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Determinismo e Comportamento Humano

As explicações causais são tão fundamentais para a psicologia como para as outras ciências e o conceito de causa implica numa visão determinista ini­ cial do objeto de estudo da ciência, uma suposição básica de que nada no universo ocorre de modo espontâneo ou acidental. Assume-se que todos os acontecimentos são inter-relacionados, e que os eventos discretos estão liga­ dos de modo confiável aos outros acontecimentos anteriores. Em resumo, a ciência pressupõe que todos os fenômenos são dependentes e essa suposição determinista não causa problemas na maioria das ciências.

Em relação ao comportamento humano, entretanto, existe uma tensão & contínua entre a alegação de que o comportamento humano está sujeito às

leis causais e aquela de que ele é tão radicalmente diferente do objeto de es- ^ ^ tudo das outras ciências que não é suscetível à explicação causal determinista. Grünbaum (1953), por exemplo, observou: “Não é raro descobrir que mesmo aqueles que têm completa confiança na continuidade do sucesso do método :• ''j científico quando aplicado à natureza inanimada, são altamente céticos sobre

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sua aplicabilidade ao estudo do comportamento humano. Alguns vão muito

mais além, ao ponto de afirmarem categoricamente que os métodos das ci­ ências naturais são, em princípio, incompetentes para produzir predições do

n comportamento individual ou social do homem” (Grünbaum, 1953, p. 766).

Uma das conseqüências imediatas dessa visão, de acordo com Grünbaum, é impedir permanentemente todos os estudos sociais, inclusive a psicologia, de atingir o status de ciência porque a essência da ciência é explicar os fenôme­ nos tanto em relação aos acontecimentos anteriores quanto, também, como

S exemplos de uma lei causal. Mais ainda, ela apresenta um cenário fútil para o

0 futuro: se o comportamento humano não exibe relações causais, então esta-

rt mos negando a possibilidade de aprender qualquer coisa do passado que possa

u ser útil para lidar com o futuro. Conforme Grünbaum coloca o problema:

BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Ciência Capítulo 5

“Negar a existência de uniformidades no comportamento humano, individual e social, é afirmar que não se pode tirar lições significativas do passado e que o futuro do homem é caprichoso e matreiro” (Grünbaum, 1953, p. 767). Al­ ternativamente, a suposição de que o comportamento humano é determinado causalmente e, desse modo, suscetível à descrição causal sugere uma rota no caminho de aliviar os problemas criados diretamente pelo comportamento humano. A lacuna entre o entendimento de nosso ambiente físico e o en­ tendimento dos sistemas políticos, econômicos e sociais, pode ser reduzida consideravelmente pela aplicação, no estudo do comportamento humano, da suposição determinista comum em outras ciências.

Skinner (1971) expressou essa suposição quando argumentou que o nos­ so entendimento do comportamento humano não avançou apreciavelmente desde o tempo dos clássicos gregos, e que temos a andar um longo caminho para resolver “os problemas cruciais com que nos defrontamos no mundo atu­ al” (Skinner, 1971, p. 1), através da aplicação da ciência ao campo do compor­ tamento humano. Tal esforço, entretanto, requer uma mudança crucial nos modos como vemos usualmente o comportamento humano. A visão popular sobre o comportamento humano nas culturas ocidentais será discutida abaixo. Esta seção considera o mérito científico dos argumentos contra o determinis­ mo causal no comportamento humano. Uma coisa é afirmar que seria possível atingir um futuro brilhante se pudesse ser mostrado que o comportamento humano é determinado causalmente, e outra, totalmente diferente, é demons­ trar que os argumentos contra o determinismo não têm mérito. A primeira é simplesmente otimismo, que requer a segunda como apoio prático.

Grünbaum descreve quatro argumentos a favor do indeterminismo, três dos quais serão tratados aqui:

1) o argumento da individualidade: considera que cada indivíduo é úni­ co, diferente de qualquer outro indivíduo, e isto impede a possibilidade de predição e generalização;

2) o argumento da complexidade: aponta que o comportamento huma­ no é tão intrincado e complexo, que as relações causais não podem ser desco­ bertas; e

3) o argumento da intencionalidade: conclui que sendo o comporta­ mento humano orientado para o futuro, não é controlado por eventos ante­ cedentes, e por isso não está sujeito às leis causais da ciência.

Grünbaum aponta outras objeções à visão determinista do comporta­ mento humano que, em certo sentido, se afastam dos argumentos científi­ cos, pois são dirigidas a problemas sócio/culturais mais amplos: objeções, por exemplo, relacionadas às questões legais/morais, tais como a da responsabi­

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Capítulo 5 BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Ciência

lidade pessoal e como ficariam as justificativas para a punição. Embora essas questões sejam de extrema importância para a cultura como um todo, não serão aqui consideradas porque se afastam muito dos argumentos científicos. As três objeções brevemente resumidas acima remetem diretamente à filosofia da ciência e serão aqui avaliadas em seu mérito científico.

O argumento da individualidade

Apelar para a individualidade única dos seres humanos como contrária ao determinismo, como se esse argumento se aplicasse somente a este caso especial, é uma visão equivocada do objeto de estudo das outras ciências e da natureza das leis causais. Insinua-se que o objeto de estudo das outras ciên­ cias também não tem propriedades únicas mas, na realidade, cada evento ou fenômeno estudado pelas outras ciências é também único. Cada árvore, flor, partícula, elemento, membro de uma espécie, movimento de um pêndulo, tique-taque de um relógio, é um evento ou objeto único. Mas sua unicidade não impede a classificação, generalização ou predição. Pode haver, é claro, algumas limitações em qualquer um desses processos, mas a unicidade em si mesma não coloca os eventos fora do domínio do determinismo causal. As características biológicas humanas, por exemplo, são únicas no sentido de que não há dois estômagos exatamente iguais, nem dois corações com precisamen­ te a mesma forma ou tamanho, também nenhuma razão fixa entre altura e comprimento da coluna vertebral ou tamanho dos pés foi demonstrada. Mas isso não impede a ciência biológica de classificar as semelhanças básicas entre as pessoas, de generalizar as propriedades biológicas, ou estabelecer leis causais e predizer resultados quando as condições iniciais são conhecidas. O mesmo é verdadeiro para o objeto de estudo integral da biologia e da botânica. A unici­ dade não impede a busca por relações causais nesta nem em quaisquer outras ciências; as leis causais não negam a unicidade.

A função das leis causais é relacionar o conjunto de propriedades dos acontecimentos, sistemas ou objetos com outros conjuntos de propriedades, demonstrando de que modo eles se afetam reciprocamente. As leis causais não insinuam que todas as propriedades de um sistema precisam ser reproduzi­ das para o efeito ocorrer, mas somente o conjunto particular de propriedades usado para definir uma lei particular. A fotossíntese é um processo comum a todas as plantas verdes, não importando sua forma ou tamanho, nem em que tipo de solo elas se adaptam melhor. As espécies animais compartilham um conjunto particularmente definido de estruturas, a respiração ocorre através do mesmo processo, não importando se a espécie pode voar ou se vive na água

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ou na terra. Demonstrar que a fotossíntese ou respiração não requer referên­ cia a outras características das plantas ou dos animais e o fato de que estes processos podem ser interpretados causalmente, não insinua que cada planta ou animal não seja único. Os seres humanos não são mais ou menos únicos do que os objetos de estudo de qualquer outra ciência, e as leis causais não negam a unicidade dos humanos nenhum milímetro a mais do que o fazem com respeito aos objetos de estudo das outras ciências. Por isso, apelar para a unicidade dos seres humanos como se fosse um caso especial não justifica a alegação de indeterminismo.

O argumento da complexidade

O argumento que relaciona complexidade e indeterminação poderia ser aplicado a qualquer ciência em seus estágios iniciais de desenvolvimento. Requer que aceitemos a suposição de que o desconhecido não pode ser co­ nhecido, mas o próprio avanço e sucesso da ciência provam o contrário. No capítulo anterior foi observado que, durante muito tempo, antes do desenvol­ vimento científico da química, a redução de milhares de compostos químicos a um pequeno e finito número de elementos parecia meramente fantasiosa. Os primeiros astrônomos não poderiam saber que em algum dia seria possível expressar os movimentos complexos dos corpos celestes em poucas equações simples. O argumento da complexidade favorecendo a indeterminação se eva­ pora frente às comprovações científicas, considerando que a ciência progride na direção oposta, da complexidade para a ordem. Nosso entendimento atual relativamente pequeno sobre as relações causais entre as propriedades do com­ portamento humano não conta como prova de que não existam essas relações causais ou que jamais serão conhecidas.

O argumento da intencionalidade

Quando explicamos o comportamento humano com freqüência, atri­ buímos propriedade causal aos acontecimentos futuros, um tipo de causali­ dade não encontrada nas outras ciências. Essa relação especial entre aconte­ cimentos futuros e o comportamento presente sugere que o determinismo causal antecedente, assumido pelas outras ciências, não se aplica às instân­ cias dirigidas-à-meta do comportamento humano, isto é, orientadas para o futuro. Por exemplo, podemos explicar um aumento no número de horas que um estudante emprega estudando, apontando para um evento futuro, provas, como uma causa. Por que uma pessoa comprou uma propriedade

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Capítulo 5 BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Ciência

numa parte arruinada da cidade, quando poderia se dar ao luxo de com­ prar numa área mais sofisticada ou pitoresca? Uma descrição causal pode ser colocada em termos da possibilidade de desenvolvimento da área e um conseqüente aumento do valor da propriedade no futuro. A atenção é di­ rigida para um acontecimento futuro de modo a insinuar que está numa relação causal com o comportamento atual, que o acontecimento funciona como uma variável independente. Mas as descrições causais do comporta­ mento humano, mesmo no caso do comportamento dirigido a uma meta, são dadas mais corretamente em termos do estado presente ou da história da pessoa. Um evento futuro, uma vez que ainda não aconteceu e talvez nunca ocorra, não pode causar um comportamento. Os exames podem ser cancelados, os estudantes podem adoecer e ter que abandonar os estudos, ou o valor das propriedades pode permanecer o mesmo ou cair. Por isso, o futuro, uma vez que não aconteceu, não pode ser considerado como uma influência causal no presente.

Um estudante cuja dedicação ao estudo aumenta antes de uma prova, esteve envolvido em vários acontecimentos antecedentes importantes: recebeu instruções verbais ou conselhos relacionados às futuras provas; um cronogra- ma das provas poderia ter sido distribuído, talvez mesmo um bilhete com detalhes sobre as provas lhe tenha sido enviado; discussões entre os estudantes de certos tópicos relacionados com avaliações - “Como você se saiu na prova anterior?” “O que você acha que vai cair em estatística?” “Você já preparou os três temas?!” - ocorrem com freqüência. Eventos antecedentes como esses afetam o comportamento, usualmente (mas não sempre) aumentando a quan­ tidade de tempo que um estudante irá empregar no estudo ou em atividades relacionadas com as provas. A relação entre uma prova iminente e o aumento nos estudos seria improvável se os estudantes jamais fossem informados por qualquer meio acerca da proximidade de uma prova.

Nas descrições causais, a relação entre as condições antecedentes e o com­ portamento às vezes é obscurecida pelas convenções linguísticas. Mas a causa- ção antecedente é tanto parte da explicação causal nas ciências comportamen- tais como nas outras ciências, mesmo nas situações em que ordinariamente falamos de comportamento orientado para a meta ou dirigido para o futuro.

O determinismo causal no comportamento humano não é minado por apelos à individualidade, complexidade ou intencionalidade. Cada um desses aspectos pode ser atendido pelas expressões das condições causais antecedentes sem negar a individualidade dos humanos, a complexidade de seus comporta­ mentos, ou aqueles comportamentos que dizem ser dirigidos a metas ou ao fu­ turo. Qualquer tensão contínua entre o determinismo e o indeterminismo no

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comportamento humano resulta do entendimento equivocado da causalidade ou das leis causais da ciência. As leis causais não pressupõem que cada caracte­ rística de um sistema precisa ser reproduzida de modo que a lei seja aplicável, e a individualidade é uma propriedade comum aos objetos de estudo de todas as ciências. As leis causais partem da complexidade em direção à ordem, ao entendimento das características comuns e expressam as relações entre essas características. A complexidade do comportamento humano não atua contra a descoberta de leis causais, desde que o objeto de estudo das outras ciências similarmente começa com a complexidade. O argumento da complexidade advém da ignorância como apoio ao indeterminismo. O comportamento que é orientado para o futuro não está isento da determinação antecedente das outras ciências. Ao contrário, ele é explicado corretamente pela causação an­ tecedente; as relações causais estão entre o estado atual (ou passado) e o com­ portamento. Os eventos futuros que podem ou não acontecer não explicam o comportamento presente.