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Edward C. Tolman é classificado sob vários rótulos, entre eles, behavio­ rismo (Hillix & Marx, 1974), neobehaviorismo (como em Smith, 1986), e teorias organizacionais cognitivas (Bower & Hilgard, 1981). Tolman recebeu seu Ph.D em Harvard, em 1915, dois anos depois da publicação do artigo de Watson Psychology as the Behaviorist Views It (1913). Tolman conhe­ ceu o behaviorismo de Watson em 1914 e ficou, em suas próprias palavras, entusiasmado com a abordagem (Tolman, 1959, p. 94). Em adição ao seu comprometimento inicial com o behaviorismo, o trabalho experimental de Tolman foi principalmente conduzido com ratos em situações de aprendiza­ gem em labirintos e, então, seu objeto de estudo parece ligado proximamente à tradição comportamental inicial. Sua classificação sob o tópico das teorias organizacionais cognitivas será explicada abaixo, bem como o abismo entre o seu sistema e o behaviorismo radical.

A psicologia S-O-R

Watson criou uma reviravolta na psicologia, substituindo a introspec­ ção pelas medidas de relações estímulo-resposta. Tolman se preocupou em gingar de volta novamente, pelo menos um pouco, e tentou colocar o orga­ nismo dentro dessas relações. Tolman moveu-se de uma psicologia estímulo- resposta para uma psicologia estímulo-organismo-resposta, argumentando que as relações estímulo-resposta não podiam explicar o comportamento dos ratos em seus experimentos de aprendizagem em labirintos. Em 1922, propôs um novo behaviorismo, que ficaria entre a antiga escola introspec- cionista e a recentemente dominante psicologia estímulo-resposta. Seria um behaviorismo não fisiológico, sem preocupações com conexões sinápticas e impulsos nervosos, que descobriria um lugar para alguns aspectos da psico­ logia introspectiva. “Este novo behaviorismo”, ele escreveu, “será capaz de cobrir não meramente os resultados de testes mentais, medidas objetivas da

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memória, e a psicologia animal como essa, mas também de tudo que era válido nos resultados da antiga psicologia introspectiva. E essa nova fórmula de behaviorismo que propomos com a intenção de estendê-la a toda a psico­ logia - uma fórmula para trazer paz formal, não meramente ao trabalho ani­ mal, mas também para incluir a imaginação e a tessitura afetiva” (Hillix & Marx, 1974, pp. 221-222: Tolman, 1922). Em vez de aceitar a exclusividade mútua entre o behaviorismo e a instrospecção como Watson teria preferido, Tolman tentou reuni-los e preservar o tom objetivo do behaviorismo, sem rejeitar o papel de mediadores internos entre o estímulo e a resposta. No sistema de Tolman, o behaviorismo moveu-se de uma estrutura S-R para uma S-O-R.

Uma ilustração simples de seu behaviorismo mediacional se encontra em seu livro Cognitive Maps in Rats and Men (Tolman, 1948 - Mapas Cogniti­ vos nos Ratos e Homens), onde questionou os psicólogos S-R que interpre­ tavam a aprendizagem dos ratos nos labirintos como uma simples questão de fortalecimento de conexões estímulo-resposta. Ele resumiu a posição S-R assim: “A aprendizagem, de acordo com essa visão, consiste nos respectivos fortalecimentos e enfraquecimentos de várias dessas conexões [sinápticas]; as conexões que resultam no animal entrar no caminho correto se tornam rela­ tivamente mais abertas à passagem dos impulsos nervosos, enquanto aquelas que o levam a entrar em becos sem saída se tornam relativamente menos abertas” (Tolman, 1948, p. 190). Tolman considerava esta visão inadequada, que os processos cerebrais ocorrendo durante a aprendizagem no labirinto são consideravelmente mais complexos do que essa descrição permite. Ele próprio se classificou entre um grupo que chamou de teóricos de campo, que consi­ derava a aprendizagem no labirinto como o desenvolvimento de um “mapa cognitivo”. Esse mapa cognitivo, dizia-se, dirigia o rato para o seu objetivo. Tolman contrastou as analogias entre uma sala de controle dos mapas e uma central telefônica. Na descrição S-R, as conexões sinápticas parecem similares às conexões de uma central telefônica, onde as informações que chegam (estí­ mulos) são conectadas de um modo ponto-a-ponto com as respostas liberadas. Na descrição de campo ou S-O-R, o escritório central (a central telefônica da descrição S-R) é mais parecido com uma sala de controle de mapas. Quando enfrenta uma situação nova (talvez alguma rota aprendida previamente foi bloqueada), o rato perscruta seu mapa cognitivo e esboça o trajeto de outra rota por onde pode atingir seu objetivo.

O mapa cognitivo é uma construção teórica elaborada, um instrumen­ to explicativo localizado dentro do organismo. Recebe sua própria estrutura complexa e uma das intrigantes tarefas de pesquisa é descobrir mais e mais

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exatamente, a natureza dessa estrutura. Tolman ficou interessado em descobrir “o quanto esses mapas são relativamente específicos e delimitados ou relativa­ mente amplos e compreensíveis” (Tolman, 1948, p. 193) e considerava que seus experimentos davam indício de que as condições favoreciam o desenvol­ vimento de mapas delimitados específicos. E discutiu suas implicações para a psicologia clínica, sugerindo que certos problemas humano-sociais podem resultar do desenvolvimento de mapas delimitados específicos. Entre as condi­ ções que acreditava levar ao desenvolvimento desses tipos de mapas cognitivos mais estreitos estava “a presença de condições muito fortemente motivadoras ou muito fortemente frustrantes” (Tolman, 1948, p. 207). E sugeriu que “pelo menos três dinâmicas chamadas, respectivamente, ‘regressão’, ‘fixação’ e ‘libe­ ração de agressão a grupos externos’ são expressões de mapas cognitivos muito estreitos e que se desenvolvem como resultado de motivação muito violenta ou frustração muito intensa” (Tolman, 1948, p. 207). Se puderem ser desco­ bertas as condições que levam ao desenvolvimento desses mapas delimitados específicos, então elas podem ser controladas com o propósito de aliviar a regressão, fixação e a exibição de agressão.

O artigo de Tolman exemplifica um tipo de raciocínio considerado no Capítulo 2, onde foi apontado que a referência a nomes na pesquisa psicológica orienta o cientista a formular questões sobre a estrutura da coisa que foi referida. Argumentou-se, no mesmo capítulo, que a refe­ rência a nomes também encoraja o cientista a assumir que o nome é um constructo causal em vez de descritivo. Tolman enfrentou o problema de explicar a aprendizagem latente, que diz respeito a ratos serem colocados em um labirinto para o percorrerem livremente sem recompensa; subse­ qüentemente, os mesmos ratos eram colocados no mesmo labirinto com alimento disponível no ponto final. Quase que em seguida os ratos correm do início do labirinto até o objetivo com poucos erros. Nas palavras de Tolman: “Eles demonstraram que, durante as tentativas não recompensa­ das anteriores, aprenderam onde estavam muitos dos becos sem saída. Eles tinham construído um ‘mapa’ e poderiam utilizá-lo tão logo estivessem motivados a fazê-lo” (Tolman, 1948, p. 195). Este é o primeiro passo no processo de raciocínio: um mapa cognitivo é construído e localizado den­ tro do organismo para explicar a aprendizagem latente. O próximo passo consiste em identificar a estrutura do mapa - o mapa é específico e deli­ mitado ou é relativamente amplo e compreensível? A estrutura do mapa começa a interessar por si mesma, totalmente separada do comportamento do organismo. O passo final foi dado na seção das conclusões do artigo de Tolman, quando o mapa deixa de ser um constructo explicativo para ser a

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causa de certos tipos de comportamento. Em todos os níveis do processo, o comportamento é iniciado por um constructo interno (e hipotético) que tanto explica a aprendizagem latente como causa outros tipos de compor­ tamento, por exemplo, o comportamento de uma pessoa que é regressivo, fixado ou exibe agressão a grupos de fora.

O passado e presente da psicologia cognitiva

Embora em torno de 1959 o próprio Tolman tenha, em alguma extensão, perdido a confiança em seu sistema, ou no “assim-chamado sistema” como ele próprio colocou o assunto (Tolman, 1959, p. 152), as palavras finais da seção sobre Tolman em Bower e Hilgard sugerem que seu impacto foi maior do que ele antecipara: “O tipo de programa que Tolman visualizou parece agora estar vindo a se frutificar na psicologia cognitiva moderna” (Bower & Hilgard, 1981, p. 351). Peso adicional a essa afirmação é dado em An Introduction to Animal Cognition (Pearce, 1987), que trata cuidadosamente da abordagem geral de Tolman e com algumas de suas afirmações específicas, tais como a existência de mapas cognitivos. O autor aponta que Tolman estava descon­ tente com as relações S-R como explicações da aprendizagem e preferiu as ex­ plicações em termos de expectativas e antecipação: “Assim, pode-se considerar que os animais estão adquirindo conhecimentos em vez de respostas e é isto o que marca a abordagem de Tolman como cognitiva, ao invés de compor- tamental” (Pearce, 1987, p. 30). No contexto histórico, como um psicólogo tentando desenvolver métodos mais alinhados com as ciências naturais, Tol­ man pertence à tradição “comportamental”. Mas no contexto da psicologia contemporânea sua abordagem S-O-R é sonoramente cognitiva.

A psicologia cognitiva e suas conseqüências

Skinner foi crítico da alegação feita por Pavlov de que estaria estudando o funcionamento cortical em seu trabalho sobre os reflexos condicionados, argumentando que os dados de Pavlov não eram sobre o sistema nervoso, mas sobre as relações comportamento-ambiente e que as interpretações teóricas deviam referir-se somente a essas relações. Similarmente, a psicologia cogniti­ va alega que seus dados são sobre processos ocorrendo dentro do organismo e está sujeita à mesma crítica. Os dados da psicologia cognitiva são comporta- mentais e, de acordo com a filosofia da ciência descritiva, observacional e in- tegrativa de Skinner, deviam ser interpretados igualmente neste nível. Ele ar­ gumentou que os conceitos da psicologia cognitiva são “substitutos internos”

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das contingências de reforço: “Tome, por exemplo, o assim chamado processo de associação. No experimento de Pavlov um cão privado de alimento ouve uma campainha e, então, é alimentado. Se isto acontece muitas vezes, o cão começa a salivar quando ouve a campainha. O padrão de explicação menta- lista é que o cão associa a campainha ao alimento. Mas foi Pavlov quem os associou! ‘Associar’ significa juntar ou unir. O cão meramente começa a salivar após ouvir a campainha. Não temos prova de que faz isto por causa de um substituto interno das contingências” (Skinner, 1978, p. 97). De acordo com Skinner, as associações ocorrem no mundo real, não em algum outro mundo de processos mentais inferidos. A “associação de palavras” é outro exemplo: “Se dizemos ‘lar’ quando alguém diz ‘casa’, não é porque associamos as duas palavras mas porque elas estão associadas nas conversas diárias em português. A associação cognitiva é uma invenção” (Skinner, 1978, p. 98).

Skinner sustenta que a psicologia cognitiva implanta o mundo real dentro da cabeça do organismo e esta forma de raciocínio contribui para a nossa inabilidade em resolver muitos dos nossos graves problemas sociais. Se o mundo existe em alguma representação interna da mente, associações, idéias e atitudes, então os problemas do mundo também existem nesse mesmo lugar e as mudanças devem ser efetuadas nesse lugar. Se, entretanto, o comportamento é interpretado em relação às contingências ambientais, na interação mútua entre o ambiente e o organismo se comportando, no mundo real habitado pelo organismo que se comporta, então as mudanças devem ser efetuadas no mundo real. Skinner estava profundamente preocupado com o destino da espécie humana, com os problemas sociais humanos. Essa preocupação pode ser confirmada ao longo da obra Refiections on Behaviorism and Society que trata, entre outros tópicos de Comportamento Humano e Democracia, Somos Livres Para Ter Um Futuro?, A Ética De Ajudar As Pessoas, e Humanismo e Behaviorismo (Skinner, 1978). Ele discute em um trabalho antigo, Science and Human Behavior (1953), o papel de agências controladoras como governo e lei, religião, psicoterapia e educação, tratando de assuntos como O Indivíduo Como Um Todo, O Comportamento De Pessoas Em Grupo e com a questão A Ciência Pode Ajudar? Outra obra, Upon Fur- ther Refletion (1987), considera questões tais como: Porque Não Estamos Agindo Para Salvar O Mundo, O Que Está Errado Com A Vida Diária No Mundo Oci­ dental? A Vergonha Da Educação Americana, Auto-gerência Intelectual Na Velhice, e Alguns Pensamentos Sobre O Futuro.

As críticas de Skinner à psicologia cognitiva são baseadas parcialmente em sua filosofia da ciência, que rejeita inferências da observação para dimen­ sões não oferecidas pelos dados e, parcialmente, em sua profunda preocupação com os problemas humano-sociais: “O apelo a estados e processos cognitivos é um desvio que pode muito bem ser o responsável por muitas de nossas falhas

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em resolver os nossos problemas. Precisamos mudar nosso comportamento e podemos fazê-lo somente mudando nossos ambientes físico e social. Escolhe­ mos o caminho errado, logo de início, quando supomos que nosso objetivo é mudar as ‘mentes e corações dos homens e mulheres’ em vez do mundo no qual eles vivem” (Skinner, 1978, p. 112).

Localizar Tolman e Skinner sob o rótulo do Behaviorismo pode estar certo no contexto histórico, mas está totalmente errado no contexto filosófico. Tolman buscou identificar os processos mediadores entre input e output, uma estrutura S-O-R, e deu a liderança para a psicologia cognitiva contemporânea. O behaviorismo radical, em contraste, busca identificar as relações entre o comportamento dos organismos, humanos ou quaisquer outros, e o contexto em que ocorre. A filosofia da ciência de Skinner rejeita inferências dos dados comportamentais para processos internos hipotéticos e sua preocupação com o bem-estar humano o atraiu para as interpretações do comportamento que carregam um potencial para a mudança.