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7. O Cinema como porta de entrada dos Movimentos Colaborativos na Escola: O que juntos podem provocar lá? O que a Escola

7.5 O Cinema e a Tecnologia vão “salvar” a Escola?

De um tempo para cá e, principalmente, desde que ingressei no mestrado e comecei a me aproximar cada vez mais da Rede Kino, tenho conhecido muitos projetos de cinema e educação cujo discurso sugere algo como “o cinema vai salvar a escola porque vai levar a cultura certa, os ‘filmes de arte’”, “o cinema vai levar

alegria para as escolas”, “o cinema vai dar voz aos estudantes” , “vamos emancipar

os alunos através do cinema”, “o cinema vai fazer os alunos se comunicarem melhor e contarem seus pontos de vista”, “vamos ensinar com o audiovisual, porque ele é mais antenado com a linguagem dos jovens”. A lei 13.006/14 prevê exibições do cinema nacional nas escolas de educação básica. Esta declaração de seu autor - o Senador Cristovam Buarque - sobre a importância de sua implementação, também dá uma pista do que se espera do audiovisual funcionando na escola:

A escola é uma coisa hoje muito chata. Nós temos que levar alegria, diversão e isso é a cultura que leva. Cultura é simples. Ensino à maneira tradicional, sem cultura, fica chato e as crianças não aguentam mais. A criança de hoje está muito mais para o audiovisual do que para ao vivo. Ela gosta da tela. Ela cresceu, nasceu vendo as coisas na tela. Então, a tela é atraente. Então vamos colocar cinema. Essa é a primeira coisa, trazer um pouco mais de alegria, de sintonia da escola com as crianças. (BUARQUE apud FRESQUET; MIGLIORIN, p.6).

Dentre esses projetos que têm cruzado meu caminho, alguns versam sobre assistir filmes na escola para ilustrar conteúdos escolares, mas sem propor criação de cinema na escola, nem de um movimento de cineclube lá. Outros vão no sentido de análise e leitura fílmica, pautadas no viés da interpretação do que o filme quer dizer. Ensinar a ler o filme, mas também sem produzir filmes.

Já entre as propostas que envolvem criar filmes, ou seja, juntar cinema e escola em um processo criativo de um sobre o outro, alguns vão no sentido de ensinar a fazer cinema, como uma espécie de capacitação nas técnicas cinematográficas. Nestes, parte dos discursos parece ter o intuito de salvar as dinâmicas escolares (que podem ser “muito chatas”, como disse Cristovam Buarque) ou mesmo os indivíduos (professores e estudantes), de “empoderar” pessoas: tanto para que se apropriem de conhecimentos que possam trazer mais oportunidades dentro do mercado, quanto para que possam dar visibilidade às suas questões sociais na mídia. Mas pouco se pauta sobre em quê o próprio cinema muda ao ser

experimentado na escola. Já sobre as tecnologias na escola, também conheci estudos que utilizam linguagens como Scratch151, softwares como Minecraft152, ou hardwares como

Arduino153 para desenvolver projetos que auxiliem no ensino de conteúdos

curriculares de ciências e matemática; além de exercitarem competências de cooperação em grupo e a habilidade de “aprender a programar para pensar melhor”, como incentiva um dos itens do documento-base154 do Seminário Internacional

“Tecnologias para transformação da educação: experiências de sucesso e expectativas”, de 2014, que seria um dos exemplos de material criado neste sentido. Segundo o site deste Seminário (dentre várias iniciativas semelhantes), ele teve o intuito de compartilhar experiências de incorporação de novas tecnologias nos processos de ensino e debater as transformações na aprendizagem; foi realizado pela Fundação Santillana, patrocinado pela Google e teve apoio da Microsoft e de empresas de tecnologias ligadas à comunicação, como Samsung, Vivo e Telefonica. Alguns chamam esta abordagem de “aprendizagem criativa”. Existe, inclusive, a “Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa”155 (da qual recebo todos os e-mails), que

agrega interessados (dentre eles, muitos professores da educação básica, institutos federais e universidades brasileiras) na implementação de ambientes educacionais conhecidos como “mão na massa”, articulando grupos de trabalho (GTs), eventos e publicações acadêmicas sobre isso, principalmente em torno do uso do Scratch, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). A rede surgiu em 2015, a partir de uma parceria entre o “Programaê” (uma colaboração da Fundação Lemann com a Fundação Telefônica Vivo) e o Lifelong Kindergarten Group, do Media Lab do MIT. Essas iniciativas parecem querer “salvar” as escolas através dos projetos de tecnologia, como se as primeiras dependessem dos segundos para ensinar melhor.

151 Linguagem de programação criada em 2007 pelo Media Lab do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Desde 2013, está disponível on-line e como uma aplicação para Windows, OS

X, e Linux. O código-fonte da versão 1.x está sob a Licença Pública Geral GPLv2.

152 Jogo eletrônico criado por Markus "Notch" Persson, de jogabilidade não linear e de mundo aberto - liberdade considerável na escolha de como ou quando o jogador pode realizar objetivos - que permite a construção usando blocos (cubos), dos quais o mundo é feito. Uma das matérias sobre seu uso em escolas, está disponibilizada em: <https://jogos.uol.com.br/ultimas-noticias/2016/07/15/nem- bale-nem-karate-minecraft-e-a-nova-estrela-das-salas-de-aula.htm>. Acesso: 24/07/2017.

153 Arduino é uma plataforma de prototipagem eletrônica de hardware livre e de placa única.

154 Disponível em: <https://www.fundacaosantillana.org.br/seminario-tecnologia/pdf/tecnologias-para- a-transformacao-da-educacao.pdf>. Acesso: 02/02/2018.

Não encontrei trabalhos sobre o compartilhamento de projetos (em formato de edição) de cultura e/ou de arte livre - conversando com princípios da ética hacker e do movimento software livre – dedicados às potências de criação de cinema na escola. Os estudos que encontrei sobre movimentos colaborativos livres e escola discutem sobre políticas públicas de tecnologias abertas na educação, mas sem muita atenção às experimentações estéticas que possam surgir das intensidades de uma comunidade escolar.

Não estive na escola para fazer as pessoas aprenderem melhor certos conteúdos ou para desenvolverem certas competências para tal. Não tive o intuito de salvar a escola através do cinema ou das tecnologias, pois, geralmente, a palavra “salvar” tem a ver com fazer algo retomar o funcionamento para o qual foi desenhado, ou seja, para o jeito que sempre foi para ser. Aquela escola não estava “quebrada”, e, mesmo que estivesse, o que eu tinha a oferecer não foi pensado para “resolver” alguma de suas demandas, nem foi solicitado por ela; ela nunca dependeu de mim. Sou um elemento externo que se acoplou para balançar com coisas que já existiam lá. O que justifica minha presença naquele lugar, é a vontade de estar em movimento com aquela comunidade. Mas nada disso aconteceria se não houvesse a generosidade daquelas pessoas; ao se colocarem, voluntariamente, em relação também.

Há quem pense nos conteúdos curriculares como uma espécie de “luz” que salva da escuridão, que “conscientiza quem não sabe”, o cinema dentro da escola teria que fazer isso também? O cinema não pede nada, apenas se aconchega nas capacidades sensíveis dos sujeitos comuns. O cinema não se encontra na escola para ensinar algo a quem não sabe, mas para inventar espaços de compartilhamento e invenção coletiva, colocando diversas idades e vivências diante das potências sensíveis de um filme. (MIGLIORIN, 2015, p. 192).

O propósito das oficinas foi vivenciar experiências estéticas, por minha discussão ser mais criação do que aprendizagem. Na verdade, por acreditar que toda criação atravessada por uma linha de violência envolva aprendizagem. Esta linha instauraria uma caótica de encontros que pode abalar as sensibilidades. Segundo Orlandi, pautar uma ideia de aprendizado para a filosofia de Deleuze e