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7. O Cinema como porta de entrada dos Movimentos Colaborativos na Escola: O que juntos podem provocar lá? O que a Escola

7.2 Memes e partilha do sensível

Quando nosso corpo se torna um organismo, lhe dão uma utilidade, para que realize determinados fins na sociedade. Esse movimento pode esmagar nosso desejo, amarrando nossos órgãos como instrumentos de algo para além deles mesmos.

Nossas oficinas não objetivaram, necessariamente, abordar conteúdos escolares, nem desenvolver alguma habilidade técnica especifica da computação gráfica. No entanto, na tentativa de “sobreviver” aos desafios de expressão provocados pelo dispositivo, foi preciso testar inúmeras vezes o que funcionava no software, o que, inevitavelmente, desenvolveu certa familiaridade com o universo das simulações em 3 dimensões. Além disso, em meio ao labirinto de linhas de

controle e às dificuldades de lidar com o programa, os participantes se utilizaram de

todo conhecimento possível para existir dentro do desafio; assim, é claro que conteúdos escolares emergiram – afinal, faziam parte da cultura dos estudantes – mas, sob a condição de serem forçados a funcionar esteticamente. Desta maneira, esses conteúdos perderam sua própria identidade, pois foram partidos para se arranjar de outra maneira, se acoplando nos corpos dos elementos de cena, nas provocações entre os participantes durante o fazer, nos cálculos envolvidos nas simulações de movimento; como máquinas que foram se tornando desejantes para se conectarem “ao infinito, em todos os sentidos e em todas as direções” (DELEUZE; GUATARRI, 2004, p. 408). Uma produção desejante a serviço da experimentação, da produtividade de pensamento.

Vibraram intensidades, muitas dedicadas a vivenciar humor nos projetos, como se a existência do riso, em si, já bastasse. Talvez por isso tenham emergido tantos “memes de Internet”.

Essa expressão é usada para descrever imagens, vídeos e/ou gifs, geralmente de cunho humorístico, que se espalham via Internet, principalmente através de comunidades virtuais e redes sociais. O termo é uma referência ao conceito de meme, que foi empregado, pela primeira vez, pelo etólogo Richard

Dawkins em “O gene egoísta” (1976), para dar conta dos processos de replicação e evolução cultural que lhe chamaram a atenção quando ele iniciou sua defesa à tese do determinismo genético. Para ele, assim como os genes seriam os principais responsáveis por replicarem o conteúdo geracional na evolução biológica dos organismos vivos, talvez houvesse, uma outra unidade de replicação, responsável pela seleção e transmissão de conteúdos inscritos em nossa cultura. Seria, então, uma espécie de evolucionismo cultural, paralelo e complementar à evolução natural, através de um segundo replicador. Assim, ele adaptou a raiz grega “mimeme” (μίμημα) e criou o termo “meme”.

Desde a década de 1980 – em anos ainda anteriores ao surgimento dos “memes de internet” - outros autores vem desenvolvendo e adaptando a ideia de Dawkins, e construindo as bases do que viria a ser um campo de estudos, a memética. Susan Blackmore (2005) com a perspectiva do memetic drive, por exemplo, reforçou sua visão de que os memes não apenas complementavam o trabalho dos genes mas, em muitos sentidos, o originavam. Na definição original de Dawkins, memes são ideias que se propagam pela sociedade e sustentam determinados ritos ou padrões culturais. Tomando isto como base, o celibato, o racismo, o folclore, a moda, a gastronomia e praticamente tudo o que conhecemos no nosso ambiente cultural seriam memes. Assim, se pensarmos em memes como o “celibato” ou a “castidade”, percebemos como ideias podem exercer efeitos sobre as dinâmicas genéticas também. Os memes, diz Blackmore, disputam entre si pela sua afirmação, de tal modo que ela chega a usar a expressão meme machines (2000) para definir a nós, seres humanos, como seus meros hospedeiros. Sob este ponto de vista, os memes não são criados por pessoas; elas são hospedeiras onde eles se reproduzem e incorporam novos elementos, para se reproduzirem novamente.

Somente a partir de fins da década de 1990 e início da década de 2000, é que foram se manifestando os “memes de internet”, especialmente como expressões de comunicação que ganhavam as redes sociais online. Com a internet, o conceito de meme tem mudado bastante, para além da reprodução e transmissão de qualquer tipo de ideia, peça de informação ou padrão comportamental (como piadas, rimas, tendências e tradições). Segundo Limor Shifman (2013), é preciso distinguir meme de viral. Para ela, os virais são conteúdos assimilados por usuários de forma

massiva (muitas vezes, tendo sido produzidos por grandes companhias de mídia), geralmente em ondas que acompanham dinâmicas de compartilhamento. Já os memes, não são apenas compartilhados, mas, alterados, ao atravessarem seus hospedeiros, de modo que seu conteúdo é remixado antes de ser compartilhado. Na prática, no entanto, virais se convertem rotineiramente em memes e vice-versa. A perspectiva de Shifman é interessante, também, por apresentar uma definição de meme que recupera um argumento originalmente desenvolvido pela memética dos anos 1980 e já esboçado por Dawkins: a ideia de que eles atuam em conjunto, formando cadeias complexas (ou “memeplexos”) de conceitos e comportamentos. Desta forma, seria impossível traduzir um meme como um conteúdo isolado, por ele ser um complexo informacional que só significa em conjunto. O meme “My parents are dead”122 não é uma única imagem de Batman estapeando Robin, um unidade de

informação individual, completamente fora de contexto. Os memes são contexto. Abordar memes nunca fez parte da proposta inicial das oficinas desta pesquisa. No entanto, mesmo que aceitando as regras das linhas de controle do dispositivo, vários dos estudantes fizeram funcionar diversos memes, nas linhas de

abertura que encontraram.

Essa ocorrência evidencia uma noção de desejo que é produção, não falta. Pois o humor,

costuma desestabilizar coisas para construir outras, como, um novo riso, por exemplo, a partir de um rearranjo do que já existia. O riso seria fruto da produção do desejo, uma imanência com fim em si, que se justificaria na intensidade de se

presentificar. Inúmeras conexões foram mobilizadas ali, pois uma referência de

122 <http://knowyourmeme.com/memes/my-parents-are-dead-batman-slapping-robin>. Acesso: 24/02/2018.

Um dos estudantes tentou trabalhar nas animações com a tela na vertical, como se fosse um display de celular operando um computador convencional: só para "ver o que aconteceria"

meme puxava outra e precisava se empurrar, se adaptar, para fazer funcionar dentro das regras dos projetos.

Como se aqueles estudantes fossem “usinas”, responsáveis por desejos que fabricavam realidades brincando com os fluxos do real, recombinando. Promovendo novas territorialidades, tornando-se nômades; talvez mais dedicados a sentir do que a interpretar. Ao acompanhar os trabalhos uns dos outros, não nos interessava muito perguntar o que tal elemento da animação queria dizer, mas como funcionava com tal outro, como se conectava com tal outra referência, evocada para compor algo naquele “caldeirão” de outros memes. Como quem pergunta o tempo todo: “– Como posso tirar mais potência disso?”. Como mecânicos que apertam e soltam as engrenagens do desejo.

Um dos estudantes escolheu para seu projeto um áudio-carta123 (não gravada

por ele, já que era uma de nossas regras) que diz a Leonilson que ele é “bem transante”. Na montagem da faixa de áudio, ele incluiu uma parte da música do meme “Epic Sax Guy”124, que surgiu através de um vídeo viral125 do solo instrumental

do saxofonista do projeto SunStroke, durante o concerto ao vivo do grupo no

Eurovision Song Contest, em 2010. O grupo participou do concurso para ganhar,

mas sua colocação ficou bem longe.

No entanto, algo na dança de seu instrumentista surpreendeu a todos, tornando-o épico, talvez mais famoso no mundo que o próprio concurso. Parte do sucesso deste meme se deve ao surgimento (posterior) do vídeo “Ultra Sax Guy”126 e ao fenômeno “Sax-rolling” que conversa com um

outro, o “Rickrolling”127: a prática/brincadeira comum em

fóruns de internet de se postar um hiperlink supostamente relevante para a discussão que, na verdade, redireciona para

123 O arquivo “audio5.mp3”, disponibilizado junto aos outros áudios-carta em: <https://www.dropbox.com/sh/xnvibmejr6mk577/AAC-vZsTo77_Qu8AGsWc6oG1a>.

124 O saxofonista é Sergey Stepanov. Uma versão desse meme está disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3-HIkzHPMHQ&t=119s>. Mais informações em:

<http://knowyourmeme.com/memes/epic-sax-guy>.

125 Vídeo do grupo, de onde se extraiu o meme: <https://www.youtube.com/watch? v=gy1B3agGNxw>.

126 Outra performance de Sergey Stepanov - conhecida como “a volta do Epic Sax Guy”- na edição da Eurovision 2017: <https://www.youtube.com/watch?v=65AiA9W6b4Y>.

127 Mais informações sobre “Rickrolling” em: <http://knowyourmeme.com/memes/rickroll>.

a dança de Rick Astley no hit “Never Gonna Give You Up” (em 1987). O trabalho do estudante também referencia um meme derivado - o “Gandalf Sax Guy”128 -

conhecido por ocupar diversas telas (de monitores, celulares, tablets, etc) por 10 horas inteiras, como as da Campus Party Recife de 2015129 (todas as vezes em que

seus servidores de internet foram ameaçados de invasão).

O personagem 3D do projeto130 dança como o “Epic Sax Guy”, mas o som do

“transante” é mais ambíguo que o jogo entre as palavras “sex”, “sax” ou “sexophone”. É mais que uma palavra, como se esse “transante” - que ninguém sabe bem o que é na voz de um menino que titubeia ao dizê-lo - desestabilizasse as coisas, colocando tudo em suspensão. Daí, esse “novo espaço aberto”, atraiu memes que existiam naquele presente partilhado, um conjunto de associações de sensação. Aquele som, vindo de uma voz ainda “fora da sexualidade”, fica tão dúbio quanto intenso, criando uma linha de sentidos e sem sentidos que permite muitas dobras na frase. Pois, não é só seu conteúdo, mas o tom, a voz de criança, a oscilação que aponta para tropeços, tateios, resistências e aproximações cuidadosas com a palavra a ser dita.

Embora esse gaguejar seja oralidade - e não literatura - pode ser observado através um dos cinco elementos da fabulação131 apresentados por Ronald Bogue 128 Uma das versões está neste endereço: <https://www.youtube.com/watch?v=D5RQaGx394s>. 129 Matéria sobre isso publicada em: <http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/economia/campus-party- recife-2015/noticia/2015/07/25/gandalf-sax-guy-e-o-meme-desta-edicao-da-campus-party-recife- 191815.php>. Acesso: 12/01/2018. A Campus Party Brasil é o principal acontecimento tecnológico realizado anualmente no país, um festival de inovação, criatividade, ciências, empreendedorismo e universo digital. Nele são tratados diversos temas relacionados à Internet, reunindo um grande número de comunidades e usuários envolvidos com tecnologia e cultura digital.

130 Imagens do projeto aparecem ao final do vídeo “Experimentações e Experiências”.

131 Não pretendemos aprofundar o conceito de fabulação aqui, somente apresentar uma aproximação.

(2011, p. 21), que é a “desterritorialização da linguagem”, a partir do conceito de “literatura menor”, proposto por Deleuze e Guatarri (1977). Os escritores menores fazem o idioma tropeçar, revelando uma língua estrangeira dentro de sua própria língua, articulando outros agenciamentos coletivos de enunciação (BOGUE, 2011, p. 19), ao provocar um desequilíbrio das forças sociopolíticas que permeiam a língua “adequada” e que reforçam o status quo. Eles atuam como médiuns de uma voz coletiva, através da qual lutam para criar uma comunidade singular, que ainda não existe, um povo porvir. Isso acrescenta uma dimensão política ao elemento formal do estilo literário (entendido em seu sentido mais amplo). Retomando a noção de estilo mencionada no capítulo 2 (OLIVEIRA Jr, 2015, p. 122), uma função política é exercida quando ele força matérias de expressão a se reorganizarem para exprimirem o mundo, em vez de ser considerado somente a forma de se tentar dizer algo sobre. Nesta situação, o próprio artista não controla seu estilo; visto que ele é puro agenciamento dessas manifestações expressivas que escapam do seu controle (dobra do fora no dentro que se desdobra...).

Ora, não foi o que esse “transante” fez, ao fabular (através da oralidade), com o real linguístico do qual dispunha?

Também a partir de “Crítica e Clínica” (DELEUZE, 1993/1997), Bogue aborda esse tipo de gaguejar, como algo que se estende à criação de visões e audições produzidas por tropeços (no caso, do escritor) que não estão fora da linguagem, mas que são o seu fora (p.16). Também que não são algo de cunho individual, pois formam figuras de uma história e de uma geografia incessantemente reinventadas por muitos. E os delírios que as rearranjam, podem arrastar palavras de um extremo ao outro do universo.

No capítulo 2, apresentei meus critérios de escolha dos fragmentos que assistimos. Eles não tiveram nada a ver com pautar o assunto da sexualidade, e sim, com “tipos de imagem” diferentes como: “imagens de arquivo da história nacional”, “imagens feitas para o filme”, “imagens de outras obras” (de filmes ou videoclipes, como o da Madonna), etc. No entanto, a maneira como “A Paixão de JL” articula as imagens na montagem com os sons, é muito diferente do que os participantes das oficinas estavam acostumados a considerar como filme. Isso provocou certa fragilidade, desestabilizando; pois, das imagens em si, emergiram

signos que “colaram” em outros signos, já conhecidos pelos estudantes (no caso, em torno da sexualidade). Eles o fizeram onde conseguiram colar o signo. Os fragmentos de filme que assistimos não eram sobre erotismo, por exemplo, mas há uma passagem em que Leonilson conta ao seu diário que justamente não entendeu o que uma outra pessoa quis dizer ao falar que não sentia mais “amor erótico” por ele. A palavra “erotismo” foi uma das que colou, que acabou marcando um dos estudantes, e que pode ter virado outra coisa ao passar por ele. Foi como uma abertura na escola, uma linha transversal que escapou aos sentidos já estabelecidos na “matéria-prima” linguística que circulava lá.

Isto tem a ver com uma situação de igualdade das inteligencias: embora eu, como proponente, não tivesse planejado abordar qualquer tema, os estudantes fizeram um conjunto de signos ao mesmo tempo emergir de e cruzar com um comum que é a escola, colocando em pauta um assunto (sem que ele tenha sido, de fato). E, sobretudo, através de uma fala que nem poderíamos dizer que é a sexualidade; pois é um menino falando, e cambaleando, sobre algo com o qual está tentando lidar. Vale salientar que igualdade de inteligências não quer dizer que os sujeitos sejam iguais, quando/onde todos podem as mesmas coisas. Ela é a entrada de indivíduos, máquinas e hábitos em um emaranhado, em um aparente caos formado por objetos e sujeitos de muitas naturezas, em que a experiência com a diferença é parte das transformação de si e dos modos de ser da comunidade. Neste contexto, é possível ensinar o que não sabemos (RANCIÈRE, 2015, p. 34), justamente porque o mafuá inclui aquele que sabe e o que não sabe e, se ambos fazem parte do mesmo mundo, o conhecimento deixa de ser um problema de posse e transmissão, mas de acesso e movimento entre humanos e não-humanos. O lugar do estudante não seria de reproduzir o que o mestre sabe, mas de transitar nas formas que - com o mestre, com a escola e com tudo que ele possui - lhe possibilitem construir novos conhecimentos. Conhecer, não seria um método de se chegar a algum lugar (pronto a ser entregue aos alunos), e sim, criar ordens

instáveis entre saberes dados; uma composição que se faria imediatamente como

resistência aos poderes que decidem o que é a estabilidade do saber. Desta maneira, poderemos vivenciar uma democracia do conhecer e do criar na escola

que seja um princípio e um fim em si mesma, ou seja, não como algo a ser atingido, mas como uma prática imediatamente igualitária.

Houve o encontro entre uma sensibilidade e um signo que a constrange, permitindo a inserção de algo que teria grandes chances de ser excluído ou mesmo proibido na escola. Criou, portanto, um novo possível, fazendo com que algo se ampliasse na escola, atualizando potências que já se faziam presentes lá. Uma nova partilha do sensível (RANCIÈRE, 2005), ou seja, um reparticionamento de evidências sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e de como ele se presta à participação: que lugares, o que/quem os ocupa e como ocupa.

Desconfio que quando existe este conjunto de acoplamentos:

[Software (que já tem 2 acoplamentos: câmera simulada + ambiente com luzes, objetos de cena e personagens simulados) + humano operando o software através de gestos de experimentação +

elementos do lugar “real” (não simulado) externos ao software]

todos articulados por um dispositivo de criação de imagens que os atravessa com uma “linha de violência”, podemos vislumbrar a atualização de potências espaciais, ou seja, coisas do lugar-escola que já estavam ali (mas despercebidas). Bem como, mobilizar pensamentos que poderão forçar a invenção de caminhos estéticos outros, não previstos (nem pelo programa, nem por quem o opera, nem pelo espectador).

Politicas como "Escola Sem Partido"132, por exemplo, querem parar qualquer

tipo de acoplamento, pois defendem uma suposta neutralidade que silencia a troca

132 Mais informações sobre o movimento em: <http://www.escolasempartido.org/apresentacao> e em: <https://www.programaescolasempartido.org/>. Acesso: 15/01/2018.

de saberes e a expressão de intensidades daquela comunidade; fazendo da escola somente uma unidade propagadora de uma política geral, decidida fora dela. Aqui, nos interessa justamente a "ventania", que é esse monte de materia que circula na escola: como as indagações, as hipóteses, os protestos, a lousa, os cadernos, o refeitório, a quadra, os barulhos, os cheiros, os hábitos, um conjunto de corpos que se encontra todo dia. A seguir, apresento mais dois dos memes que "ventaram": A frase “grandes poderes trazem grandes responsabilidades” tem sido incorporada em diversos memes. Na Bíblia, há uma mensagem semelhante: “Daqueles a quem foi confiado muito, muito mais será pedido” (Lucas 12:48). No entanto, a expressão tem sido mundialmente conhecida e compartilhada através de um personagem de histórias em quadrinhos, o “Tio Ben”. Ela foi dita ao seu sobrinho, Peter Parker, logo na primeira história do Homem-Aranha, de Stan Lee, em 1962. A cena133 também aparece no filme “Homem-Aranha” (2002) de Sam

Raime.

Num dia em que estávamos conversando no pátio da escola e eu estava com a câmera do celular ligada, resolvi perguntar ao autor da gravação do “audio5” se ele se incomodava que os colegas usassem esse arquivo para criar suas animações. Ele disse que os colegas poderiam usar, mas teria que ser “com cuidado”, pois “Com grandes poderes vêm… grandes poderes”. A sentença, que já é utilizada em inúmeros memes, foi modificada para criar uma piada, ou seja, para ser incorporada por um outro meme. Talvez o estudante já tivesse pensado na piada em algum outro momento, talvez ele nem a tenha elaborado, e sim, a emprestado de outro lugar; não importa. O interessante é que ele não sabia que eu ia perguntar algo sobre isso enquanto o filmava, nós não ensaiamos nem combinamos nada antes. Assim,

133 Em “Homem-Aranha” (2002), ela pode ser assistida aqui: <https://www.youtube.com/watch? v=rEAi0xru6Z4&lc=UgjlJDOxLqndLngCoAEC>. Acesso: 21/01/2018.

mesmo que ele não tenha inventado a expressão, permitiu que ela surgisse, ao ser “confrontado à queima-roupa”, na intensidade do momento presente. Parte do que minha câmera registrou durante esta situação, está na minutagem 00:21:23 do vídeo “Experimentações e Experiências”.

Já na gravação do áudio-carta “audio_criancas_Ikpeng_.wav”134 (para as

crianças Ikpeng), um dos estudantes diz:

“Eu moro na cidade de Campinas, aqui em São Paulo. Aqui o que nós mais fazemos é mexer na internet, videogames, ler, et cetera. Ninguém que eu conheça consegue fazer um avião daquele que você fez. O máximo que fazem é uma pipa, e olhe lá! Eu estudo na escola Francisco Álvares, estou no sétimo ano. Aí num deve ter escola. Escola é um lugar onde se aprende várias coisas, tipo história, matemática, português, entre outras. Escola é um saco, na verdade, imaginem ficar quatro horas e meia sentado em cadeiras que… brando a cachola e ouvindo professor falar matéria. Eu queria mesmo é ficar na mata, subindo em árvores, comendo frutas, domesticando onças pintadas e o que cês fazem pra se divertir. Eu moro com a minha… minha família é muito grande, mas eu moro só com a minha mãe, minha irmã e a amiga da minha mãe. Vivemos felizes. Minha irmã é uma gracinha, só que mesmo assim, nossa! Ela irrita. Mas eu também isso ela, então tamos quites. Eu