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Explicação e Teoria: Mach

Superficialmente, o debate se centrou na questão da existência dos áto­ mos e do poder explicativo da teoria atômica, com a oposição de Mach a certos tipos e certos tratamentos da teoria atômica amplamente documenta­ dos (por exemplo, Cohen e Seeger, 1970; Feyerabend, 1970; Bradley, 1971; Blacmore, 1972). Entretanto, Laudan (1981 e) e Brush (1968) argumentam que as representações da participação de Mach no debate atômico do século XIX tendem a ignorar o contexto daquele debate, bem como as extensas im­ plicações de sua posição sobre a física teórica para a filosofia e metodologia da ciência. Laudan, por exemplo, afirma que “embora o fato da oposição de Mach às teorias atômico/molecular seja bem conhecido e amplamente cita­ do, as estratégias específicas de sua argumentação contra essas teorias foram menos exploradas e entendidas integralmente” (Laudan, 1981e, p. 202). Ele aponta que a oposição de Mach ao atomismo tende a ser representada como a “defesa nobre de uma causa perdida”. Brush também contesta essa literatura da filosofia da ciência que representa Mach como tendo “apostado no cavalo errado”, mas adverte “não podemos nos contentar em dizer que Mach estava simplesmente “certo” ou “errado” acerca de alguma questão, julgado à luz das visões modernas adotadas” (Brush, 1968, p. 193). Ao invés, a visão de Mach deveria ser colocada no contexto da teoria física do século XIX e julgada em relação a esse contexto: “Quando as afirmações de Mach sobre a teoria atômi­ ca são colocadas em seu contexto histórico, a posição de Mach se revela muito mais complexa do que como geralmente é divulgada. Além disso, algumas das questões científicas discutidas por Mach não estão de jeito nenhum resolvi­ das mesmo hoje, sem falar das questões metodológicas e filosóficas” (Brush, 1968, p. 193). O debate atômico teve implicações mais amplas para a filosofia e metodologia da ciência do que a simples questão acerca da existência ou inexistência do átomo, ou de quem está do lado certo ou errado do debate. Laudan considera que apresentar o debate em um nível superficial é ignorar a sutileza do argumento de Mach e de alguns de seus contemporâneos e, tam­ bém, ignorar a questão mais ampla das propriedades conceituais contidas em

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ou referidas nos termos explicativos (descrições) e suas relações com os fenô­ menos que se diz que explicam. O debate atômico exemplificou uma disputa mais ampla do século XIX sobre as técnicas de interpretação apropriadas na ciência física e o modelo causal a ela subjacente.

Mach estava profundamente incomodado pela ênfase de sua época na ex­ plicação atômica por duas razões. A primeira era sua preocupação com a pos­ sibilidade de que teorias desse tipo^pudessenTdesviar aTtenção doslenorTienos para cuja explicação foram inventadas, voltando-a para esses construetes-hi- potéticos inerentes à teoria em vez de dirigi-la às relações funcionais, ao]põYrto-~---^_ dessas teorias, enfim, se tornarem o foco da atenção. A segunda era por con- "sídèrar essas teorizações como tentativas de interpretar os fenômenÕsTTSrtrrais-—

conforme-sistemasmeeânieos eidescrever o mundo pensando que èlèfüTTürona como uma máquina gigantesca, cujo todo poderia ser entendido pela idefitic_ ficação de suas partes. Esse tipo de teorização pertencia à visão mecanicista-de mundo que Mach não compartilhava com alguns de seus contemporâneos. —-^EHfarízaítdo continuamente a importância da descrição, observação e in- V tegíaçã^e^^í^ncia, Mach foi hostil àsinterpretações que~ãvançavam além das descrições de dependênetas-funeionaS^NFão-eliminou inteiramente as proprie- ^ dades hipotéticas ou entidades inobserváveis 'tãiS' como átomos, mas as-consi- £ ~derava como auxílios provisórios em vez de realidades ÔhtoIógicasTpÕd^ndo— à ser admitidas como heurísticas úteis para gerar novas questões e estabelecer

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novas relações e leis. Mas, uma vez que as novas relações tenham sido estàbe- lecidas, as entidades hipotéticas em si mesmas seriam abandonadas. De início, elas seriam âncoras temporariamente úteis para elaborar a experimentação e ' sugerir novos problemas e, com o tempo, seriam consideradas como nada

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mais que “coisas do pensamento”. Laudan observa que “Para Mach, as entida-

<->^.des teóricas podem ter um papel importante, m^s inrrin.^ramente transitório

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nTHHTdrrrimTnTãl7TJÍn£ ^ z que tenham sugerido aquelas conexões empíricas

que são a urdidura e texturaHõ^r^ndimenm cieífífico, p q d ^ je r ^ s ç a jt a - <3 ' das tanro como'TinrãndiImê^esnecessário” (Laudan, 1981 e, p. 212). E tam- P bém observa que “acima de tudo, Mach enfatiza que não devemos_ confundir ^ a ferramenta com o trabalho ao pretender que o modelo faça algo mais-do que

a estabelecer relações funcionais entre os dados” (Laudan, 1981 e, p. 212). I^fra M ací^^MescriçoeFteóricas contendo entidades hipotéticas não des- ^ crevem nadando mimdòrsaõ^slmplesmente ferramentas da ciência, proviso- riamente úteis, a serem descartadas quando não mais conduzem à descõBêrfà

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de dependências funcionais. Elas permanecem no domínio hipotético e não

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adquirem status de explicações (descrições). Laudan observa que Mach não combateu a teorização atômica ou molecular até onde seu status provisório

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fosse entendido. Quer dizer, a tWr-j^é provisória enquanto continua a levar à descoberta de novas relações. Essas teoriãaçóeg/se tornam problemáticas quan­ do são elevadas à categoria de explicaçÕes^íclistinção)de Mach entre descri­ ção e explicação é, então, entre sistemas expílrattvcTs^Tntegranvos^desc^rmVos dedependências funcionais o5servaclãs, e sistemas explicativos que invocam entidades hipotéticas que estariam situadas entre essas dependências e expli- carrTsua^Trelações com^^íps^uima^adeia causapA ênfase do debate atômico FoT menos sobre a questão da existenCtã::ou não de átomos, do que sobre as técnicas de interpretação e dos modelos causais subjacentes.

Em sua introdução ao livro The Science of Mechanics (Mach, 1893/1960), Karl Menger observou que a física dos séculos XVIII e XIX sofreu com as, tentativas de explicar a gravitação apelando para entidades mediadoras: “Os 3 físicos postiilararri sorvedouros, ou tensões em meios, ou bombardeamento de corpos por partículas que cruzam o espaço aleatoriamente_e dirigem, por exemplo, uma pedra em direção à terra porque esta seria uma espécie de escu­ do da pedra, neutralizando as partículas que viriam debaixo para cima” (pp. vii-viii). A atração ou repulsão gravitacional foi atribuída a essas descrições da ação como ocorrendo através de um meio ocupado por partículas ou éter. Esse meio, hipotético e inobservável, permitia supor um momento de contato entre as partes, os elos-numa-cadeia da causalidade mecanicista. Se os eventos à distância mostram parentesco funcional (prossegue, então, o pensamento mecanicista), deve haver entre esses eventos uma seqüência de outros eventos, algum mecanismo, estrutura ou meio de conexão entre eles. E, para o meca­ nicista, é a coisa-que-está-entre que explica a relação.

Conforme foi mencionado, Mach e vários de seus contemporâneos es­ tavam profundamente incomodados com os modelos de interpretação que avançavam além das relações observadas, postulavam meios hipotéticos atra­ vés dos quais as ações ocorriam e, por isso, reduziam os fenômenos físicos a sistemas mecânicos. Assim Mach se pronunciou sobre o pensamento mecani­ cista: “A visão que torna a mecânica a base dos ramos remanescentes da física, e explica todos os fenômenos físicos através de idéias mecânicas é, em nosso julgamento, um preconceito” (Mach, 1893/1960, p. 596). Especificamente em relação às teorias atômicas, ele criticou o modo como estas mudavam com tanta freqüência da categoria de ferramentas científicas, ferramentas do pen­ samento que auxiliavam o cientista no estabelecimento de relações, para a categoria de explicações, tornando-se realidades em si mesmas embutidas nos fenômenos. Ele foi crítico também dos cientistas que, tendo criado modelos teóricos envolvendo constructos hipotéticos (tais como átomos), prosseguiam tomando os constructos em si mesmos como objetos de investigação, rele-

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gando ao básico os fenômenos que os modelos e constructos originalmente desenvolvidos deviam conectar. Ele se referiu a esses modelos como maqui­ naria intelectual e advertiu que essa maquinaria do pensamento náo deveria ser confundida com descrições do mundo real: “Uma pessoa que conhecesse o mundo somente através do teatro, se fosse colocada atrás do cenário e tivesse permissão para ver os mecanismos da ação \no palco, poderia possivelmente crer que o mundo real também necessitasse de uma sala de máquinas que, sendo minuciosamente explorada, dele poderíamos saber tudo. Similarmente, devemos também tomar cuidado caso a maquinaria intelectual empregada na representação do mundo no palco do pensamento, passe a ser considerada como a base do mundo real” (Mach, 1893/1960, p. 610).

A ênfase de Mach sobre a descrição versus explicação, uma distinção que parece para o leitor moderno uma antítese dos objetivos da ciência, na ver­ dade, é uma distinção entre diferentes técnicas de interpretação e modelos causais. Sua posição pode ser resumida como segue: a ciência é descritiva, observacional e integrativa; sua tarefa é observar e descreveF3èpFridch~cias fun­ cionais regulares e integrar essas dependências na forma de leis gerais. Apesar de aceitar o valor heurístico dos sistemas que vão além do domínio dá obser---- vação rumo ao hipotético, Mach se opôs à prática de elevar o hipotético~ao status de explicação, tendo em vista que nada está sendo descrito - os cons­ tructos hipotéticos não oferecem explicações. Ele também se opôs à prática de desviar a atenção para longe das dependências funcionais e dirigi-la aos constructos hipotéticos, tomando-os em si mesmos como realidades ontológi­ cas e como foco de investigação. Tinãlmente, Mach se opôs'ãõ~modelo causal que requer coisas-no-meio para conectar os fenômenos dependentes e suas conseqüentes visões do trabalho do universo como uma máquina gigantesca,

que seria entendida-através da separação de suas partes componentes; uma

visão-do-mundo-como-máquina.

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Para. Mach, as explicações apropriadas consistiriam em descrições dadas numa linguagem muito nivelada, compactando as propriedades conceituais e re­ lacionando-as na forma de leis gerais. As explicações inadequadas transformam as entidades hipotéticas, a maquinaria intelectual da ciência, em realidades ontológi­ cas e tentam proporcionar elos-na-cadeia-causal por meio dessas entidades.

Descrição e Relações Funcionais: Skinner

A distinção entre descrição e explicação de Skinner e sua objeção a tipos particulares de técnicas de interpretação seguem de perto os argumentos de Mach. Logo de início, em 1938, Skinner descreveu seu sistema em desenvol-

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vimento do seguinte modo: “[O sistema] é positivista. Ele se lim ita à descrição ao invés dajpcpliração. ^ uAxnrrceirnsllrTdefinidos em termos de observações imediatas e não adquirem propriedades fisiológicas ou locais. Um reflexo não é um arco, um impulso não é o estado de um centro, a extinção não é a exaus­

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tão de uma substância ou estado fisiológico. Termos desse tipo são usádos meramente para juntar grupos de observações, para relatar uniformidades e para expressar as propriedades do comportamentõ”qué transcendem as instân- cias^inguIãres”~(Skinner, 1938, p. 44). Essa passagem do início já incorpora as idéias que ele elaborou mais tarde e demonstra seu comprometimento com uma ciência que é, como a de Machu descritiva, observacional e iplcgrativa.

^As descrições de Skinner tomam a mesma forma que as de Mach; elas são declafi^ôerd^dépendências funcionais oujdas regularidades na relação entre asjíafiá-veis. independente e dependente. Ele tocou a ferida apontando que a descrição neste sentido difere da narração, onde “a história de alguma coisa que aconteceu antes é símplèsmerrte^corilãda^tSkirinér^T ^S-r p-- 9-)~ JUma declaração narrativa nao é explicativa; ela simplesmente relata a ocorrência de um acontecimento único: “na forma narrativa, por exemplo, se pode dizer que em tal e tal momento o macaco pegou a vareta. Aqui não há referência ãs outras instâncias do mesmo comportamento, seja passada ou futura. Ela não assegura que todos os macacos pegam a vareta” (Skinner, 1938, p. 9). No exemplo da refração, uma declaração narrativa seria: “no momento X, essa vareta refratou nesse meio”, uma declaração que descreve uma instância sem referência à regularidade. “A luz se refrata na água”, entretanto, expressa uma uniformidade, uma regularidade no comportamento da luz em certo meio. “Os macacos comem bambu” similarmente expressa uma regularidade, resu­ mindo uma uniformidade, uma relação entre propriedades conceituais.

Para ser explicativa, uma descrição deve relacionar as uniformidades en­ tre classes ou propriedades. Skinner sè referiu ao reflexo, impulso, extinção e ãsslm em diante, como termos que em seu sistema simplesmente inregram e resumem relãçoesTEles vão além de instâncias singulares para descrever as uniformidades, mas nãõ" vao além das relações observadas. Um reflexo, por_ ... - n | i i t t - r— m in iB i i .— t - | i-nr» u jt u m exemplo, no sistema Skinneriano descreve um tipo particular de correlação entre estímulos e repostas. Quando Skinner afirmou que ele “não adquire propriedades fisiológicas ou locais”, estava se referindo à prática de localizar o reflexo dentro do organismo e lhe atribuir propriedades fisiológicas tais como um arco neurológico atravessando a lacuna entre os termos finais, estímulos e respostas. Para Skinner, um reflexo descreve nada mais do que uma relação. O termo é uma abstração de uma uniformidade confiável. Se um reflexo é localizado, acima de tudo está localizado na relação entre tipos particulares

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de estímulos e respostas, e não dentro do organismo. A explicação está na expressão dessas relações que “estão sempre presentes no meio da multiplici­ dade” (Mach, 1893/1960, p. 6). O comportamento é explicado por meio da descrição de relações uniformes entre as variáveis dependentes (unidades de comportamento) e as variáveis independentes do contexto em que ele ocorre. Para Skinner, como para Mach, explicação é descrição e, novamente, se levan­ ta a questão de porque Skinner buscou limitar seu sistema à descrição. Quais são as explicações que Skinner excluiu do seu sistema?

No caso de Mach e do debate atômico na física do século XIX, a dis­ tinção entre explicação e descrição surgiu das controvérsias sobre as técnicas de interpretação e pensamento causal. Similarmente, na psicologia do século XX, a distinção de Skinner surgiu de sua oposição a tipos particulares de interpretação do comportamento humano e ao pensamento causal que re­ quer que as lacunas temporais entre os acontecimentos sejam preenchidas por elos-numa-cadeia-causal.