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O Contexto do Comportamento Científico

Skinner admitiu livremente que em algumas circunstâncias o método de hipóteses é útil, mas o rejeitou como um componente essencial da ciência e apontou que em sua própria experiência em pesquisa “nunca enfrentou um problema que fosse mais do que o eterno problema de descobrir a ordem” (Skinner, 1959, p. 369). E verdade que um pesquisador pode abordar um ex­ perimento já adivinhando seus resultados ou com um palpite (talvez baseado em conhecimento básico) sobre o quanto a variável de interesse será eficaz, mas como Skinner também observou, “as adivinhações e palpites com os quais o experimentador prossegue... não são as hipóteses formais do método cien­ tífico; são simplesmente declarações experimentais para as quais são buscados apoios adicionais” (Skinner, 1969, pp. 82-83).

Um bom exemplo do modo como os behavioristas radicais procedem sem a metodologia formal de predição e testes de hipóteses pode ser encontra­ do no relato de Matthijs, cuja pesquisa é da área conhecida como equivalência de estímulos ou relações de equivalência e envolve questões sobre o modo como palavras e símbolos tornam-se sistematicamente relacionados. Matthijs (1988) afirma que sua pesquisa “é, em primeiro lugar, uma tentativa de ex­ pandir e replicar sistematicamente os resultados em equivalência de estímu­ los numa população esquizofrênica”. E relata que sua pesquisa tanto replica quanto expande o conhecimento básico. Após descrever os procedimentos, continua: “Depois que foram ensinadas a um sujeito todas essas relações con­ dicionais, surge a questão se ele aprendeu alguma coisa mais do que simples desempenhos condicionais do tipo se-então, ou se as contingências foram bem sucedidas em estabelecer no comportamento do sujeito uma classe de estímulos verbais, simbólicos ou equivalentes” (Matthijs, 1988). Observe-se que Matthijs não faz nenhuma predição sobre o tipo de comportamento que será gerado pelas contingências, mas faz a pergunta de Sidman “Gostaria de saber o que aconteceria se” (Sidman, 1960, p. 8). Alguns fatos já são conhe­ cidos sobre o desenvolvimento de classes de estímulos equivalentes e Matthijs tenta ver se eles continuam sendo verdadeiros (pela replicação) e se a base de conhecimentos podem se expandir através do exame da geração de clas­ ses equivalentes sob contingências mais complexas. A base de conhecimentos

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cresce através da replicação e expansão, e, quando mais dados significativos (como Sidman emprega esse termo) forem compilados, os behavioristas radi­ cais estarão na posição de derivar princípios gerais desses dados. Observe-se também que no experimento de Matthijs nada é perdido. Um experimento como esse não pode produzir dados negativos, e conforme Sidman colocou, “os dados podem ser negativos somente em termos de uma predição. Quando alguém simplesmente pergunta uma questão sobre a natureza, a resposta é sempre positiva. Mesmo uma manipulação experimental que não produz mu­ dança na variável dependente pode trazer informação útil e, com freqüência, importante” (Sidman, 1960, p. 9). E verdade que Matthijs poderia formular várias hipóteses post hoc e relatar se foram ou não confirmadas, mas é também verdade que este não é o modo como sua pesquisa foi conduzida.

Green e D’01iveira (1982) e outros continuam a apresentar aos estudan­ tes a visão do processo de pesquisa como simples, lógico e racional. Skinner, entretanto, argumentou que essa visão ideal não corresponde à realidade diária do laboratório de pesquisa. E mais apropriado reconhecer a natureza um tanto desordenada do processo do que descrever (ou prescrever) a ciência como uma série de passos lógicos: “O comportamento dos cientistas é, com freqüência, reconstruído pelos metodologistas científicos dentro da estrutura lógica das hipóteses, dedução e testes de teoremas, mas a reconstrução raramente repre­ senta o comportamento do cientista em seu trabalho” (Skinner, 1974, p. 236). No início da década de 1950, um projeto foi iniciado para tentar identificar o progresso que a psicologia tinha feito no entendimento e explicação do com­ portamento humano, considerando as abordagens teóricas principais então correntes. Skinner, ao lado de outros teóricos principais daquele tempo, foi convidado a dar uma descrição de sua posição em termos formais e sistemá­ ticos. Os temas a serem discutidos no “Projeto A” incluíam: Fatores orienta­ dores básicos; Estrutura do sistema até então desenvolvida; Base de evidências iniciais para as suposições do sistema; Construção de funções formalizadas; Procedimentos de medida e quantificação; Organização formal do sistema; Escopo e faixa de aplicação do sistema; Histórico dos dados das pesquisas em curso; Evidências para o sistema; Princípios, conceitos e métodos do sistema considerados valiosos fora do contexto do sistema; Grau de planejamento; Estratégias de médio e longo prazo para o desenvolvimento do sistema (Koch, 1959, pp. 666-673). Os organizadores do “Projeto A” consideravam que che­ gara o tempo de avaliar como a psicologia tinha se desenvolvido como um sistema de conhecimento, que avanços haviam sido feitos e como cada parte da psicologia contribuiu para a disciplina global: “O conhecimento vem cres­ cendo rapidamente na curta história do esforço do homem em desenvolver

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uma ciência do comportamento, e o tempo parece apropriado para o impor­ tante esforço de examinar o progresso que foi feito na tentativa de descobrir um caminho, ou caminhos, para atingir o poder explicativo que apreciamos pensar como característico da ciência” (Wolfie, 1959, p. v).

Os outros colaboradores tentaram descrever seus sistemas nos termos for­ mais descritos acima, mas Skinner argumentou que o comportamento cien­ tífico não poderia ser facilmente descrito em termos lógico-formais e, em vez disso, deu uma descrição do desenvolvimento de seu sistema considerando seu próprio comportamento científico e outras características de sua experiência em pesquisa, que contribuíram para novas descobertas. Ao fazer isso, ele su­ mariou cinco “princípios informais da prática científica”: “quando encontrar algo interessante abandone qualquer outra coisa e passe a estudá-lo”; “alguns modos de fazer pesquisa são mais fáceis do que outros”; “algumas pessoas são sortudas”; “os equipamentos algumas vezes quebram”; e “serendipidade” ou “a arte de descobrir alguma coisa enquanto procura por outra” (Skinner, 1959). Esses princípios não formalizados podem não se ajustar confortavelmente a uma descrição que apresenta o processo científico como a dedução de predi­ ções e o teste de hipóteses, mas apesar disso, descrevem aspectos da própria experiência em pesquisa de Skinner e, possivelmente, a experiência de outros cientistas mais exatamente do que as descrições formais.

A reação de Skinner contra o formalismo não deveria ser interpretada como um chamado para abandonar o método científico; ser contrário ao for­ malismo excessivo não é equivalente a uma ausência de métodos definíveis. As duas conclusões amplas da análise de Skinner são que: (a) certas características de seu comportamento contribuíram para a produção de novas descobertas; e (b) algumas ocorrências inevitáveis (por exemplo, acidentes) no curso da pes­ quisa podem também lançar luz sobre um efeito ou resultado não planejado. E bem conhecido que o processo de condicionamento clássico não veio à luz através dos procedimentos formais tão claramente descritos nos livros-textos de metodologia. Pavlov e seus estudantes estavam medindo secreções diges­ tivas em cães e o fato dos cães começarem a salivar quando Pavlov entrava no laboratório foi inicialmente irritante, porque isto adulterava suas medi­ das cuidadosas da relação entre alimento e salivação (Rachlin, 1970). Porque abandonou todo o resto e passou a estudar esse efeito, Pavlov revelou relações e processos importantes que geraram novos campos de pesquisa e permitiram o desenvolvimento de novas técnicas terapêuticas em situações aplicadas.

Em sua própria prática científica, Skinner dispensou o método de hi­ póteses. Também rejeitou as descrições do processo científico que o apre­ sentavam como uma busca simples e estritamente lógica. O cientista, de

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acordo com Skinner, é parte de um conjunto complexo de contingências incluindo o objeto de estudo, a linguagem (os conceitos da linguagem comum bem como os teoremas e leis científicas), espaços de laboratório, instrumentos, outras pessoas e tudo o mais que interage na produção de novas descobertas. Skinner considerava a visão tradicional do cientista de jaleco branco operando sobre um ambiente em vez de em um ambiente como imperfeita, e ele não separou o cientista, a pessoa, do contexto no qual o comportamento científico ocorre. Para Skinner, como para os ou­ tros behavioristas radicais, a ciência é apresentada imperfeitamente quan­ do descrita como uma série de passos lógicos rigorosos.

Quando falamos da ciência ou tentamos descrever (ou prescrever) seus métodos, devemos ser cuidadosos em não insinuar que a metodologia domi­ nante (em nossa própria época, o método de hipóteses) é ciência ou é o único modo de fazer ciência. A dedução hipotética nem sempre desfrutou um lugar favorável na filosofia da ciência; seu domínio em nossa própria época está re­ lacionado ao desenvolvimento na física teórica e ao estabelecimento de novas justificações epistêmicas que ocorreram entre 1740 e 1850. A metodologia é ditada por um conjunto de preocupações e a escolha da dedução hipotética não é ditada pela lógica ou pelo poder do método; as visões contemporâneas dos objetivos da ciência o apresentam como indispensável a despeito de seus defeitos persistentes, porque é o único método disponível para comprovar as afirmações teóricas especulativas envolvendo [entidades] inobserváveis. O método continua sofrendo os ataques de que pode somente prover evidências indiretas para essas proposições e, em última análise, os eventos previstos ob­ servados não confirmam essas declarações especulativas. A indução não está livre desses problemas lógicos, mas os princípios derivados indutivamente têm a vantagem de ser baseados em evidências diretas e assim proporcionam co­ nhecimento confiável até que uma prova contraditória seja produzida. Uma grande parte da psicologia contemporânea compartilha a visão de que as es­ truturas e mecanismos são conceitos explicativos importantes da ciência. As abordagens que se preocupam com estruturas ou mecanismos hipotéticos de­ vem necessariamente adotar o método de hipóteses, com todos os seus defei­ tos, como LeSage e Hartley foram forçados a fazer. Tais teorias especulativas não podem funcionar sem ele. O behaviorismo radical não apela a mecanis­ mos ou estruturas como conceitos explicativos e, por isso, a sua ciência não depende da dedução hipotética.

As teorias especulativas, em conjunto com o método de hipóteses, produ­ zem dois efeitos principais na psicologia científica que, novamente, não preo­ cupam os behavioristas radicais, mas que devem ser observados. Primeiro, elas

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encorajam um estilo de investigação, no qual as teorias e teóricos concorrem no contexto da verificação e falsificação: “O modelo dedutivo tende a enco­ rajar um estilo jurídico de investigação em que os resultados são intimados para sustentar as declarações proposicionais, ao passo que a estratégia induti­ va promove a atenção a quaisquer dados obtidos corretamente” (Johnston e Pennypacker, 1980, p. 31). Os cientistas são encorajados a formular questões sobre a exatidão ou outros aspectos das teorias ou afirmações teóricas, em vez de questões sobre o comportamento em si mesmo. Segundo, encorajam na psicologia contemporânea a mesma prática que permeou a física durante décadas de teorias etéreas; isto quer dizer, uma “proliferação de teorizações pessoais” (Watkins, 1990), no sentido de que se os sistemas e mecanismos hipotéticos são conceitos explicativos importantes, então qualquer número de modificações nesses conceitos pode, como ocorre com freqüência, produzir teorias totalmente novas, com testes experimentais novos e ainda mais tenta­ tivas para verificar ou falsificar as teorias concorrentes. Desse modo, grande parte da psicologia científica despende enorme energia tentando estabelecer a supremacia teórica.

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