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O Behaviorismo como um Marco Histórico

Bower e Hilgard descrevem o sistema skinneriano como “um behavioris­ mo zeloso” (Bower & Hilgard, 1981, p. 169), insinuando tanto uma definição unitária de behaviorismo, como um continuum que se estende do behavio­ rismo forte, em um polo, ao behaviorismo fraco, no outro. Skinner aparece no extremo forte desse continuum, de acordo com a descrição de Bower e Hilgard, embora não fiquem claras quais características do seu sistema o torna um behaviorismo zeloso.

O presente capítulo chamou a atenção para as diferenças fundamentais entre o behaviorismo radical e alguns dos teóricos, cujos trabalhos tradicionalmente são colocados como as “principais abordagens” do rótulo chamado Behavioris­ mo. Pavlov e Watson se preocuparam com os estímulos eliciadores e as respostas inatas e são caracterizados corretamente como psicólogos S-R. Tolman e Hull compartilham um interesse em cadeias de acontecimentos causais ligando o input e o output (embora seus acontecimentos mediadores tenham um caráter diferente), e são considerados corretamente como psicólogos S-O-R. Tolman se mantém separado de Pavlov, Watson, Hull e Skinner pelo apelo a conceitos cog­ nitivos, tais como expectativa e mapas cognitivos e, assim, deu a liderança para a psicologia cognitiva contemporânea. Em certo sentido, o sistema de Pavlov é também mediacional, convencido como estava de que seu trabalho lançava algu­ ma luz sobre o funcionamento cortical dos organismos intactos, bem como seu apelo ao sistema nervoso é uma característica compartilhada com o sistema de Hull (embora não se deva insistir muito vigorosamente neste ponto, desde que a extensão à qual ambos apelam ao sistema nervoso difere grandemente). A abor­ dagem de Watson foi firmemente ancorada na visão de que o comportamento complexo poderia ser explicado como uma combinação de reflexos adquiridos, uma abordagem S-R simples, despreocupada com a mediação entre os estímulos e respostas e, neste sentido, totalmente diferente das de Pavlov, Tolman e Hull. Era diferente também da abordagem de Skinner, tanto em sua aceitação do dua­ lismo, como em sua preocupação com os reflexos ao invés dos operantes. Pavlov e Skinner compartilham a tradição da fisiologia do reflexo, bem como a dedicação ao organismo como um todo, mas diferem pelo fato que o trabalho de Pavlov dirigiu-se para os reflexos, condicionados e incondicionados, enquanto o sistema de Skinner dirigiu-se para o comportamento operante.

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O sistema skinneriano é diferente das outras tradições nos seguintes as­ pectos: (a) seu objeto de estudo é a relação mútua entre o comportamento e o ambiente, enfatizando o papel dos acontecimentos ambientais na modela­ gem e manutenção do comportamento; (b) o sistema não é mecanicista e não apela para eventos mediadores tais como as cognições ou o sistema nervoso; (c) o comportamento complexo é uma função de contingências complexas, ao invés de uma função seja de reflexos adquiridos seja de estados internos do organismo; d) o sistema rejeita as interpretações dualistas dos aconteci­ mentos privados, argumentando que a nossa consciência dos acontecimentos privados é um produto da interação social, isto é, da modelagem dos termos lingüísticos pela comunidade verbal. Especialmente em relação a esse ponto, Blackman (1991) argumenta que o behaviorismo radical tem muito em co­ mum com alguns aspectos da psicologia social e que a combinação das suas preocupações sociais e biológicas preenche a lacuna que vem dividindo tradi­ cionalmente essas duas disciplinas.

Localizar Pavlov, Watson, Tolman, Hull e Skinner sob o mesmo rótulo representa mal os seus relacionamentos, porque algum tipo de continuum ou linha comum é insinuada. O rótulo, behaviorismo, é somente útil em um contexto histórico para identificar a extrema mudança metodológica, que ocorreu na psicologia durante a primeira parte século XX. Mas não deve ser usado para insinuar uma continuidade no pensamento dos principais teóricos da equipe, porque, quando seus trabalhos são examinados de perto, torna-se claro que estavam preocupados com diferentes tipos de problemas e ofere­ ceram diferentes tipos de explicações para seus objetos de estudo. A divisão tradicional da psicologia em seis abordagens principais - Biológica, Etológica, Comportamental, Cognitiva, Psicodinâmica e Humanista - obscurece o fato de que uma quantidade muito grande de descrições, na psicologia contempo­ rânea, está baseada na estrutura científica de Tolman e Hull, a estrutura S-O- R, onde se diz que um acontecimento ambiental atinge algum sistema interno do organismo (circuito de articulação, superego, atitude, atribuição, eu, per­ sonalidade, motivação, e assim por diante) que, por sua vez, gera o compor­ tamento. A despeito de todos os seus admitidos caprichos, as formulações de Tolman e Hull continuam a prover a estrutura para a corrente principal da psicologia científica, enquanto que o behaviorismo radical e o pensamento científico contemporâneo, em outros campos, avançaram muito além das in­ terpretações baseadas nas metáforas (mecanicistas) que essa abordagem toma como fundamentais.

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Capítulo 8 BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Ciência

BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Ciência

Capítulo 9

Comentários Finais

O sistema explicativo do behaviorismo radical focaliza as relações entre a pessoa (ou outros organismos) se comportando, as condições do ambiente onde o comportamento ocorre e as suas conseqüências: o comportamento em seu contexto. Rejeita a visão dualista que divide a pessoa em comportamento e alguma outra coisa e que, conseqüentemente, trata o comportamento como a manifestação superficial de processos acontecendo em algum outro nível ina­ cessível e não observável, sendo usualmente hipotético. Os behavioristas radi­ cais consideram o comportamento como um fenômeno que acontece natural­ mente, suscetível a uma análise científica sem recorrer às confusões conceituais das concepções metafísicas ou às pressuposições filosóficas inerentes à filosofia ocidental. A validade e generalidade da abordagem vêm sendo confirmadas empiricamente, em situações de laboratório, em contextos clínicos, educacio­ nais e outros trabalhos sociais, pelas demonstrações de relações ordenadas en­ tre o comportamento e o contexto em que ocorre. A pessoa, no behaviorismo radical, é considerada um indivíduo único, uma concepção elaborada dentro das estratégias de pesquisa da análise do comportamento e, conseqüentemen­ te, dentro de suas justificações científicas. Neste sistema, as pessoas são todos indivisíveis ativos e interativos com seus ambientes, que modificam e vão sen­ do modificadas pelo contexto e conseqüências de seus comportamentos - uma concepção idêntica ao de rede de relacionamentos dinâmicos no mundo da física contemporânea, conforme a elaboração de Capra (1983, p. 32). As re­ lações entre os organismos e os seus ambientes compreendem o foco das des­ crições causais, todas expressas com termos teóricos integrativos que explicam o comportamento ao longo do tempo, sem a necessidade de elos mecanicistas entre os acontecimentos funcionalmente dependentes.

Uma visão da qual poucos psicólogos divergem é que um compromisso com o método científico continua a distinguir a psicologia da filosofia. Clara­ mente, entretanto, os psicólogos não estão comprometidos com o mesmo tipo de ciência. O compromisso de Skinner foi com uma ciência descritiva, obser­ vacional e integrativa que não requer mecanismos ou estruturas mediadoras para explicar as relações de causa/efeito; uma ciência orientada por uma visão relacional de seu objeto de estudo (contida em sua definição) e uma filosofia que não separa a pessoa em comportamento e sistema interno. Ela busca des­ crever (explicar) como as pessoas e seus ambientes interagem, o efeito que as pessoas exercem ao produzir conseqüências em seus ambientes e o efeito que

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Capítulo 9 BEHAVIOR1SMO RADICAL: A Filosofia e a Ciência

o ambiente exerce na modelagem e manutenção dos repertórios comporta- mentais. Poucos psicólogos estão comprometidos com este tipo de ciência, a maioria está comprometida com uma concepção causal contígua e seqüencial, que exige elos numa cadeia para explicar o comportamento.

A participação de Mach na controvérsia do século XIX, acerca da inter­ pretação e dos modelos causais na física, ecoou na psicologia do século XX, através das preocupações de Skinner com a ciência natural. As preocupações de Mach em relação aos sistemas explicativos mecanicistas foram, não somen­ te, muito além do status ontológico dos constructos mediadores (tais como átomos, vórtices, partículas, e outras entidades mediadoras postuladas pelos físicos daquela época), para atingir preocupações metodológicas, científicas e filosóficas mais amplas (Brush, 1968). Similarmente, os debates sobre as es­ truturas ou acontecimentos psicológicos são, na atualidade, freqüentemente confundidos por discussões ontológicas - a memória, a mente e os estados mentais em geral existem? Estes debates tomam uma nova forma quando considerados na perspectiva da filosofia da ciência. Então, tornam-se debates sobre o significado da explicação, da concepção de causa empregada e do valor pragmático das teorias e modelos teoréticos. Para parafrasear Brush (1968): “Algumas das questões científicas discutidas por Skinner não estão, de modo algum, resolvidas mesmo atualmente, sem falar das filosóficas ou metodoló­ gicas”. O behaviorismo é um movimento histórico concentrado nas preocu­ pações científicas e metodológicas e, nesse processo, promoveu mudanças em direção a métodos mais consoantes com aqueles das ciências naturais. Alguns behavioristas, entretanto, acharam impossível mover-se para além da estrutura mecanicista do século XIX. E a psicologia contemporânea continua a se basear na estrutura input-sistema-output desses primeiros behavioristas.

O behaviorismo radical pertence a uma tradição, em filosofia da ciência, que rejeita explicitamente as interpretações mecanicistas do fenômeno natu­ ral e se recusa a descrever o comportamento dos organismos, humanos e de outras espécies, através de princípios mecânicos. E somente histórica, em vez de filosófica, a sua relação com as outras tradições que compartilham o rótu­ lo behaviorismo, e não se preocupa nem com as conexões S-R dos reflexos condicionados, como os sistemas de Pavlov e Watson, nem com as estruturas mediadoras entre o input ambiental e o output comportamental, como as psicologias de Tolman e Hull. Portanto, o comentário de Eysenck “Não há dúvida de que a pesquisa contemporânea no campo da cognição representa uma forte reação contra a abordagem superficial do behaviorismo” (Eysenck, 1984, p. 20) parece agora curioso frente à reconhecida relação entre a tradi­ ção S-O-R de Edward C. Tolman e a psicologia cognitiva contemporânea. A

BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Ciência Capítulo 9

afirmação de que Skinner estava preocupado com funções input-output e a implicação de que uma crítica ao sistema de Pavlov funciona como uma críti­ ca ao sistema skinneriano também parece curiosa, considerando que Skinner divergiu da tradição pavloviana muito cedo em sua carreira. Mahoney e os outros que equiparam o behaviorismo radical com o behaviorismo de Pavlov, Watson, Tolman ou Hull, se baseiam no erro que apresenta o behaviorismo como uma unidade filosófico/metodológica, ao invés de um marco histórico. Erroneamente também, Mahoney atribui ao behaviorismo radical o mode­ lo de causa tipo-impacto-entre “bolas de bilhar” e, conseqüentemente, não tem fundamento a sua afirmação de que o behaviorismo radical “se isolou [e se atrasa] da mudança de perspectivas sobre a natureza e prática da investi­ gação científica ótima” (Mahoney, 1989, p. 1373). A maioria da psicologia contemporânea está baseada no pensamento mecanicista, uma concepção de causa linear e contígua estando, portanto, sujeita a esta crítica. Ironicamente, o behaviorismo radical não está.

Macleod (1970) equiparou o sistema skinneriano com uma doutrina newtoniana de homem, insinuando que as descrições skinnerianas do com­ portamento humano são análogas às descrições dos fenômenos físicos, for­ muladas em termos de partículas físicas interagindo. A luz dos argumentos apresentados neste livro, uma descrição deste tipo não carrega qualquer seme­ lhança com as descrições de Skinner. Não existem “partículas interagindo” nas interpretações analítico-comportamentais do comportamento. O comentário de Capra - “os behavioristas ainda aderem ao paradigma mecanicista e, com freqüência, o defendem como a única abordagem científica para a psicologia, limitando assim claramente a ciência à estrutura newtoniana clássica” (Capra, 1983, p. 181) - embora tenha sido dirigido a Skinner, certamente se aplica às outras tradições comportamentais e a grande parte da psicologia contempo­ rânea, mas não ao behaviorismo radical. Sobre a ciência newtoniana Skinner afirmou explicitamente: “Uma ciência do comportamento humano não pode ser padronizada pela geometria ou mecânica newtoniana porque seus proble­ mas não são necessariamente do mesmo tipo” (Skinner, 1938, p. 437).

E lamentável que os erros recorrentes do behaviorismo, mecanicismo e dualismo sejam repetidos nas descrições do behaviorismo radical, feitas pelos participantes do debate sobre a nova visão de mundo; lamentável porque o behaviorismo radical e a análise do comportamento têm muito a contribuir para esse debate. Sendo importante como é, de fato, para o pensamento e prática científica e com o interesse em avançar além dos muros da academia, o debate tem implicações importantes para o modo como nos relacionamos com o nosso ambiente global e para os problemas criados e padecidos pelas

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Capítulo 9 BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Ciência

pessoas. Os participantes desse debate citaram o ramo errado, na psicologia contemporânea, como exemplo daquela velha visão dualista e mecanicista de mundo, da ciência newtoniana/cartesiana. E mais, falhando em reconhecer as similaridades entre suas próprias preocupações e as de B. E Skinner, e, por confundir o behaviorismo radical como exemplo de uma visão de mundo fora de moda, também eles falham por não reconhecer a importância da filosofia de Skinner para os seus próprios argumentos. Esses comentários finais vão sugerir um resultado para o debate sobre a nova visão de mundo, que pode surpreender alguns de seus participantes.