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Do Indivíduo para a Média

A maioria dos textos psicológicos esclarece cuidadosamente o conceito matemático de distribuição normal ou a curva em forma de sino e insinuam (se é que não afirmam explicitamente) que os atributos psicológicos tendem em direção à média, com menores e menores números minguando na direção do excesso ou da deficiência. A suposição de que as variações no comporta­ mento se ajustam aproximadãmentelí curva em forma de sino proporciona a base para os testes estatísticos conduzirem às inferências sobre o efeito de uma variável independente como oposto às flutuações por acaso.

No livro The Taming of Chance (A Domesticação do Acaso), Hacking (1990) doeu m entao^_de5£ii volvi mento do raciocínio estatístico como um modo de impor ordem e previsibilidade aos fenômenos sociais, e esmiuça como Quetelet desenvolveu a suposição de que os aspectos do comportamen­ to humano são distribuídos normalmente! A pesquisa He Hackingftrata o TãaÕamÕ^ê^Quetefet com refinado cTetalhe e assim lança nova compreensão sobre a suposição, mostrando como Quetelet transformou propriedades ma­ temáticas abstratas em valores reais, em propriedades de um coletivo. Quetelet saltou simplesmente da distribuição de erros de medida para a afirmação de que esta distribuição era característica dos fenômenos biológicos e sociais.

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Mecca C h ie sa Capítulo 4

BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Ciência

tes Pri aC01^° COrn Haddng, o raciocínio de Quetelet derivou de duas fon- A rimeiro> das observações repetidas de uma medida de quantidade astro- nomica unica ao lono-^ . , , _ ^ut>° oe um período de quatro anos. Essas medidas de umaa

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quantidade física a 1 • 1 \ 1 j

média d d mo desconhecida) se aglomeraram em torno de uma

que se podia supor que a medida real estava em algum ponto

d r|0m0 a<^Ue^a m^ia. Segundo, das medidas publicadas de 5.738 soldados

tórax d ™0^ >r*me*ro regirnento escocês. Quetelet combinou as medidas do o íegirnento e encontrou o maior número da medida em trinta ove po egadas (1073) e quarenta polegadas (1079) (Hacking, 1990). Ele entao introduziu um «n u passo estranho ao raciocínio: rez um surpreendente elo, . , . r , 1

erros em m e d id a s d e q u a n tid a d e s físicas e m e d id a s d e p ro p rie d a d e s ab s­ tra ta s, a rg u m e n ta n H n n <■ . . , , , . ,

1 uu 4ue se um torax individual de aproximadamente qua­

renta polegadas foi medido 5.738 vezes, essas medidas mostrariam a mesma

& q a .C’ Se a§^omerando em torno do valor real do mesmo modo.

, . ar§ urnentou que as medidas de muitos indivíduos seriam indis-

e então d$ £m^ Str^ u^^° ^as muitas medidas tomadas do mesmo indivíduo eu 0 mesmo status para as propriedades estatísticas abstratas e para os valores reaic ,

ç, .

. nie equiparou as abstrações estatísticas com quantida-1 - / • • 1

sicas le a is s u b m e t e n d o - a s às m e sm as té c n ic a s fo rm ais (H a c k in g , 1 9 9 0 ).

guando se mede n rAm a , . , , . . .

,. , . Lurax ae um indivíduo muitas vezes ou se realizam muitas

medidas de um evpnt-« a . . . t .

real send astronomico, existe uma quantidade objetivamente

1 1 *^a: Porém, “[Quetelet] transformou a teoria da mensuração

da - liumiT a cs físicas desconhecidas, com úmã^probabilidãde de errõ~dèfiiTi- ar-nuiiia teoria^diTmênsuraçao de pfõpnedadesn^HÍs~ou abstramsnienima

—^<=_^^P^oprieda3'es ideais ou abstratas se tornaram quantidades"

^ — P nas porque podiairTser submetidas as~mesmas técnicas formais. Este

7—. domesticaçao do acaso. Começa por transformar asiêis-

r ." desTrltivárdé regularidades de grãnde^êscãlãT

em leis da natureTiTTTn;---

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---r2——--- ---7-7--- „ /tj—"p ---± i^ a a sociedade que tratam de causas e verdades subjacen-

l a mg, 1990, p. f õ s r t Quetelet tomou a forma dos erros em medidas

de propriedades fkirae « • .. e simplesmente anrmou que esta rorma poderia tam-1

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1 •

1 a a distribuição dos fenômenos sociais: “A posição celeste que

esta sendo medida ^ 1 1 1 1

mos é L . ponto real no espaço e a distribuição de erros, supo-

Quetelet 1 C^ lacterist*ca objetiva do instrumento de medida e do observador.

^ uuou o jogo. Ele aplicou a mesma curva aos fenômenos biológicos

e sociais, onde a médio o • 1 ,

r

acim a de tudo, nao e uma quantidade real ou, antes,j j - > -j j 1 ormou a m édia num a quantidade real” (Hacking, 1990, p. 107). tante Or^ eito de m édia como uma propriedade real (ou ideal) foi impor-

P a Q uetelet como parte de sua doutrina do Homem Médio (Quetelet,

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1969), onde supôs que a natureza pretendeu atingir um ponto fixo na criação dos seres humanos mas que, assim como um indivíduo comete erros de me­ dida, também a natureza comete erros e produz arranjos em torno do ponto fixo. Fashing e Goertzel (1981) apontaram que, para Quetelet, “a média em qualquer distribuição dos fenômenos humanos era... não meramente uma fer­ ramenta descritiva, mas uma afirmação do ideal” e “os extremos em todas as coisas eram desvios indesejáveis” (p. 16). Esta visão difere do conceito biológi­ co de variação, no sentido de que para um biólogo a variação está longe de ser um erro da natureza ou um desvio indesejável de um ponto fixo ideal. Ela é a matéria-prima da seleção e evolução. Conceitos tais como média e ideal não entram numa formulação biológica darwinista, mas continuam, na tradição de Quetelet, a formar parte dos fundamentos do tratamento da psicologia aos seus dados. A suposição de que as medidas de muitos indivíduos tendem a se aglomerar em torno de uma média e que existe em algum ponto dos dados um sujeito médio ou ideal, é a base do modo como a psicologia trata a variação.

O mito da curva normal (Fashing & Goertzel, 1981), com seus conceitos acessórios de desvio, a média e o ideal, foi inscrito na filosofia dos fenômenos sociais, permitindo o desenvolvimento de novas técnicas estatísticas, que fo­ ram ansiosamente aplicadas pelos sociólogos e psicólogos, em suas tentativas de quantificar o comportamento e desenvolver análises causais. Paradoxal­ mente, enquanto a psicologia reconhece a variação e, assim, a individuali­ dade, ela considera a variação (e, assim, a individualidade) como sendo uma característica indesejável de seus dados. A média é um centro de onde parte o desvio e desvios do estado normal são malvistos e considerados como não re­ presentativos da pessoa média. Mas, como outros autores também apontaram (Sidman, 1960; Hersen &Barlow, 1976; Fashing & Goertzel, 1981; Hacking, 1990), essa quantidade real enquanto pessoa média não existe. A distribuição normal é uma concepção matemática de uma distribuição idealizada. Grandes números de escores, como grandes números de erros de medida, produzem médias estatísticas com aglomerados em torno da média. Essas estatísticas não descrevem um indivíduo médio ou qualquer propriedade objetivamente real. A média numérica é somente isto. Todos os indivíduos num experimento de psicologia, ou qualquer outra coleção de informação estatística, sejam as medidas de seus comportamentos próximas ou distantes da média, são apenas isso - indivíduos^ Os psicólogos ^ue j^gam-grandes grupos e abordagem esta­ tística podem tirar conclusão sobre as variáveis independentes-e- suas-relações com o comportamento somente silenciando as diferenças entre indivíduos. Uma abordagem assim evita a questão “Quais comportamentos esta,variável ihdependentêTirifluencia?”. Quetelet derivou a noção de média ou ideal de

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observações maciças de muitos indivíduos e afirmou que tais observações to­ mariam a mesma forma caso fossem as medidas de um indivíduo. Nesse passo inicial, ele transformou propriedades matemáticas abstratas em quantidades reais. Os psicólogos, ao utilizarem as técnicas estatísticas baseadas na média e curva de Quetelet, são forçados a ver seus dados maciços como se fossem retirados de um indivíduo - o sujeito médio ideal. Embora não exista um fe­ nômeno como esse na realidade, a noção de pessoa média ou ideal se esconde por trás de todos esses experimentos.