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Relações Ordenadas e Controle Experimental

Conceitos tais como acaso, média ou sujeito ideal não entram na formu­ lação do behaviorismo radical a respeito da ciência em geral e da psicologia, em particular. Como outros psicólogos, os analistas do comportamento re­ conhecem a variação no comportamento humano, bem como reconhecem a individualidade das pessoas e de outros organismos. Mas abordam a variação

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Capítulo 4 BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Ciência

na perspectiva biológica e não na perspectiva estatística queteliana. Em vez de considerar que a variação (e, por extensão, a individualidade) seja um aspecto indesejável nos dados comportamentais, como na abordagem queteliana, afir­ mam que ela é fundamental em todos os fenômenos científicos e que a tarefa da ciência é explicar a variação, buscar a ordem na variabilidade e não silen­ ciá-la: “A variação é a regra de tudo o que existe, não a exceção. No sentido mais geral, o objeto de estudo de toda ciência é a variabilidade... Como todos os outros fenômenos naturais, o comportamento exibe variabilidade e, como nas outras ciências, a ciência do comportamento tem como tarefa a explicação dessa variabilidade” (Johnton e Pennypacker, 1980, pp. 201/202).

Ao considerar o objeto de estudo das ciências naturais neste final do sécu­ lo XX, pode ser difícil compreender que antes do desenvolvimento do contro­ le experimental, os aspectos do universo físico que são agora objetos de estudo da física, biologia e química também pareceram infinitamente variáveis. A química [científica] organiza nosso entendimento humano sobre uma série notavelmente infinita de substâncias num número finito de elementos e, tal­ vez, antes de Galileu fosse inconcebível que somente umas poucas leis do mo­ vimento pudessem igualmente descrever o movimento dos corpos celestes e terrestres. Mas, como Sidman (1960) observa, a ciência natural pressupôs que subjacente à variabilidade estivesse algum tipo de constância, alguma ordem, e os métodos de controle experimental foram desenvolvidos para lidar com o objeto de estudo e descobrir relações ordenadas. A psicologia, por outro lado, começa com a suposição de que seu objeto de estudo é intrinsecamente variá­ vel, desenvolveu métodos que aplicam o controle estatístico e confia nos testes de significância como uma forma de provar suas afirmações científicas.

A suposição de ordem subjacente e as técnicas produzidas a partir dessa supo­ sição demonstraram, nas ciências naturais, que a natureza pode ser descrita e in­ terpretada em termos de relações ordenadas. Em contraste com as suposições bá­ sicas de ordem e variabilidade intrínseca, Sidman (1960) afirma que se tomarmos a variabilidade intrínseca como ponto de partida, somos levados a desenvolver métodos que controlam matematicamente a variabilidade e, ao fazermos assim, fechamos a possibilidade de descobrir a ordem mais além. Ele observa que, em­ bora a física moderna tenha atingido um estágio de desenvolvimento que sugere um elemento de caos ou aleatoriedade na natureza, esse estágio foi alcançado so­ mente após a mais cuidadosa exploração das fontes de variabilidade e controle do erro experimental. Se existe aleatoriedade na natureza, a física atingiu um grau de controle sobre seu objeto de estudo que pode permitir esse reconhecimento con­ fiante. Mas ao começar com a pressuposição da variabilidade, a psicologia fecha a possibilidade de atingir o mesmo grau de controle experimental. Como Sidman

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comentou sobre isso: “A física moderna está profundamente envolvida com uma gama de fenômenos em que a variabilidade é a regra. Mas essa modificação não foi uma questão de filosofia; foi forçada pelos dados. E os dados que necessitavam de mudança jamais seriam obtidos se a variabilidade natural fosse aceita desde o começo. A difícl essência da variabilidade intrínseca foi aceita somente depois que os erros de medidas foram reduzidos à insignificância quantitativa, e depois que a exploração de fatores possivelmente contribuintes deixou de eliminar a variabi­ lidade” (Sidman, 1960, p. 143). A psicologia inverte o núcleo da pressuposição filosófica da física e outras ciências naturais ao aceitar a variabilidade antes de atingir o controle experimental de seu objeto de estudo.

Os behavioristas radicais tomam a ordem como seu ponto de partida. Skin- ner escreveu que a ciência é “a busca da ordem, da uniformidade, de relações ordenadas entre os eventos da natureza” (Skinner, 1953, p. 13) e que em sua ex­ periência em pesquisa ele nunca enfrentou um problema “que não fosse o eterno problema de descobrir a ordem” (Skinner, 1959, p. 369). Estas afirmações estão no âmago do modo como o behaviorismo radical trata a variabilidade nos dados psicológicos. A ciência é uma forma de comportamento humano que procu­ ra demonstrar uniformidades na natureza, isolando aspectos dela, controlando esses aspectos e suas relações com outras partes da natureza, bem como formu­ lando leis universais que resumem e descrevem as classes de acontecimentos. O empreendimento da ciência é a busca da ordem e a variação ou variabilidade tem um papel importante nessa busca, orientando o cientista a procurar sua fonte. A variabilidade, para o behaviorista radical, levanta a importante questão científica: “De que variável essa variabilidade é uma função?” A variabilidade não é vista como uma interferência, uma amolação que é dispensada pelo uso de técnicas estatísticas, ou silenciada pelas medidas médias de grande número de sujeitos e assumindo um sujeito médio ideal, cujo comportamento é afetado por uma variável independente. Ao contrário, a própria variabilidade apresenta questões de pesquisa e dirige o cientista em direção a um maior refinamento das técnicas, para obter controle sobre a multidão de fatores que influenciam uma dada situação: “O processo de perseguição sistemática das fontes de variabilida­ de, para assim explicar os dados variáveis, é característico do empreendimento científico” (Sidman, 1960, p. 192).

Trabalhando com a individualidade

Os behavioristas radicais aceitam a individualidade única das pessoas e de outros organismos e a incorporam em suas técnicas experimentais. Para descobrir ou estabelecer linhas de base no comportamento de sujeitos indivi-

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duais, os analistas do comportamento começam com uma medida do com­ portamento de cada um dos sujeitos envolvidos, seja registrando os dados ao longo do tempo como eles ocorrem antes de qualquer intervenção, seja pela manipulação de contingências assim que o comportamento atingir um estado estável. O efeito de uma variável independente é avaliado em relação à linha de base de cada sujeito individual. Se as taxas do comportamento variam numa direção ascendente para três sujeitos e numa direção descendente ou em nenhuma delas para um sujeito, o experimentador tenta rastrear e controlar a fonte dessa variação de modo experimental, ao invés de silenciá-la numa média estatística. Tendo identificado e controlado essa fonte, o experimenta­ dor pode continuar o teste da variável independente novamente, e se, nessa situação, ela se mostra igualmente eficaz através dos quatro sujeitos, um grau de generalidade foi estabelecido. Os analistas do comportamento estão cientes de que uma única demonstração do efeito de uma variável independente em três de quatro sujeitos não é suficiente para justificar uma inferência indutiva e, por esta razão, a literatura que trata do método científico enfatiza sistemati­ camente a importância da replicação (Sidman, 1960, Hersen e Barlow, 1976; Johnson e Pennypacker, 1980).

Um psicólogo formado em outra tradição pode ficar surpreso ao ler o Journal of the Experimental Analysis of Behavior ou o Journal of Applied Behavior Analysis, e descobrir gráficos e pontos que representam os dados se referindo ao comportamento de talvez dois, três ou quatro sujeitos, com o comportamento de cada sujeito mostrando sua individualidade. Tal psicólo­ go pode ficar até mais surpreso ao descobrir que essa estratégia é igualmente aplicada a pombos, ratos e sujeitos humanos. Mas esta aplicação é coerente com o princípio da individualidade: “O sistema complexo que chamamos de organismo tem uma história elaborada e em grande parte desconhecida que o dota com certa individualidade. Nenhum par de organismos chega a um ex­ perimento precisamente na mesma condição nem é afetado do mesmo modo pelas contingências de um espaço experimental” (Skinner, 1966, p. 20).

Generalização e o indivíduo

O behaviorismo radical foi descrito no capítulo anterior como uma ciên­ cia indutiva que dá proeminência aos dados em vez de à teoria e tenta extrair princípios do comportamento a partir de observações acumuladas. Seus prin­ cípios resumem convenientemente as classes de eventos e tomam a forma de leis universais no sentido de que se aplicam a todos os membros envolvidos numa classe de eventos. Os tipos de leis que são os objetivos da ciência, na

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visão behaviorista radical, são diferentes das afirmações gerais derivadas do tratamento estatístico dos dados, que resumem um efeito médio das variáveis experimentais. A distinção entre estes dois tipos de generalização pode ser ilustrada aplicando cada um a um fenômeno da física. A lei universal “todos os metais se expandem quando aquecidos” é o tipo de lei que a ciência busca, na visão behaviorista radical. Ela é uma generalização empírica universal, uma fórmula que descreve o comportamento de todos (universal) os membros da classe à qual ela se aplica (os metais). Uma afirmação derivada do tratamen­ to estatístico do fenômeno colocaria que “em geral, os metais se expandem quando aquecidos” e não seria necessariamente aplicável a todos os membros da classe; esta não seria uma generalização empírica universal. Da mesma ma­ neira que as declarações gerais derivadas estatisticamente se referindo ao com­ portamento não são predições do comportamento de indivíduos, também não preveria o comportamento de um membro individual da classe. As leis universais são derivadas indutivamente de observações acumuladas, de muitas instâncias de um fenômeno único. As afirmações estatísticas, por outro lado, podem ser derivadas de um único experimento, uma única instância do fenô­ meno ao qual elas se aplicam.

As generalizações estatísticas não oferecem qualquer comentário sobre o comportamento do indivíduo numa dada situação: “O médico que está ten­ tando determinar se seu paciente morrerá antes do amanhecer fará pouco uso de tabelas de riscos e prêmios de seguro ou planos de saúde, nem um estudioso do comportamento pode prever o que um organismo singular irá fazer, se suas leis se aplicam somente a grupos. A predição a respeito de indivíduos é de tremenda importância, contanto que o organismo seja tratado cientificamente como um sistema regido por leis” (Skinner, 1938, pp. 443-444). As generali­ zações estatísticas foram desenvolvidas para um propósito científico diferente, para a genética de populações, pesquisa agrícola e controle de qualidade in­ dustrial, onde o comportamento de membros individuais da classe é de pouca importância (Johnston e Pennypacker, 1980).