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O desenvolvimento do Projeto Educativo na América Latina

2. HISTÓRIA DO SURGIMENTO E PRÁXIS DA ORDEM

2.4 Expansão da Companhia na América

2.4.3 O desenvolvimento do Projeto Educativo na América Latina

O Projeto Educativo plasmado por Santa Joana de Lestonnac continua tendo sua validade em uma sociedade marcada pelo capitalismo extremamente perverso, que exclui e nega a vida, que não promove o compromisso social. As religiosas são convidadas a, como Santo Inácio propõe nos E. E. – Exercícios Espirituais, na contemplação da Trindade, olhar o mundo e o que têm ao seu redor, comover-se e adentrar-se na sociedade para, a partir daí transformá-la. Neste sentido, seguindo os apelos da realidade e dos documentos da Igreja,21 a Companhia, a cada Capítulo Geral,22 vai adaptando sua missão apostólica à realidade do mundo, procurando dar uma resposta coerente.

En actitud contemplativa, como la que nos presentan los Ejercicios en la meditación de la Encarnación, hemos de mirar el mundo, descubrir en él las situaciones de deshumanización y comprometernos, según nuestra vocación, a la manera de Jesús.

Hemos de acercarnos al mundo real de los pobres; el contacto con ellos nos da una vivencia nueva de Jesús pobre y de la pobreza evangélica. En este camino hay que atender, en discernimiento, la exigencia de Dios para cada persona y las necesidades del Cuerpo Apostólico.

21 Solidariedade com os pobres: a Igreja não pode esquecer suas origens – o auto esvaziamento de Cristo

na Cruz até a morte: “mas assim como Cristo consumou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, assim também a Igreja é chamada a seguir o mesmo caminho a fim de comunicar aos homens os frutos da salvação” (LG 8). BEKER, Christoph, 2011, p. 171.

22 Conselho composto por delegadas de todas as províncias e delegações, que se reúne a cada 06 anos com

La presencia e inserción de muchas hermanas nuestras en medios pobres y marginados es un don para todo el Cuerpo Apostólico. Nos ayuda a mantener viva la conciencia de la fraternidad no realizada y estimula nuestros esfuerzos por la transformación de la sociedad desde la perspectiva de los pobres, en cualquier contexto en que realicemos la misión. (ODN, 2011)

Apesar dos diversos contextos em que a ODN está presente, os Capítulos Gerais seguem instando todo Instituto a desenvolver sua missão educativa a partir da perspectiva do pobre.

O grito – enquanto ruído, rugido, clamor, protopalavra ainda não articulada, interpretada de acordo com o seu sentido apenas por quem “tem ouvidos para ouvir” – indica simplesmente que alguém está sofrendo e que do íntimo da sua dor nos lança um grito, um pranto, uma súplica. É a “interpelação primitiva”. É evidente que alguém deverá possuir “uma resposta responsável ao apelo do outro”. [...] Só respondemos com “responsabilidade” à presença do infeliz quando este já nos “comoveu”. (DUSSEL, 2011, p. 19)

Na América Latina, pelo fato de a realidade de exploração, pobreza e exclusão ser tão gritante, a proximidade ao mundo dos pobres deu-se de maneira mais ativa e afetiva pela Igreja, que tenta dar uma resposta a essa realidade, no sentido de reconhecer que o clamor do pobre, do oprimido, ecoa nos ouvidos de Deus. “Javé disse: ‘Eu vi muito bem a miséria de meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores e conheço os seus sofrimentos. Por isso desci para libertá-lo’.” Ex. 3,7-8. (BÍBLIA, p. 69).

Apesar de a Companhia, nos países onde está presente, desenvolver sua missão onde há contextos de grande vulnerabilidade, foi na América Latina que as práticas de educação popular/social, se desenvolveram de forma mais efetiva.

Em Santa Joana de Lestonnac, o preocupar-se com a educação da mulher foi algo que partiu de sua abertura ao mundo, aos sinais da história e a partir dessa percepção entendeu que poderia dar uma resposta adequada àquela situação concreta que a sociedade estava vivendo, pois, ainda que gozasse de uma situação privilegiada, ela também se sentia afetada por ser mulher e por entender que a prática da justiça é um dos sinais do Reino. E por justiça podemos entender a igualdade de oportunidades, a devolução de direitos que foram roubados dos pobres a ajuda a eles prestada, a fim de que recuperem sua consciência histórica.

Da mesma forma, quando a Companhia de Maria se inseriu no Continente Latino- americano, teve de fazer-se uma com os povos aqui residentes e pôde sentir e viver as mesmas mazelas que sofre o povo. Desde 1754, em sua primeira fundação e nas subsequentes, foi-se envolvendo nas lutas do povo. Em cada momento histórico foi fazendo a leitura da realidade, soube acompanhar o povo em sua luta pela justiça, seja participando das lutas pela emancipação, bordando a “Bandeira de los Andes”, seja trabalhando junto à população camponesa, ajudando na defesa do direito à terra, trabalhando na defesa dos direitos da mulher, alimentando a esperança nos momentos difíceis...

A chegada delas e as atitudes tomadas nos fizeram ver e sentir a simplicidade que traziam, e isso nos aproximava delas.

Creio que fica forte a presença das irmãs em momentos fortes da comunidade, por exemplo: Nos tempos de chuvas, famílias inteiras desabrigadas, lá estavam as irmãs apoiando as famílias, unindo a comunidade cristã para se mobilizarem, para serem apoio às famílias, suas visitas. Presença em momentos difíceis de famílias da comunidade, como mortes, dificuldades financeiras e falta de alimentos, lá estavam as irmãs, não dando alimentos, mas ajudando e envolvendo outros a serem solidários. Presença também em momentos festivos do povo e da comunidade, lá estavam elas, tudo isso possibilitava a criação de vínculos, e nos falava de Deus.23

Seguindo os passos de sua Fundadora, as irmãs da Companhia de Maria também trazem no coração sua preocupação com as vítimas que estão nas grandes periferias, em comunidades indígenas e rurais, nas ruas, nas filas de hospitais, em todos os lugares onde a vida não está sendo respeitada, onde as pessoas já não aguentam mais, e a ideia de que o pobre sofre calado não tem mais aceitação.

Enrique Dussel aponta que as pessoas aceitam a coação legítima enquanto a vida não é totalmente ameaçada. Enquanto há possibilidade de reprodução da vida humana é possível suportar.

Subitamente ergue-se a voz (Stimme) do operário que, intrépido e na agitação do processo de produção, ficara mudo [...] Na praça do mercado, tu e eu só reconhecemos uma lei, a do intercâmbio de mercadorias [...] O que assim ganhas em trabalho, eu perco em substância laboral [...] e diariamente me roubas [...] (DUSSEL, 2007, p. 529)

23 Relato de uma integrante da Comunidade N. Sra. Aparecida. Paraíso das Piabas, Ribeirão das

Segundo Martín-Baró, existe um caráter ideológico quanto ao fatalismo latino- americano.

Parece que os povos latino-americanos estão imersos em um cochilo forçado, um estado de dormência que os mantém à margem de sua própria história, sujeitos confinados em processos que outros determinam, sem que a semiconsciência de sua situação permita criar outras coisas que não solavancos esporádicos, como quem se agita para não cair totalmente no sono. (MARTÍN-BARÓ, 2017, p. 174)

Esse comportamento do latino-americano não é em si algo inerente ao povo, como algo que faz parte de nosso DNA. Aparentemente, aos latinos só importa o momento presente, o aqui e agora, sem perspectiva de futuro e sem registro de sua história. Dentro dessa perspectiva, as pessoas pensam realmente que diante da realidade que se apresenta não há nada a fazer a não ser aceitar o destino, algo já dado, algo que não pode ser mudado. Essa forma de pensar é muito boa para aqueles que querem nos dominar, para aqueles que se aproveitam dessa situação... “Neste sentido, o fatalismo revela uma peculiar forma da pessoa de dar sentido à sua relação consigo mesma e com os fatos de sua existência” (MARTÍN-BARÓ, 2017, p. 175).

O mesmo autor aponta que esse modo fatalista de pensar/agir, pode ser distinto segundo o processo pelo qual foi conformado e transmitido através de alguns mecanismos socializadores:

[...] são as pautas de formação e educação; em outros, as influências podem vir das ações educativas da escola ou das igrejas, em muitos outros casos, sobretudo no campesinato que constitui uma elevada população latino-americana, a experiência no trabalho, a vivência de relações entre o trabalhador e o patrão no campo, é a principal fonte do fatalismo. (MARTÍN-BARÓ, 2017, p. 192)

Para o autor, os povos latino-americanos podem estabelecer um processo dialético e sair do fatalismo através de três mudanças importantes: (a) a recuperação de sua memória histórica; (b) a organização popular; (c) a prática de classe.

Então podemos concluir que a prática da educação libertadora é que poderá ajudar no processo de libertação, pois segundo Freire,

O importante, por isso mesmo, é que a luta dos oprimidos se faça para superar a contradição em que se acham. Que esta superação seja o surgimento do homem novo – não mais opressor, não mais oprimido, mas homem libertando-se. Precisamente porque, se sua luta é no sentido de fazer-se Homem, que estavam sendo proibidos de ser, não o

conseguirão se apenas invertem os termos da contradição. (FREIRE, 1987, p. 43)

Para a Ordem, vai ficando cada vez mais claro qual deve ser o seu papel diante da realidade do povo oprimido:

Nossa ação evangelizadora entre os pobres e excluídos, em seguimento a Jesus, à luz do Carisma de Joana de Lestonnac, busca gerar processos educativos que ajudem a cada pessoa, coletivo, comunidade ou povo a recuperar ou fortalecer sua dignidade, a desenvolver suas capacidades e potencialidades para alcançar uma vida plenamente humana e contribuir na construção de uma sociedade mais justa, inclusiva, equitativa, participativa e promotora de paz e liberdade. (ODN, 2011) O clamor do povo oprimido, subjugado, não pode ser ignorado por ninguém. Assim como Bartolomeu de las Casas (1484/85 – 1566) conseguiu ver nos índios explorados o próprio Cristo sofredor, denunciando a Carlos V o sofrimento daquele povo, outras pessoas, ao longo da história da América Latina, fizeram do grito dos oprimidos o seu próprio grito. Pois dentro dessa realidade de sofrimento, torna-se impossível ignorar o sofrimento do outro. O movimento de compromisso com o pobre fez muitos mártires na América Latina: filósofos comprometidos, religiosos, leigos, líderes sindicais. Existe uma verdadeira ladainha de Santos e Mártires.

Entre os Mártires educadores latino-americanos listados, encontram-se duas religiosas colombianas da Ordem da Companhia de Maria Nossa Senhora: Terezita Ramirez (†1989) e Yolanda (†2001), ambas assassinadas por estarem conscientizando e defendendo os direitos dos pobres numa perspectiva da educação comunitária.

Última lição dada por Terezita Ramirez a seus alunos antes de ser alvejada por uma rajada de metralhadora na porta da sala de aula

Assim como o delas, o sangue de muitos outros mártires regou e segue regando o solo latino-americano, até que consigamos libertar este continente de todas as forças que ameaçam a vida.

A Ordem da Companhia de Maria coloca a educação a serviço da vida, possibilitando que em cada espaço onde ela atue, seja para realizar uma prática educativa que “frutifique em obras de justiça”.

En una situación en la que los derechos fundamentales se ven continuamente amenazados, en un continente eminentemente joven, en el que la juventud es esperanza de vida y de transformación de la sociedad, realizar proféticamente nuestra misión de educar en la fe que fructifique en obras de justicia, es un desafío.

La realización de la Misión Evangelizadora desde la perspectiva de los pobres, es una opción de la Iglesia, que la Compañía de María ha hecho suya; esta opción ha generado un proceso de transformación en las obras y tareas apostólicas en los diversos campos de nuestra misión… Una semilla de vida significativa en los últimos años en la educación de América Latina, ha sido la educación popular. Hemos caminado en esta línea; sentimos la urgencia de empeñarnos en ella y hacer que vaya transformando nuestra manera de educar de forma que:

- La persona sea reconocida en su ser y en su cultura; - Las relaciones sean horizontales, sencillas y directas; - Se creen espacios de participación;

- La autoridad sea servicio;

- La interpelación parta de la realidad, que se intenta transformar desde los valores Evangélicos;

- Se propicie el compromiso de todos con la justicia y se eduque en la solidaridad. (ODN, 2011)

A partir da perspectiva da Teologia da Libertação, foram sendo desenvolvidos na ODN projetos de Educação Popular, na linha do já citado Paulo Freire: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1996, p. 52). Esse processo educativo junto às populações da periferia do sistema já traz um caminho percorrido de muitos anos.

Dentro de la profundización en nuestro Proyecto de Educación-Misión, el Capítulo se detiene en la educación popular por ser uno de los espacios educativos en los que se encuentran retos particulares y urgentes. Se valora el camino recorrido como un proceso progresivo y dinámico y se trata de plasmar lo que se entiende por educación popular:

Reconocemos y valoramos el camino que hemos recorrido en educación popular. Camino progresivo y dinámico vivido en barrios populares,

contextos de marginación, mundo rural, mundo de la salud, minorías étnicas…

Hemos entendido esta educación como un proceso colectivo que abarca todas las dimensiones de la persona: salud, trabajo, ámbito familiar, grupos de referencia, vida cotidiana. Su punto de partida es la situación real y concreta de los participantes; busca promover la trasformación de personas y estructuras.

Nuevas metodologías, articular el trabajo con otros grupos y colectivos, buscar en discernimiento nuevos campos de misión:

La práctica en la educación popular como corriente pedagógica y la experiencia vivida durante estos años, nos dan un bagaje que es apoyo para afrontar las nuevas pobrezas.

Los nuevos contextos de exclusión nos hacen formularnos preguntas, inventar una manera de mirar, comprender, estar en el mundo y responder, desde nuevas percepciones, con nuevos métodos y nuevos lenguajes. (ODN, 2011)

2.5. As repercussões das ideias de Santa Joana de Lestonnac na Educação