, por essa razão, estariam mais preocupados com suas qualificações profissionais. Além disso, há de se considerar que a maioria dos alunos dessa série está inserida no mercado de trabalho, o que possibilita melhor compreensão das relações de produção que caracterizam a estrutura social na qual estão inseridos.

Em face dessa articulação, mas do que elaborar procedimentos de intervenção ou anotações no diário de pesquisa, a pesquisadora, junto aos alunos, passa a planejar as atividades a serem desenvolvidas, tendo como horizonte comum os princípios teórico- metodológicos assumidos neste estudo.

Nesse processo, as propostas elaboradas constituíram-se, a um só tempo, em procedimentos pedagógicos, momentos de aprendizagem, de leitura, de interlocução, de análise e reflexão. Através de dois encontros que mantivemos para a análise a respeito do desenvolvimento dessas propostas, fomos planejando as etapas seguintes, em um redimensionar constante do próprio processo em curso.

No primeiro momento do procedimento, a ênfase recaiu sobre a leitura/interpretação da minissérie; no segundo, destacou-se a mediação pedagógica, intencionalmente organizada, para facilitar a compreensão do texto. Levando-se em conta essas considerações, o processo de pesquisa foi marcado por decisões, que implicaram, ainda, trabalhar com prazos estabelecidos pela escola, aceitar a disponibilidade do espaço e equipamentos cedidos pela instituição escolar.

2.8.2.. O Trabalho com o Grupo

Nos primeiros contatos com os alunos foi difícil fugir de uma postura expositiva em relação a alguns pontos do projeto, pela necessidade que tivemos de explicitar o processo investigativo, de modo a esclarecê-lo sob a proposta de elaboração conjunta, a necessidade de um vínculo que permitisse a construção de um espaço interativo de expressões das motivações, interesses que nos envolvia na atividade de pesquisa. Explicamos que isso

implicava em um confronto entre nossos saberes, formas de observar e interpretar cada fio que compõe o tecido textual a ser analisado. Colocamos as nossas concepções de ensino e aprendizagem, no sentido de estabelecer uma relação de respeito e, sobretudo, de compromisso com os objetivos propostos.

O grande desafio foi fazê-los aceitar e entender as concepções do outro, esperar o movimento do outro, o seu tempo de elaboração, e a respeitar as elaborações desse outro. Empreendemos esforços para amenizar a tentação de um impor ao outro o caminho que parecia ser melhor. Adotamos o diálogo aberto, no qual explicitamos os nossos pontos de vista, sempre a partir da análise das situações percebidas. Encontramos, assim, uma forma de equilíbrio para evitar conflitos. Certificamo-nos de que esse primeiro momento era de acertos de passos, todas essas constatações foram direcionando novos rumos ao trabalho, que passou a se desenvolver com uma nova dinâmica, principalmente, a partir das interações entre os sujeitos que o constituem.

O grupo de estudo era formado por 17 jovens, maioria deles exerce atividades remuneradas, pois contribuem para a renda familiar, com idade que varia de 17 a 31 anos, com exceção de uma aluna com 51 anos que, após um longo período afastada da escola, resolveu retornar com perspectivas financeiras. São moradores da Zona Norte da cidade do Natal, capital do Rio Grande do Norte, e acalentam um desejo de poder, através dos estudos, melhorar suas condições de vida.

Alguns chegam a revelar suas trajetórias de dissolução familiar, outros associam, em uma sequência temporal de imagens, as dificuldades que passaram para sobreviver, os caminhos áridos que percorreram para conseguir estudar. Notamos, contudo, que, apesar de todos os confrontos, havia uma disposição em aproveitar o espaço da sala de aula para aprimorar os conhecimentos, comportamento revelado pela seriedade com que encaravam as atividades e, mais que isso, o interesse demonstrado, a participação intensa, mostrando que estavam dispostos a investir no progresso pessoal.

Para a exibição dos oito episódios da microssérie, aproveitamos o espaço da sala de vídeo da Escola Estadual Francisco Ivo, um pequeno auditório contendo 60 poltronas, dispostas em fileiras, com uma mesa ao centro, um aparelho de DVD acoplado a uma TV 29 polegadas, afixada na parede, com som ambiente disposto em pequenas caixas acústicas, distribuídas por toda sala, servindo para ampliar o áudio da minissérie e a voz da mediadora, no momento em que realizava a intervenção. Dispondo dessa arquitetura,

fizemos o reconhecimento da área a ser utilizada como cenário das gravações das sessões de leitura da microssérie em estudo.

A equipe técnica, composta de quatro pessoas e a pesquisadora, que assumiu a função de diretora geral, demarcou os espaços para colocação das câmeras, iluminadores e microfones, compondo, dessa maneira, a ambiência apropriada para a realização da prática de leitura do texto televisivo no contexto escolar. Realizamos um teste com os equipamentos, verificando quais os melhores ângulos e posições para as câmeras, iluminação e microfones. Tudo aprovado pela equipe técnica e funcionando a contento.

No primeiro dia, a equipe chega à locação – local das gravações –, às 18h, para montar e testar os equipamentos que seriam utilizados na videogravação. A produção redistribuiu as poltronas em fileiras mais próximas, em função da localização do aparelho de TV, colocado sob uma plataforma em formato de uma grade de ferro do lado direito da sala. Portanto, os alunos precisavam se concentrar na mesma posição para assistir à minissérie. Utilizamos dois iluminadores de 1000 watts, de tripé, e mais um iluminador de 1000 watts, portátil, que ficou posicionado no chão, na direção dos estudantes, focando de baixo para cima, produzindo contraluz.

A coleta de dados baseou-se no procedimento conhecido por autoscopia, que, segundo Leite e Colombo (2006), consiste na gravação audiovisual do contexto de sala de aula a ser estudado. Para a gravação das imagens, esboçamos um planejamento que permitiu a instalação de uma câmera digital, modelo GS 300 – mini DV – marca Panasonic (CAM 1) para enquadrar, em posição frontal, os alunos sentados e a mediadora, de costas, compondo um contraplano. Essa mesma câmera era utilizada tanto no tripé, quanto manualmente, se deslocando em movimentos por toda sala. A segunda câmera, da mesma marca (CAM 2), foi posicionada no final da sala, por trás dos alunos, para enquadrar, em ângulo frontal, a mediadora e os alunos sentados nas poltronas, de costas. Para a gravação do áudio, usamos um microfone do tipo direcional, acoplado ao aparelho de DVD, que propagava a voz da mediadora através das quatro caixas acústicas dispostas em pontos diferentes da sala.

A gravação das falas dos estudantes foi realizada através de um microfone do tipo omnidirecional, capaz de captar sons de todas as direções, mais conhecido como microfone girafa, por ser fixado em um pedestal com uma haste bastante longa, na qual o microfone é colocado, se mantendo fixo em um lugar determinado, podendo ser direcionado, dispensando a presença de alguém para manuseá-lo. Por essa razão, a pesquisadora,

juntamente com a equipe técnica, posicionou o microfone a uma certa distância da turma, permanecendo apenas direcionado para a captação dos sons emitidos pelos integrantes. Observamos que a posição adotada não só facilitou a captação das vozes como proporcionou um clima de tranquilidade diante do microfone. Embora nas duas primeiras sessões os alunos tenham demonstrado certo receio, traduzido como inibição, isso não chegou a ser um impedimento na emissão dos comentários que passaram a ser feitos com mais naturalidade no decorrer das sessões.

Durante o período de dois meses, correspondentes à recepção de Hoje é dia de Maria, os alunos estiveram comprometidos com as atividades propostas, o questionário aplicado em sala, o conteúdo exposto através dos temas introdutórios e a leitura do texto televisual. Participavam com intervenções, questionamentos, expressando seus pontos de vista, além das discussões relativas à leitura do texto, momento em que as vozes se cruzavam.

À medida que a rotina foi se definindo ao longo da pesquisa, observamos maior espontaneidade dos alunos em expressar suas apreciações acerca do que haviam compreendido, assim como maior familiaridade com as câmeras, o que possibilitou um universo de sentidos muito mais amplo. As interações aumentavam a troca de informações frente aos temas gerados pela leitura, possibilitando aos interlocutores um exercício analítico, uma tomada de consciência e compreensão da complexa atividade mental que é a leitura.

Percebíamos que, em cada sessão de leitura, como os pontos de vista se ampliavam, como as argumentações eram elaboradas com mais teor, como os conteúdos foram aos poucos sendo ressignificados e como os conceitos, por exemplo, de Bem e Mal emergiam e as articulações entre eles eram produzidas. Com isso, conseguimos verificar que os sentidos iam sendo compartilhados e confrontados na interlocução. Nesse percurso, víamos as formas de elaborações crescerem e tornarem-se mais consistentes, evidenciando os conhecimentos dos alunos a respeito da realidade nordestina retratada na narrativa analisada.

O grupo demonstrou conhecer bem o mundo da televisão – todos os membros possuem aparelho de TV e DVD –, em uma demonstração de familiaridade com os diferentes produtos oferecidos por esse veículo, considerado dos mais significativos. Em um diálogo que mantivemos no primeiro encontro com os alunos, percebemos que, ao falar sobre TV, eles apresentavam as marcas deixadas pela influência desse meio, seja através

das imagens, seja através dos enunciados discursivos. Dentre os diversos produtos consumidos, destacavam-se as produções ficcionais seriadas, com ênfase para as telenovelas e minisséries. Isso revela o fenômeno cuja principal característica é a de desencadear o processo simultâneo de representação e incorporação das relações sociais. O grupo se insere nas experiências culturais compartilhadas, o que não significa consenso de sentido. A partir daí, podemos vislumbrar a noção da dimensão cultural do grupo, o potencial de cada membro, para analisar o mundo e suas relações no contexto da cultura, pois sabemos que o desenvolvimento e a condição de sujeito são dados pela cultura.

Porém, devemos levar em consideração que em uma sociedade em que o mercado e a tecnologia têm lugar privilegiado, esse sujeito é apenas suporte de valor; só alcança o sentimento de ser alguém se for capaz de apropriar-se de produtos e bens de consumo. O reconhecimento é obtido na proporção do poder de aquisição e acumulação de quantidades de instrumentos tecnológicos, de bens culturais e de informação.

3.4.3. Descrevendo o Produto

Hoje é dia de Maria é um produto televisual delineado especialmente para o chamado horário nobre, em alusão aos 40 anos da Rede Globo. A minissérie foi gravada em um grande domo de 1.700 metros quadrados de comprimento por 10 metros de altura, que circundava toda a extensão da cúpula, o antigo palco onde foi realizado o Rock in Rio III. O espaço com formato circular foi reciclado para essa produção, o que permitiu uma cenografia em 360º, em virtude da sua construção esférica, buscando a representação do mundo, ou dos mundos. O propósito é refazer esse espaço visual do futuro próximo e imediato, quase ilimitado, com a ampliação do campo visual, principalmente dos planos sequências, realizados através de longos deslocamentos da câmera no set de gravação e, também, pelas perspectivas sempre projetadas no fundo da cena.

O painel é resultado do trabalho do artista plástico, Clécio Régis. Ao todo foram 25 profissionais que trabalharam para montar as 48 toneladas de estrutura de aço e os 5.800 metros quadrados de lona da cobertura, que tinha 54 metros de diâmetro por 26 metros de altura. A produção exigiu atenção redobrada com a acústica, solução alcançada com a colocação de 3.000 metros quadrados de painéis acústicos, suspensos na parte superior. Foram usados 420 refletores reciclados do antigo teatro Fênix, pertencente à Rede Globo, e mais quatro focos de luz, pelos quais se deslocava o refletor de 20 mil watts que, às vezes,

representava o sol. As paisagens desenhadas para a microssérie e os bonecos produzidos e manejados pelo grupo teatral mineiro Giramundo, tornaram o ambiente onírico, como que

saído de um sonho. Vai do falso ao “verdadeiro”. O clima é fabular, as falas são recitadas,

assim, Maria se move em um universo de fábulas e mitos, brasileiros e universais. A profusão de referências é enorme, vão de Câmara Cascudo, Silvio Romero a Villa lobos. A pequena Maria faz-se protagonista de um arquétipo comum da humanidade, a viagem,

presente desde a “Odisséia” de Homero.

Para essa produção foram criadas 60 marionetes, em forma de animais. Os bonecos eram movimentados por fios e varas e tinham de seis a nove centrímetros de altura. Eram produzidos em madeira, ferro e tecido e fabricados pelo grupo teatral Galpão, de Minas Gerais. A microssérie contou, ainda, com a participação de artistas de circo, índios Xavantes oriundos de Mato Grosso, rabequeiros de Pernambuco, um grupo de reisado de Duque de Caxias, cirandeiros de Parati e dançarinos do grupo de umbigada paulista, entre outros. A trilha sonora, assinada por Tim Rescala, foi concebida a partir das cirandas de Villa Lobos, Guerra Peixe e Francisco Mignome. Os figurinos tiveram entre seus criadores o estilista de vanguarda Jun Nakao.

Os efeitos de luz são explorados desde o início. Atribuímos à iluminação a função de criar a atmosfera adequada para as cenas e dar profundidade às imagens. Percebemos alguns gestos através da silhueta do corpo. Imagens em close, tomada focalizando o rosto, aliadas à técnica do campo e contracampo, provocam uma mudança de perspectiva, dando- nos a dimensão dos sentimentos dos atores envolvidos nas ações dramáticas. Os cortes, ou seja, mudança de uma cena à outra, coincidem com as falas dos personagens. A música dá o tom emocional da cena e nos prepara para o encontro dos personagens; tocada suavemente, acompanha os movimentos das câmeras, que foram: panorâmica, que é o movimento que a câmera realiza da direita para a esquerda, intercalados com travelling, que é o movimento que a câmera faz sobre trilhos, acompanhando o personagem em ação, em movimentos de avanço e recuo, atribuindo outro caráter temporal. Tudo isso cria um clima mágico em torno dos personagens e os elementos, assim articulados, dão o tom romântico à cena.

2.8.4. O Elenco

A equipe de atores e atrizes da minissérie reuniu nomes reconhecidos da teledramaturgia brasileira. No elenco principal: Carolina Oliveira, Fernanda Montenegro,

Osmar Prado, Letícia Sabatella, Rodrigo Santoro, Daniel de Oliveira, Ricardo Blat, Emiliano Queiroz, Inês Peixoto, Thainá Pina, Antonio Edson, André Valli, Luis Damasceno, João Sabiá e Gero Camilo.

O elenco de apoio contou com Rodolfo Vaz, Juliana Carneiro, Leandro Castilho, Laura Lobo, Marcos Ricca, Nanego Lira, Ilya São Paulo, Aramis Trindade, Mônica Nassif, Rodrigo Rubik, Denise Assunção e Charles Fricks. O elenco principal e o de apoio contaram com trinta atores, além dos figurantes e os profissionais técnicos.

2.8.5. Trama: “Terras de lonjura, perto das franjas do mar”

Luiz Fernando de Carvalho é conhecido por seu universo ficcional. Seguindo a mesma linha de outras propostas em trabalhos anteriores, criou um cenário que

representasse, com fidelidade, a realidade nordestina (“Nesse sertão o sol é sempre escaldante, a população vive os mesmos problemas de todos os nordestinos”). Conta a saga

de uma menina órfã de mãe que resolve sair caminho afora em busca das franjas do mar. É uma fábula, conto de fadas, poesia, fantasia, tudo vai depender das asas de sua imaginação. É uma viagem, a um só tempo poética e trágica, da inocência de uma menina rumo à maturidade e às descobertas da vida moderna com tudo que ela contém.

É uma narrativa que mergulha na cultura universal e nos propõe um jogo com a imaginação. Tudo foi um sonho? Nada aconteceu? Depende do seu coração. Na dureza do trabalho, do desemprego, no sofrimento, na violência, contudo, no aconchego do lar, na poesia, na simplicidade, na gentileza, na amizade, existe Maria. Tudo nos faz relembrar os contos de fada, as histórias contadas pelos nossos avós. A cultura popular, elementos do folclore pulsam com força em Hoje é dia de Maria. A protagonista é o elo articulador do fluxo narrativo, um signo dogmático que conecta as partes envolvidas, estabelecendo entre elas algo em comum, um parâmetro mínimo de semelhança capaz de iniciar um processo de ordenação.

Maria, interpretada por Carolina Oliveira, é uma criança simples que por motivo dos maus tratos da madrasta, resolve sair de casa e, com isso, há uma desestruturação na família, fazendo com que o pai, interpretado por Osmar Prado, fique deprimido e desestimulado e, com isso, pare de cuidar da roça e dos animais. Para piorar essa situação, dois fatos contribuem para a trágica condição da personagem: ela é agredida sexualmente

pelo próprio pai, quando sob o efeito da bebida, e quando passa a ser tratada como serviçal por sua madrasta, interpretada por Fernanda Montenegro.

Diante desta situação, Maria, de posse de sua chave, dada por sua mãe antes de

morrer, foge de casa em busca de um tesouro que está lá nas “terras de lonjura, perto das franjas do mar”. Para tanto, precisa passar pela “terra do sol a pino”, lugar onde o sol nunca se põe, lugar que “seca bicho, homem e menino”. Durante sua trajetória há sempre

algo no meio do caminho, que faz com que seu percurso seja repleto de surpresas e desafios. Nele encontra Zé Cangaia, interpretado por Gero Camilo, o amigo que vendeu

sua sombra à “coisa ruim”, o demônio; os executivos, interpretados por Charles Fricks e

Leandro Castilho, que trabalham como espancadores de cadáveres de pessoas que ficaram devendo dinheiro em vida; além dos irmãos saltimbancos, Quirino, vivido por Daniel de Oliveira como intérprete e Rosa, interpretada por Inês Peixoto, que vivem de vilarejo em