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2. Pistas metodológicas Cartografia

2.2 Experiências de rede contribuindo com mais pistas

Ao longo dos dois anos de mestrado, participei de diversos encontros de pesquisa que influenciaram bastante a maneira com a qual planejei, executei e refleti sobre esta intervenção. A seguir, apresento um pouco sobre o que circulou por eles.

Como integrante do projeto de pesquisa e extensão “Dispositivos de criação e a experiência do cinema na escola de educação básica do município de Campinas” (desde 2016) participei de reuniões quinzenais com outros pesquisadores do Laboratório de Estudos Audiovisuais – OLHO (FE/Unicamp), acompanhando e propondo atividades. O projeto se instala numa parceria - através de assessoria, planejamento e implementação – com o “Programa Cinema & Educação: A experiência do cinema na escola de educação básica Municipal”32, criado pela

Secretaria de Educação do Município de Campinas para a aplicação da Lei 13.006, que prevê exibir duas horas de cinema nacional por mês em todas as escolas de educação básica, como componente curricular complementar.

O Programa propõe realizar a formação de cineclubistas a serem envolvidos nas ações educacionais, para que estes possam assumir o protagonismo necessário na relação com o cinema na escola, tendo como perspectiva a formação do espectador voltada à produção de outras imagens audiovisuais na comunidade escolar, imagens que tenham potência de promover outras miradas para a escola e para o cinema. Cinco tópicos norteiam suas experimentações:

• O cinema como encontro de espaços e tempos, como prática social que excede às interações no contexto educacional; possibilita a (trans)formação da tessitura de saberes e conhecimentos que se atualizam nas relações de diferentes vozes e olhares;

• O cinema como potência estética, criadora e agenciadora de acontecimentos que possibilitam a (re)organização da rede polifônica de discursos;

• O cinema na escola inventa um mundo compartilhado que permite deslocamentos sensíveis entre diferentes, que afetam o espaço comum e as formas de ser e sentir de cada um. Mundo compartilhado este que é aberto ao que pertence a comunidade escolar? Todos aptos, emancipados a produzir imagem;

• O cineclube na educação é um dispositivo de invenção partilhado pelos filmes e fragmentos de filmes, cuja função é desestabilizar e repartir as maneiras de ver, falar e fazer na escola.

• Cada filme ou fragmento de filme é uma experiência que excede o mundo compartilhado que o cinema inventa na escola, pois cada filme ou fragmento de filme forma linhas de força com outros filmes e fragmentos de filmes compondo planos espaciais e temporais da materialidade do cinema. Neste sentido é possível esboçar filiações estéticas, éticas e políticas de filmes e fragmentos.

Através desse movimento, cheguei a esboçar um esquema do que seria a primeira “Mostra Audiovisual do Programa de Cinema & Educação: A Experiência do Cinema na Escola de Educação Básica Municipal”. A intenção seria mobilizar recursos públicos que viabilizassem a articulação e o fortalecimento de cineclubes nas escolas, envolvendo alunos, professores, gestores e pais. Ou seja, algo para além de um evento pontual, de divulgação. A Mostra estaria diretamente relacionada à criação de um acervo de filmes da rede municipal, para que sua própria produção cinematográfica fizesse parte de seus materiais de trabalho. Assim, uma das exigências da mostra seria a inscrição de filmes licenciados de maneira a permitir que circulassem livremente nos cineclubes das outras unidades de ensino. Além das exibições, o evento promoveria bate-papos com os realizadores dos filmes e uma mesa de debate com convidados, em torno do tema “Como Cineclubes Podem Provocar Criação de Cinema na Escola?”. No entanto, os recursos financeiros do Programa não foram renovados plenamente de 2016 a 2017, o que dificultaria sua ampliação no sentido de fomentar uma Mostra.

Em agosto de 2016, tivemos, dentro do nosso grupo de pesquisa, uma reunião com os gestores do Programa, em que muito se conversou sobre a importância de não se colocar os participantes em “situações impróprias” nas imagens. A discussão já estava intensa entre nós por conta da necessidade nos adaptarmos aos princípios da Resolução No 510 do Conselho Nacional de Saúde,

que havia sido lançada recentemente (abril de 2016). Ela se refere às pesquisas científicas envolvendo seres humanos nas Ciências Humanas e Sociais, e sob este

contexto, esta pesquisa-intervenção precisou ser aprovada por um Comitê de Ética antes de começar suas atividades.

Essas questões colocavam em cheque a gravidade de se fazer as imagens que eu estaria por produzir, pois teria que ter muita clareza sobre seu propósito, antes de mesmo ligar a câmera e/ou o gravador de áudio. A princípio, algumas imagens captadas tinham a intenção de “somente” registro, mas, nesse caso, se algum dos participantes fosse “flagrado” numa situação constrangedora, eu seria responsabilizada como educadora por ter deixado ele “chegar naquela situação ‘captável’”. Já quando a criação imagética colocava em ação um pensamento, quando a câmera ou o gravador de áudio se submetiam a um contexto de produção de cinema, e não, somente, do registro de um momento, me parece que tínhamos certa “licença poética” para atuar no mundo. E de, por vezes, criar algo comum que não necessariamente fosse consenso, promovendo encontros que também permitissem certa convivência com conflitos, constrangimentos e com a diferença.

Vale mencionar outras importantes atividades que estiveram vinculadas ao projeto de pesquisa “Dispositivos de criação e a experiência do cinema na escola de educação básica do município de Campinas”, como o oferecimento de disciplinas na Unicamp que agregaram, num mesmo período da semana, alunos da graduação, da pós-graduação e de um curso de extensão, bem como a realização dos seguintes “Encontros entre Cinemas e Escolas: pesquisa e extensão”:

• 1º Encontro: A criação dos “cineclubes de produção” | 28/03/2017

• 2º Encontro: A constituição e a circulação de acervos de filmes de curta- metragem e dos filmes produzidas nas escolas | 11/04/2017

• 3º Encontro: A construção de cineclubes de produção nas escolas, suas distâncias e a aproximações da sala de cinema e a invenção de nova formas de programação | 16/05/2017

• 4º Encontro entre cinema e escola: O ligar e o desligar a câmera, as produções de visualidades e os regimes éticos da imagem | 15/08/2017 Já como participante (desde 2016) da equipe de coordenação da Rede Kino - Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual, tenho entrado em contato com diversos outros projetos e discussões sobre cinema e educação. Como

o “Programa de Alfabetização Audiovisual”33, realizado pela Universidade Federal do

Rio Grande do Sul com as Secretarias Municipais da Cultura e de Educação, sediado na Cinemateca Capitólio, da cidade de Porto Alegre; o “Inventar com a diferença”34 do curso de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense e o

“Cinema para Aprender e Desaprender”35 da Faculdade de Educação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (CINEAD FE/UFRJ), dentre dezenas de outras iniciativas. Elas buscam desenvolver experiências educacionais com o cinema, pensando – o como prática de alteridade, como uma ferramenta que provoque alteração e mudança nas formas de perceber e inventar o mundo. Muitos dos educadores vinculados à Rede Kino utilizam o exercício “Minuto Lumière” (já mencionado), por exemplo, para operar com o que Alain Bergala (2008) define como os três gestos fundamentais do cinema, que são: escolha (definir um enquadramento a partir do recorte de um espaço), disposição (compor elementos no quadro) e ataque (definir a duração do plano). Esses gestos de criação podem também orientar práticas pedagógicas - ou seja, serem pensadas como gestos do professor - por envolverem uma série de escolhas de abordagem dos conteúdos curriculares a partir dos recursos da escola que podem repensar percursos de invenção de conhecimento com os estudantes.

Para cada encontro anual do Fórum da Rede Kino dentro da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, desafios têm sido lançados permeando a produção dos filmes que serão exibidos na “Mostra Educação”. Eles propõem colocar a realidade em situação, aberturas para o acaso, para as fissuras do real, para a presença da intervenção do estudante. Isso faz com que os diversos participantes da rede se coloquem diante de um mesmo problema e que possam compartilhar coletivamente (no Fórum) como lidaram com seus dilemas durante esse fazer. Gestando, assim, uma comunidade de cinema a partir deles. Este esquema, onde unidades que se assemelham (por terem que lidar com situações parecidas, como um mesmo sistema educacional e/ou uma mesma base curricular, por exemplo) compartilham entre si soluções locais diferentes em resposta ao já estabelecido, pode ser aproximado de um dos aspectos defendidos por Nelson Pretto como potência de um

33 Mais informações em <http://alfabetizacaoaudiovisual.blogspot.com.br/>. Acesso: 12/11/2017 34 Mais informações em <http://www.inventarcomadiferenca.org/> Acesso: 12/11/2017.

“jeito hacker de ser” para as escolas:

[…] aproveitando todos os equipamentos que já chegam às escolas, fornecidos pelo MEC e Secretarias de Educação, como computadores e câmeras fotográficas, e os celulares os próprios alunos, poderiam ser montados laboratórios hackers e promovidos hackdays nas escolas […] convidando inclusive ex-alunos e comunidade. Assim, os temas do cotidiano desses alunos e comunidade poderiam adentrar as escolas e interagir, como já mencionados, com o conhecimento estabelecido, fazendo com que cada escola pudesse, em seu projeto político pedagógico, constituir-se como um espaço de referência para a sua comunidade. (PRETTO, 2017, p. 62).

Quanto mais escolas se relacionarem, mais poderão trocar suas experiências e seu papel de referência comunitária poderá extrapolar o de “comunidade escolar”, para o de influente no bairro, no município, nos círculos dos quais participa no ciberespaço, etc. O termo hacker será abordado nos próximos capítulos, mas adianto que um hackday não se resumiria a um dia dedicado à programação de softwares, pois, pode referir-se a um encontro que permita a partilha de projetos e a trocas de saberes entre pessoas interessadas em desenvolver algo comum.

Também tive a oportunidade de ser influenciada metodologicamente pela rede de pesquisa “Imagens, Geografias e Educação”, por estar próxima de pesquisadores como Wencesláo de Oliveira Júnior, Eduardo Belleza e Cristiano Barbosa, bem como por ter participado do V Colóquio Internacional “A Educação pelas Imagens e suas Geografias” junto ao XVII Simpósio de Geografia da Univeridade Estadual de Santa Catarina - UDESC, onde me envolvi em interessantes discussões sobre atuar como cartógrafa numa pesquisa-intervenção. Na ocasião, apresentei o trabalho “Pensando ‘Terreno’ em Animações 3D Escolares feitas com Software Livre e Licenciadas em Creative Commons”. Os integrantes da rede consideram que fazer cinema na escola alinha-se aos estudos pautados nas conexões entre imagem, educação e espaço que vêm se adensando nos últimos anos, produzindo experimentações importantes e interessantes para a problematização junto ao modo como olhamos e nos relacionamos com as imagens. Como ressalta Oliveira Jr:

Educar os olhos não é somente fazê-los ver certas coisas, valorar certos temas e cores e formas, mas é, sobretudo, construir um pensamento sobre o que é ver; sobre o que são nossos olhos como instrumentos condutores do ato de conhecer, levando-nos a acreditar que ver é conhecer o real é ter esse real diante de nós. (OLIVEIRA Jr, 2009, p. 19).

3. Mafuá | Trabalho de Campo na Escola - Proposta e primeiros