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Se uma figura única pode ser mantida como o fundador do behavioris- mo, esta deve ser John B. Watson. Os historiadores Hillix e Marx o resumiram

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assim: “Watson odiava a introspecção dos experimentos ou as tentativas de fazê-la com os animais que amava e, finalmente, rompeu com a tradição fun- cionalista que exigia essas coisas dele. Ele esclareceu sua posição numa famosa conferência na Universidade de Columbia em 1912 e em seu artigo de 1913, até mais famoso. Por volta de 1914, foi alçado a uma posição de liderança na psicologia americana!” (Hillix & Marx, 1974, p. 200).

Watson, naturalmente mais próximo da psicologia americana do que Pa- vlov, pensava que esta havia falhado visivelmente em se concretizar como uma ciência natural inquestionável, devido às suas preocupações com a consciência, sensação, imaginação e vida mental. O fracasso em reproduzir os resultados nas ciências naturais é seguido por uma discussão dos procedimentos experi­ mentais enquanto, na psicologia introspectiva, tais problemas eram atribuídos a falhas dos sujeitos em introspectar corretamente, uma falha no treino dos sujeitos. Ele argumentou que as ciências naturais não se preocupam com a consciência ou introspecção, e nem a psicologia deveria fazê-lo.

Watson defendeu inicialmente o abandono da introspecção em seu breve artigo Psychology as the Behaviorist Views It (Watson, 1913 - A Psicologia do ponto de vista do behaviorista), argumentando que o estudo da vida mental, consciência, sensações, e assim por diante, não estava levando a psicologia a lugar nenhum e devia ser abandonado provisoriamente, em favor da concen­ tração na pesquisa comportamental, até que fossem desenvolvidos métodos mais capazes de lançar alguma luz nesses processos. Os princípios do com­ portamento deviam ser aplicados de um modo científico, sem referência a estados mentais, para a psicologia avançar como uma ciência natural. Se, em algum ponto do desenvolvimento metodológico, os psicólogos descobrirem um modo de introduzir os conceitos mentalistas que podem ser praticamente estudados, então que seja. Eles poderão estudar a vida mental nesse período usando novas formulações e novos métodos. Quando Watson escreveu, a me­ todologia era insuficiente para esses estudos e o foco da psicologia era frag­ mentário: “O método introspectivo atingiu um beco sem saída com respeito a esses assuntos [imaginação, julgamento, raciocínio e reflexão]. Os tópicos ficaram tão puídos de tanto que foram manuseados, que bem poderiam ser colocados de lado por um tempo. A medida que nossos métodos sejam mais bem desenvolvidos, será possível empreender as investigações de formas de comportamento mais e mais complexas. Os problemas que são agora deixados de lado tornar-se-ão novamente imperativos, mas poderão ser vistos à medida que forem surgindo de um novo ângulo e em situações mais concretas”(Hillix & Marx, 1974, p. 212: Watson, 1913). Watson propôs um programa prático, buscando tirar a psicologia da mira da introspecção e trazê-la para mais perto

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das ciências naturais. O status das definições de mente e dos conceitos men- talistas era duvidoso, e as tentativas de estudar quantitativamente os conceitos que nem mesmo podiam ser definidos lhe pareciam sem sentido. Ele sentia que essas premissas profundamente defeituosas deviam ser rejeitadas. Se as questões formuladas pela psicologia introspectiva não levavam a lugar algum, então formule outros tipos de questões de outras maneiras. A sugestão de Watson de que a psicologia devia ignorar os eventos internos, até que fossem encontrados métodos melhores para descrevê-los e estudá-los, foi um desen­ volvimento prático para a psicologia e sua posição foi adotada sinceramente pelos psicólogos que tentavam desenvolver métodos com um grau de controle experimental característico daqueles das ciências naturais.

Além do livro de Pavlov, Conditioned Reflexes, Skinner, quando es­ tudante de pós-graduação, também carregava uma cópia do livro de Wat­ son, Behaviorism (1924). Seu interesse por Watson deve-se menos por seus estudos em psicologia do que por suas relações com a epistemologia. Skinner foi introduzido no behaviorismo de Watson através do trabalho de Bertrand Russell. Antes, Russell recorrera ao behaviorismo como base para uma epistemologia empírica, ao extrapolar a formulação de Watson para os problemas do conhecimento e foram, principalmente, as im plica­ ções epistemológicas do behaviorismo de Watson que o aproximaram de Skinner. De acordo com Smith: “Russell, ao aplicar a psicologia compor- tamental ao problema do conhecimento, proporcionou um modelo que Skinner seguiu desde então. Os detalhes da descrição de Russell foram, logo após, rejeitados por Skinner, mas a noção geral do desenvolvimento de uma epistemologia empírica, a partir de uma base behaviorista, foi um tema persistente ao longo da carreira de Skinner” (Smith, 1986, p. 263). Skinner ficou impressionado com as possibilidades epistemológicas sugeridas inicialmente pelo behaviorismo de Watson, mas questionou a formulação de Watson sobre questões experimentais substantivas.

O programa de Watson usou a mesma unidade de análise do programa de Pavlov, a mesma relação estímulo-resposta inata. Como Pavlov, Watson estava também preocupado com o modo em que os reflexos adquiridos eram cons­ truídos através do emparelhamento de estímulos condicionados e incondi- cionados. O ponto de vista de Skinner, ao partir da relação estímulo-resposta como uma unidade de análise, não precisa de mais elaboração.

Skinner considerou impraticável realizar o objetivo da psicologia, con­ forme concebido por Watson - “a descoberta de dados tais e leis que, dado o estímulo, a psicologia pode prever qual resposta ocorrerá; ou, dada a resposta, ela pode especificar a natureza do estímulo eficaz” (Watson, 1919, p. 10).

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Um programa que buscasse perseguir este objetivo resultaria em um catálogo de reflexos adquiridos, em referência ao comportamento de um organismo individual, que sofreria crítica e revisão constante ao longo da vida desse in­ divíduo, à medida que novos reflexos fossem condicionados e outros se extin­ guissem. Skinner o considerou como uma espécie de “botanização dos refle­ xos”: “O número de estímulos ao qual um organismo típico pode responder originalmente é muito grande e, a cada um deles, poderá vir a responder de muitas maneiras. Segue-se que, para todos os propósitos práticos, o número de reflexos possíveis é infinito e o que se pode chamar de botanização dos reflexos seria uma tarefa ingrata” (Skinner, 1938, p. 10). Skinner estava for­ temente impressionado pelas possibilidades epistemológicas do behaviorismo de Watson, mas era crítico tanto de seu objeto de estudo (relações estímulo- resposta) como de seu programa para a psicologia.

Dispensando o dualismo

Em outro (e talvez mais fundamental) aspecto, o sistema skinneriano rejeita uma filosofia que é central no programa behaviorista inicial: a visão dualista da pessoa. Watson propôs que a mente e o corpo fossem separadas minuciosamente em um programa de pesquisa pragmático. Naquela época, o que acontecia dentro do organismo estava sendo necessariamente negado, um sistema separado com nenhuma relevância para o estudo do comportamento. A psicologia oscilava entre o estudo da vida interior, dos sentimentos, estados, e assim por diante, e, em seu polo oposto, a mensuração objetiva do compor­ tamento observável.

Skinner identificou o behaviorismo de Watson (behaviorismo metodoló­ gico) como um tipo de “versão psicológica do operacionismo ou positivismo lógico” (Skinner, 1974, p. 14) na medida em que requeria: a) a verdade por consenso (como o positivismo lógico); e b) a redução de conceitos (por exem­ plo, sensação, percepção, e assim por diante) à operação de discriminação. Para Skinner, estes aspectos indicavam um avanço da psicologia, livrando-a de digressões filosóficas e encorajando-a a explorar as similaridades entre os seres humanos e as outras espécies. O sistema skinneriano, entretanto, é distinto do programa de Watson, primariamente porque dispensa a visão dualista de pessoa, herdada de Descartes pela filosofia ocidental.

O dualismo resolveu o problema do comportamento voluntário e in­ voluntário para Descartes, permitindo que distinguisse o comportamento mecânico do comportamento gerado pelo livre arbítrio e, assim, satisfazer preocupações religiosas importantes naquele tempo. Para Watson, resolvia-se

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o problema prático de como libertar a psicologia para tomar seu lugar como uma ciência natural. Watson propôs deixar de lado os eventos mentais até que métodos apropriados possam ser elaborados, quando então poderiam ser reavaliados com base nesses avanços. Mas, como foi discutido nos Capítulos 2 e 5, a metodologia sozinha não é suficiente porque um sistema baseado no dualismo irá, inevitavelmente, se preocupar com questões orientadas por essa visão. Watson estava quase correto quando escreveu: “Alguma coisa está erra­ da com nossas premissas e os tipos de problemas que emergem delas” (Hillix & Marx, 1974, p. 205: Watson, 1913). Sua solução foi ignorar a metade mais incômoda da dicotomia. Skinner também considerava que havia alguma coisa errada com as premissas, mas, em vez de aceitar a dicotomia e ignorar os eventos ocorrendo dentro do organismo, a metade incômoda, dispensou a própria dicotomia, com base em que ninguém poderia negar seriamente a importância do que pensamos e do que sentimos. Cada indivíduo é um mun­ do de pensamentos, sentimentos, redes de relações que sustentam esses sen­ timentos, e vice-versa. O que faltava era uma nova filosofia, um novo modo de pensar sobre a pessoa que pudesse incluir os acontecimentos privados, seus pensamentos e sentimentos, sem colocar essas coisas separadas como se per­ tencessem a uma outra dimensão.

A solução de Skinner foi reavaliar a premissa de que existiam dois sis­ temas, dois mundos, o físico e o mental e, como resultado, avançar para além da visão dualista da pessoa: “O behaviorismo metodológico e algumas versões do positivismo lógico excluíram os acontecimentos privados porque não era possível haver um acordo público acerca de sua validade. A intros­ pecção não poderia ser aceita como uma prática científica, e a psicologia de pessoas como W ilhelm Wundt e Edward B. Tichtner era atacada por isso. O behaviorismo radical, entretanto, adota uma linha diferente. Não nega a possibilidade de auto-observação ou do autoconhecimento ou sua possível utilidade, mas questiona a natureza daquilo que é sentido ou observado e, portanto, conhecido. Restaura a introspecção, mas não aquilo que os filóso­ fos e os psicólogos introspectivos acreditavam que estivessem espectando’, e suscita o problema de quanto de nosso corpo podemos realmente observar”

(Skinner, 1974, p. 16).

O livro Sobre o Behaviorismo (About Behaviorism - Skinner, 1974) es­ boça uma filosofia que se caracteriza pelo modo diferente de conceber a pessoa e de incorporar os acontecimentos privados dentro do sistema como um todo. Quando Watson propôs a reformulação dos conceitos mentalistas para in­ corporá-los aos métodos científicos refinados, ofereceu somente uma solução parcial às dificuldades provenientes, largamente, da visão dualista da psico­

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logia acerca da pessoa. Enquanto não for substituída a filosofia que separa o comportamento voluntário do involuntário e os acontecimentos privados do comportamento por outra que incorpora a experiência privada como parte de um sistema unificado, permanecerão não resolvidas as mesmas dificuldades que Watson tentou enfrentar.

O autoconhecimento e a comunidade verbal

O behaviorismo radical dirige a atenção para o modo como o com­ portamento verbal, tanto como os outros tipos de comportamento, é mo­ delado pelos eventos do contexto em que ocorre e, assim, dirige a atenção para as origens sociais da consciência, compreensão e autoconhecimento (ver Blackman, 1991). A comunidade modela o comportamento verbal para que corresponda aos objetos e acontecimentos externos observáveis e tenta fazer a mesma coisa quando os eventos são privados. A extensão em que sabemos ou estamos conscientes de nosso mundo privado, no sen­ tido de sermos capazes de descrevê-lo verbalmente, depende da extensão em que nossa comunidade foi hábil em estabelecer relações entre nosso mundo privado e os termos lingüísticos: “Uma pequena parte do universo está contida dentro da pele de cada um de nós. Não existe razão pela qual deva ter alguma condição física especial por estar situada dentro desses limites” (Skinner, 1974, p. 21). Nem para o nosso mundo privado ser ex­ cluído do domínio da análise científica: “Os acontecimentos privados são observáveis, mesmo que somente pela audiência composta por uma única pessoa... Os acontecimentos [fictícios] mentais, ao contrário, são inob­ serváveis porque são não-físicos; ninguém pode jamais observar a própria crença ou a própria inteligência, independentemente dos argumentos de que podem ser inferidas de suas manifestações físicas, públicas e privadas”. (Baum & Heath, 1992, pp. 1313). A comunidade verbal pode resolver o problema da privacidade, na extensão em que pode estabelecer o melhor ajuste em sua modelagem dos termos verbais para os acontecimentos pri­ vados. Nesta formulação evapora-se a necessidade de sistemas paralelos de mundos dicotômicos: “O autoconhecimento é de origem social” (Skinner, 1974, p. 31); é através da interação social que adquirimos conhecimentos acerca de nós mesmos, na extensão da sensibilidade e habilidade de nossa comunidade verbal.

Watson em seu behaviorismo metodológico aceitou as pressuposições dualistas sobre o comportamento e a pessoa se comportando, mas Skinner, em seu behaviorismo radical, afastou-se das formulações dualistas, negan­

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do status especial aos acontecimentos privados e permitindo sua inclusão numa análise científica. A descrição do behaviorismo radical sobre o auto- conhecimento, consciência, compreensão, e assim por diante está, filoso­ ficamente, mais próxima do interacionismo simbólico de George Herbert Mead (1934) e da posição de Lev S. Vygotsky (1962) sobre a relação entre linguagem, pensamento e consciência, do que da formulação de Watson (Blackman, 1991).