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2. HISTÓRIA DO SURGIMENTO E PRÁXIS DA ORDEM

2.5. As repercussões das ideias de Santa Joana de Lestonnac na Educação Social

2.5.3 ODN Brasil

As irmãs da Ordem da Companhia de Maria Nossa Senhora chegaram ao Brasil em 1936. Fugindo da Guerra Civil Espanhola (1936 – 1939), algumas decidiram se refugiar na Argentina, e por isso faziam o trajeto de navio Europa–América. Na embarcação, encontraram-se com Dom Carlos Duarte Costa, bispo de Botucatu, mais

tarde vindo a ser chamado Bispo de Maura,27 que as convidou a fazer uma fundação da Ordem em sua Diocese. Desse convite surgiu uma fundação no interior de São Paulo, na cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, e outra na cidade do Rio de Janeiro, no bairro do Grajaú.

Logo ao chegar a essas cidades as irmãs imediatamente organizaram sua obra educativa: em Santa Cruz do Rio Pardo, colégio e internato; no Rio de Janeiro, somente colégio para alunos externos.

Em Santa Cruz do Rio Pardo, além da tarefa educativa, assim que foi suspensa a clausura, as irmãs começaram a se dedicar a trabalhos pastorais nos bairros periféricos da cidade, como catequese, alfabetização e promoção humana, tendo hoje o reconhecimento desse trabalho através de um bairro que leva o nome de uma das irmãs, a Madre Carmen. Toda atividade pastoral e de promoção humana da cidade, após 30 anos da saída das irmãs, é levada pelas ex-alunas do colégio.

No Rio de Janeiro, além das aulas durante o dia, também realizavam à noite, gratuitamente, a alfabetização de empregadas domésticas que dormiam no emprego ou para aquelas que moravam nos morros próximos ao colégio.

Com a entrada de outras jovens na congregação, o trabalho pôde ser expandido e as atividades foram se diversificando, saindo do eixo Rio de Janeiro – São Paulo, abrindo fundações em Belo Horizonte. No município de Ribeirão das Neves, no bairro de Justinópolis, além de administrar uma casa de retiros dos jesuítas, as irmãs por vinte anos levaram o único posto de saúde da região, atendendo à população carente dos bairros próximos. No colégio de São Paulo, capital, realizou-se logo no início de sua fundação, a alfabetização noturna para empregadas domésticas que trabalhavam no entorno.

Hoje a Companhia de Maria Nossa Senhora, realiza sua missão educativa no Brasil em três estados: em São Paulo, na educação escolar em colégio, e na periferia no bairro de Americanópolis, em projeto de contraturno escolar; no Rio de Janeiro, na educação escolar e, em Minas Gerais/Belo Horizonte, em creche para crianças oriundas de famílias em situação de vulnerabilidade, contando ainda com trabalhos manuais para mulheres idosas, trabalhos paroquiais e grupos de reflexão; em Almenara, no Vale do

27 Dom Carlos Duarte Costa, após desentendimentos com a hierarquia da Igreja, deixou de ser bispo de

Botucatu, tendo sido colocado como bispo de Maura, diocese extinta da África, vindo finalmente a romper com a Igreja, fundando a Igreja Católica Apostólica Brasileira. (Wikipedia)

Jequitinhonha, o trabalho é desenvolvido em comunidades paroquiais, nas CEBs,28 com jovens usando a metodologia AHE – Arte, Humanismo e Espiritualidade,29 e ainda na Pastoral da Criança30 e no acompanhamento de comunidades. “Um olhar comprometido com a realidade, recria e contextualiza nossa resposta” (PECM, p. 9).

Educar na ODN supõe um olhar atento à realidade para deixar-se afetar por ela, deixar que essa realidade toque o coração e comprometa a pessoa na busca de respostas adequadas em cada tempo e lugar.

O Projeto Educativo pensado, envolvendo toda a comunidade educativa, visa “transformar as situações que geram pobreza, injustiça, destruição da vida e do planeta” (PECM, p. 12), bem como preparar o educando para agir nas situações de desigualdade social e não reproduzir as práticas de injustiça.

Esse movimento educativo visa transformar tanto os destinatários como também aqueles que são os seus agentes. “Ser educador da Companhia de Maria é algo que vai além de uma função ou uma tarefa. Na verdade, é um modo de acolher e transmitir vida” (PECM, p. 14).

Se considerarmos a forma de educar da ODN, os critérios que envolvem sua pedagogia, podemos afirmar que se trata do que chamamos de pedagogia social, educação popular e educação comunitária, já que tem como eixo buscar possibilidades de vida onde ela é negada; ajudar, através da educação, na construção de um mundo mais humano e mais inclusivo, acreditando na possibilidade de mudança das pessoas, não colocando o determinismo econômico e social como uma resposta à realidade injusta que se apresenta.

Quando foram escritas as Regras da Ordem, houve especial atenção, por parte da Fundadora, ao fato de as religiosas estarem realmente disponíveis para o apostolado, indicando qual era propriamente a finalidade do Instituto. Por esse motivo, apesar de saber da importância da recitação do Ofício para as religiosas, deixou claro que:

Sua prática permanecerá, no entanto, subordinada às exigências do que sempre será o principal objetivo de seu Instituto: a educação cristã da juventude. Além de ser um privilégio da Santa Sé, nem ela nem o

28 “As comunidades Eclesiais de Base (CEBs) surgiram no Brasil como um meio de evangelização que

respondesse aos desafios de uma prática libertária no contexto sociopolítico dos anos da ditadura militar e, ao mesmo tempo, como uma forma de adequar as estruturas da Igreja às resoluções pastorais do Concílio Vaticano II, realizado de 1962 a 1965”. DORNELAS, Pe. Nelito Nonato. CEBs do Brasil.

29 HAE – “Arte, Humanismo e Espiritualidade, na tradição da Companhia de Maria, é a Arte de viver e

expressar Deus na vida”, projeto desenvolvido pela ODN para o acompanhamento de jovens.

30 Pastoral da Criança – Projeto iniciado pela dra. Zilda Arns, para o combate à desnutrição e prevenção da

arcebispo teriam o poder de impor a recitação do ofício [...]. (AZCÁRATE, 2009, p. 173)

Dada a importância da proposta educativa desde a sua fundação, os campos de educação da Ordem, ao longo dos quatro séculos de sua existência, diversificaram-se para responder às necessidades que se apresentaram, à medida que a missão foi se estendendo.

Muda-se o foco, no sentido de que a proposta educativa não está mais apenas voltada para as meninas e as jovens. Hoje inclui os negros, o ancião, os doentes, as famílias, os camponeses, os indígenas, os remanescentes de comunidades tradicionais, os refugiados, os jovens das grandes periferias urbanas. A prática pedagógica tem um caráter popular, social e comunitário, dependendo da realidade e do contexto onde será desenvolvida. Ressalta-se que a ODN sempre responde levando em conta também as questões políticas, econômicas e religiosas da época. Essa diversidade de perspectiva educacional permite apresentar os apontamentos de uma educação social, popular e comunitária.

Trata-se de uma diversidade que precisa ser compreendida, respeitada e valorizada. A primeira impressão que se tem é de fragmentação, mas se olharmos o conjunto desta obra, veremos que ela está unida – “cimentada”, como diria Gramsci (1968) – por uma causa comum, chamada pelos movimentos sociais de “outro mundo possível”. Essa diversidade tem em comum o compromisso ético-político com a transformação da sociedade, desde uma formação crítica, popular, política, social e comunitária. (GADOTTI, 2012, p. 2)

A citação de Gadotti ajuda a compreender a educação social na ODN. Abre-se todo um leque de possibilidades pela grande diversidade presente nos diversos países e espaços onde a mesma está atuante. Apesar de apresentar uma grande diversidade, ela está ancorada no mesmo projeto educativo, buscando através de suas ações,

[...] desenvolver práticas educativas que ajudem cada pessoa ou comunidade ou povos a recuperar ou fortalecer sua dignidade, e a desenvolver suas capacidades, visando contribuir para o fortalecimento de uma sociedade mais equitativa. (ODN, 2011).

Santa Joana de Lestonnac, após escrever as Regras e fazê-las imprimir (1638), para que nada se perdesse, sentindo o peso dos anos e a proximidade da morte, insta as religiosas para que façam conhecer a todos a importância do papel que ocupou o Pe. de

Bordes, SJ, na fundação do Instituto. Segue abaixo, trecho da declaração escrita por Joana de Lestonnac, reconhecendo o mesmo como legítimo fundador da Ordem.

Deus nosso Senhor, querendo dar novas provas de sua bondade e de sua misericórdia para com as pessoas de nosso sexo, nestes últimos tempos instituiu a Ordem de Nossa Senhora, segundo modelo da Companhia de Jesus [...]. Para este fim, escolheu entre os religiosos da Companhia o bem-aventurado e Reverendíssimo Pe. de Bordes, ao qual revelou sua vontade no dia de Santa Tecla, enquanto estava celebrando o Santo Sacrifício da Missa. [...] Considerem, pois, como Deus dirigiu esta Obra com tão paternal providência pelas mãos, trabalhos, cuidados e zelo de seu fiel servo e reverenciem todas sua vocação como presente que lhes fez em seu nome, procurando corresponder a esta graça com a observância fiel e exata de tudo que este bem-aventurado Padre nos deixou para a maior glória de Deus e salvação das almas, segundo nosso Instituto. Assim seja. (AZCARÁTE, 2009, p. 170)

Essa declaração foi necessária, pois queriam que o Cardeal de Sourdis fosse reconhecido como fundador, tendo como Madre Primeira, Joana de Lestonnac. Esse documento só veio a público anos depois de sua morte. A importância dessa declaração é que com ela não se pode duvidar da essência educativa da Ordem.

Joana de Lestonnac morre aos 84 anos, e seu labor educativo, desde o início da fundação, já retrata o êxito da sua proposta educativa. “A instalação em 1610, de um vasto edifício na rua do Hâ, testemunha seu êxito. As alunas fluem, saídas de níveis superiores da sociedade” (AZCÁRATE, 2009, p. 180. Grifo deles).

O mesmo se dá em relação a jovens que buscavam a vida religiosa como opção de vida. “Além do mais, a educação feminina naqueles tempos era muito reduzida e somente envolvia um pequeno número de religiosas, enquanto que o fluxo de vocações crescia sem cessar” (AZCÁRATE, 2009, p. 172).

Após a impressão das regras, a Fundadora pôde descansar e desfrutar do tempo que Deus ainda lhe concedia.

[...] nos últimos anos, Deus lhe permitiu desfrutar da alegria mais pura que poderia sonhar: a alegria do dever cumprido, de recolher ao final o fruto de seus esforços. Sua Ordem, confirmada por mais de 10 bulas da Santa Sé, se multiplicava a um ritmo crescente. Apesar da perseguição e contrariedade que a inveja foi semeando em seu caminho e frustrando tantas vezes seus projetos, eram já trinta os mosteiros que se estendiam por todo o sul da França. (AZCÁRATE, 2009, p. 175)

Todavia, ainda perto de sua morte, segue com seu ardor apostólico, preocupada com as jovens que estão necessitando de uma mão estendida.

E porque logo vai partir e não quer que o esposo lhe encontre com a lâmpada apagada, ante o assombro de todos, projeta uma nova fundação no outro extremo da cidade, onde a miséria e o abandono deixam a muitas meninas sem educação. (AZCÁRATE, 2009, p. 176)

Em 02 de fevereiro de 1640, aos 84 anos, na presença de todas as religiosas da casa de Bordeaux, falece Joana de Lestonnac.

No dia seguinte, o Pe. Champeils, da Companhia de Jesus, fez uma oração fúnebre e ao final disse que deveríamos pedir sua beatificação. A Igreja e nosso coro estavam adornados com as armas de nossa Ordem: o anagrama de Maria sobre um fundo azul com uma orla negra. Todos a aclamam santa. (AZCÁRATE, 2009, p. 177)

Trecho da carta da superiora da casa de Bordeaux, a 7 de fevereiro de 1640, para as outras casas da Ordem, comunicando a morte da Fundadora.

Segundo AZCÁRATE (2009), o patrimônio acumulado pela Ordem nesses quatro séculos, o seu testemunho e o vigor deixado por Santa Joana a suas filhas, é um convite a olhar o futuro com esperança.

Seu carisma e intuição educativa, que foram se adaptando através dos tempos às diferentes circunstâncias de cada época e lugar, seguem vigentes. A inquietude apostólica de suas sucessoras fizera possível que, salvando revoluções, perseguições, leis e outras muitas dificuldades, a chama acesa no coração da fundadora, contagiada a suas primeiras companheiras e transmitida de geração em geração, se mantenha viva com o mesmo ardor de suas origens. (AZCÁRATE, 2009, p. 181)

3 DA EDUCAÇÃO POPULAR À EDUCAÇÃO SOCIAL

Analisar o contexto histórico em que surge a Ordem e a proposta educativa de Santa Joana de Lestonnac leva a refletir que a mesma viria ao encontro de todos aqueles que estivessem fora do círculo do poder, do conhecimento, da sociedade. Para ela, a educação era uma possibilidade de inclusão da mulher naquele período, para a mulher de hoje e, na esteira, para todos aqueles a quem a vida é negada por se encontrarem nas periferias do mundo. O desejo que ela expressou em seu leito de morte, retrata qual era a sua preocupação, onde estava o seu coração e, por isso, é sempre importante repeti-lo:

E porque logo vai partir e não quer que o esposo lhe encontre com a lâmpada apagada, ante o assombro de todos, projeta uma nova

fundação no outro extremo da cidade, onde a miséria e o abandono deixam a muitas meninas sem educação. (AZCÁRATE, 2009, p. 176,

grifo nosso).

Sua proposta educativa estava direcionada a todos, mulheres ou homens, pobres ou ricos, da periferia ou do centro. Seu maior desejo era que as pessoas pudessem chegar, por meio da educação, a vivenciar um processo de humanização, o que as levaria a romper as barreiras ideológicas que fabricam as categorias de gênero, etnia e lugar social. Assim sendo, constata-se que a prática da educação social na Ordem foi iniciada há muito tempo.