• Nenhum resultado encontrado

Blend Swap e Blender Cloud: plataformas atravessadas por comunidades

4. Movimentos Colaborativos? Que recorte é esse?

4.4 Blend Swap e Blender Cloud: plataformas atravessadas por comunidades

A plataforma Blend Swap é fomentada por uma extensa comunidade virtual - com membros de várias partes do mundo - que compartilha arquivos .blend. Como se o autor que estivesse no meio da composição de uma animação, de um jogo ou da edição de um vídeo com o Blender, fizesse uma pausa para tomar uma café e a gente assumisse o comando do seu projeto, podendo alterar absolutamente qualquer aspecto dele.

Qualquer arquivo lá está licenciado em Creative Commons, permitindo que qualquer pessoa possa abri-lo, estudá-lo e editá-lo sem restrições, contanto que não se publique uma obra derivada. Vale salientar que é possível sim publicar uma outra obra a partir de um projeto hospedado na plataforma, contanto que o autor da primeira o permita. Ele pode fazê-lo sob algumas condições, uma delas pode ser exigir que a publicação da obra derivada lhe atribua crédito.

A Creative Commons (CC) é uma organização não governamental sem fins lucrativos dedicada à flexibilização do compartilhamento de obras criativas, através de licenças alternativas, reconhecidas juridicamente. Essas licenças não são contrárias aos direitos de autor, pois, funcionam complementarmente, permitindo que criadores configurem as permissões de uso de suas obras de acordo com suas necessidades (LESSIG, 2005, p. 256). Elas possibilitam uma reorganização das partilhas, pois o autor pode abrir um espaço que não existia antes (não era garantida pelas opções jurídicas anteriores) na relação do público para com a obra, quando ele diz, por exemplo: “– Ó, pode copiar e redistribuir essa imagem quantas vezes quiser e publicar onde quiser. Pode também editá-la para uso em quaisquer outras obras derivadas, contanto que sempre se diga que a autoria desta primeira versão é minha.”. Ou seja, pensando nessa relação público-obra como algo “comum”, o autor

poderá organizar de outra maneira quem e como outros autores tomarão parte dele. É uma maneira de assegurar, inclusive, que uma obra que o autor deseje que seja

livre para sempre, não seja apropriada por qualquer interesse particular (coisa que

a condição de “domínio público”, por exemplo, não assegura). O projeto da CC foi elaborado pelo professor Lawrence Lessig, com sede na Universidade de Stanford. No Brasil, é coordenado pelos professores e pesquisadores Pedro Mizukami e Eduardo Magrani, do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV DIREITO RIO, e pelo pesquisador Sérgio Branco, do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio). Nem todas as licenças Creative Commons são consideradas livres91, as que

contém em sua descrição as restrições “SemDerivados” (ND) e “NãoComercial” (NC) não são compatíveis com a produção de um acervo de conhecimento e cultura livres. Ao contrário do pretendido pelos idealizadores da CC, estas duas limitações têm sido muito utilizadas.

Voltando às plataformas, Blender Cloud é de “recurring crowdfunding”, que reune e disponibiliza não só os .blend, mas todos os demais arquivos envolvidos nos

Open Movie Projects, aquelas produções do estúdio Blender Institute mencionadas

no capítulo 3. Além disso, ela oferece (online) tutorias, livros, seminários, workshops, etc., com artistas, desenvolvedores e técnicos do estúdio, em que eles ensinam e comentam sobre seus processos de experimentação e insights estéticos.

O termo “Crowdfunding” relaciona-se a iniciativas de financiamento coletivo para agregação de múltiplas fontes de recursos para fomentar algo de interesse coletivo, que, no caso da Blender Cloud, é a criação de todo seu conteúdo licenciado em Creative Commons. Existem várias campanhas de financiamento coletivo dedicadas a projetos open source (de código livre ou aberto); como também de cultura livre, como a plataforma Unglue.it92, que tenta financiar a publicação

online, em licença Creative Commons, de títulos esgotados. O autor do livro estipula um determinado valor para que este passe a circular sem restrições. Já a

MusOpen93 angaria fundos para orquestras gravarem obras de compositores

clássicos e disponibilizarem as gravações gratuitamente e também sem restrições.

91 Este artigo em português esclarece o que seria uma licença Creative Commons considerada livre: <http://www.revista.arede.inf.br/site/edicao-n-91-maio-2013/5621-raitequi-libertando-a-forca-do- comum>. Acesso: 05/02/2018.

92 Mais informações em: <https://unglue.it/>. Acesso: 02/02/2018. 93 Mais informações em: <https://musopen.org/>. Acesso: 02/02/2018.

O termo "cultura livre" foi originalmente usado em 2003, durante a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, para apresentar a primeira licença livre para criações artísticas em larga escala. Foi inicializada pelo coletivo Copyleft Attitude, na França, em 2001, e chamada de “Licence Art Libre”. O “Movimento pela cultura livre”94 é alinhado ao “Movimento software livre” pois as “quatro liberdades”

postuladas pelo primeiro foram baseadas nas quatro do segundo.

Já o “recurring crowdfunfing” é um modelo continuado, ou seja, que não se encerra na realização de um projeto pontual (que começa e acaba) mas a um incentivo regular (geralmente mensal) para que os produtores de determinado conteúdo continuem fazendo o que estão fazendo. Ele tem sido bastante usado para dar suporte à publicação contínua de conteúdo novo por parte de pessoas que criam vídeos para internet, por exemplo.

A Blender Cloud é bem recente (2014), antes disso, os arquivos relativos aos

open projects eram disponibilizados nos blogs de cada um e nos boxs de DVDs que

forneciam tanto os filmes para reprodução em DVD players, como DVDs de dados com todos os arquivos .blend envolvidos na produção, bem como storyboards, texturas, animatics, trilhas de áudio, etc. Hoje, ela oferece o material de todos os

open projetcs para quem a assina regularmente (mensal, trimestral, semestral ou

anualmente), embora parte do conteúdo (como assistir os vídeos de todos os projetos prontos, por exemplo) seja publicada sem demanda de registro. A plataforma também aceita apoio de patrocinadores, como NVIDIA, AMD, Google, Intel, Steam, etc, mas nenhum dos seus conteúdos tem copyright ou royalties.

Ou seja, eu posso fazer download gratuito do carrinho95 do filme Caminandes

3: Llamingos96 (Pablo Vazquez/ 2016/ 2min30s/ Comédia), mas se eu quiser

qualquer outro arquivo de lá, não disponibilizado gratuitamente, posso pedir a qualquer pessoa ou instituição que assine a plataforma; isso não seria uma atitude ilegal. Pois a plataforma é só um serviço, uma das maneiras de se ter acesso aos

94 Mais informações em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_pela_cultura_livre>. Acesso: 31/01/2018.

95 Disponível para download em:

<https://cloud.blender.org/p/caminandes-3/565a2946c379cf1d289d330a>. Acesso:31/01/2018.

96 É possível assistir/fazer download do filme e acessar todos os arquivos envolvidos em sua produção em: <https://cloud.blender.org/p/caminandes-3/56aea0d5c379cf4aeeb79454>. Acesso: 31/01/2018.

arquivos, que são livres, publicados através das licenças CC-BY, CC-0 e CC-BY- SA97. Assim, não se está pagando pela propriedade dos arquivos ou por uma

permissão relativa a seu uso (caso tivessem dono). E sim, pela manutenção do serviço de hospedagem da plataforma, para que continue disponibilizando mais conteúdo livre. Ela tem o propósito de ampliar as possibilidades de contribuição voluntária ao trabalho dos profissionais do Blender Institute, bem como para manutenção do próprio Blender, já que também está vinculada à Blender Foundation. De qualquer maneira, deveria existir uma maneira fácil de se poder acessar a toda a produção do Blender Institute por parte dos que não tenham condições de contribuir financeiramente com ele. Vale dizer que a plataforma também oferece um serviço gratuito de compartilhamento de projetos pessoais online para que usuários em lugares diferentes possam editar junto (e ao mesmo tempo), ou para que uma mesma pessoa possa alterar seu trabalho acessando-o pela internet (através de computação em nuvem) mesmo que usando computadores distintos. Neste caso, o licenciamento, bem como os critérios de compartilhamento desses projetos ficam por conta de seus autores.

As comunidades em torno das plataformas Blend Swap e Blender Cloud compartilham a filosofia de que elas inevitavelmente crescem e melhoram, ao acompanhar o aprendizado de cada integrante. Esse “acompanhar” é, por exemplo, o seguinte: Meu sonho é fazer uma superprodução de ficção científica, com 2 horas de duração e todos os efeitos especiais que ela merece. No entanto, por enquanto, minha equipe é: eu e meu primo. Juntos, só sabemos fazer um robozinho simples e “xexelento”, mas posso lançar o projeto nas plataformas e agregar a ele pessoas que queiram criar comigo. Às vezes, elas não entram para a equipe, mas me indicam o projeto de outro robozinho, mais bem elaborado que o meu, ou cujas “entranhas” posso estudar, de dentro (entendendo como ele funciona), para aplicar suas soluções estéticas na composição do meu novo projeto. E meu robozinho pode ser material de estudo e “matéria-prima” de outras criações, para que ninguém precise criar robôs “do zero”, posteriormente, se não quiser. Todos testemunham não somente o crescimento do projeto, mas o meu, como artista (o que pode contribuir para uma rede de contatos), todos incentivam minhas buscas de expressão, para

97 Detalhes sobre as condições de licenciamento do conteúdo da Blender Cloud estão aqui: <https://cloud.blender.org/blog/blender-cloud-v3>. Acesso: 05/02/2018.

que isso gere mais conteúdo aberto na plataforma, proliferando mais aprendizado. Já que o código-fonte do Blender é comum (qualquer um pode ter acesso e modificá-lo segundo suas demandas), um programador pode ser pago por uma empresa de design pelas horas de trabalho empenhadas na criação de uma funcionalidade que ainda nem existe neste programa (mas que a empresa necessita que sim). No entanto, após isso, nem a empresa, nem seu programador, poderão proibir qualquer outra pessoa de utilizar esta nova ferramenta dentro do software (caso ela seja incorporada e publicada em sua versão oficial) ou mesmo de criar algo semelhante a ela. Se todo projeto que pré–existe uma obra renderizada estivesse compartilhado - contribuindo e se alimentando dessa cultura - será que isso influenciaria e/ou transformaria até nossas maneiras de “assistir”? Um espectador que altera o percurso da obra antes mesmo de assistir seus últimos

5. Como esses Movimentos Colaborativos se articulam com o