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2. HISTÓRIA DO SURGIMENTO E PRÁXIS DA ORDEM

3.2 Educação: participativa, popular

Em uma visão comum e corrente costuma-se definir a educação não-formal como aquela que ocorre fora do ambiente da sala de aula, não vinculada a um currículo escolar, mas que pode estar ligada à formação e à capacitação de mão de obra, geralmente patrocinadas pelo Estado ou instituições patronais, ou a programas setoriais que visam a melhoria das condições de vida da população, “[...] com ou sem preocupações de integração dos trabalhos em projetos de organização comunitária” (BRANDÃO, 1995, p. 23). Algumas avaliações sobre a educação não-formal sugerem que:

No seu todo, a ideia de educação não-formal é a de provocar mudanças individuais ou setoriais em sujeitos das classes populares, com os seguintes objetivos:

a) Capacitar a sua força de trabalho de acordo com as demandas do mercado de mão de obra e no interesse preferencial de grupos economicamente dominantes;

b) Ajustar a sua conduta aos termos e variações modernizadoras da sociedade desigual, adaptando-os a uma condição de cidadania ativa enquanto consumidora de bens e passiva enquanto produtoras de ações políticas.

[...] Quando estende a sua proposta de educação a uma dimensão comunitária, o objetivo do trabalho é a oferta de valores e conhecimentos de modernização da vida subalterna, segundo padrões de uma lógica empresarial. É também, a proposta de reorganização modernizadora da comunidade em nome:

b) Da incorporação de formas ‘tradicionais’ de articulação social a padrões típicos da ordem social capitalista. (BRANDÃO, 1995, p. 24).

No modelo da educação não-formal está incutida a ideia da participação, que pode ser apenas um discurso vazio dando uma falsa ideia de participação, ou pode se dar efetivamente se os atores puderem interferir na proposta pedagógica direcionada aos programas sociais dos quais são objeto, conseguir que através destes haja um fortalecimento de suas organizações sociais e comunitárias, desenvolvendo projetos de interesses sociais, comunitários e políticos. Isso tudo, segundo Brandão (1995), seria a face de uma educação participativa, em que as pessoas não seriam meros atores, com papéis predeterminados, mas que partindo de sua participação pudessem atuar ativamente em todas as esferas da sociedade. Pois participar equivale a:

a) Estar coletiva e representativamente presente nas esferas e nos momentos de decisão e respeito da prática pedagógica na comunidade;

b) Estabelecer, como forma de poder comunitário, os termos em que o programa e seus desdobramentos participam da vida comunitária, e determinam mudanças etc., para, então, definir como será a participação comunitária no programa;

c) Realizar, através da participação no programa de ação pedagógica, a identidade e o fortalecimento de organizações e movimentos sociais internos à comunidade e representantes de seus projetos e interesses, tanto sociais e econômicos quanto políticos. (BRANDÃO, 1995, p. 25).

Já que, segundo o mesmo autor,

A educação não é um instrumento – a serviço de grupos dominantes de controle sobre as relações de poder de produção – de adequação de pessoas e grupos populares de uma ordem social dada de cima para baixo. É um meio de produção do poder da sociedade civil e, através dele, um caminho de conquista da participação ativa e consciente, tanto na totalidade da vida comunitária quanto em todas as esferas da vida nacional. (Idem, p. 26).

A partir dessa perspectiva se estabelece a semelhança ou proximidade entre educação participante e educação popular, uma vez que esta última “É uma prática pedagógica politicamente a serviço das classes populares. Isso porque a operários, camponeses, lavradores sem-terra e trabalhadores sem emprego é atribuída a tarefa

histórica de realização das transformações sociais a que deve servir a educação”

(

Ibidem, p. 27)

.

Educação com setores populares

Educação Educação participante Educação popular

1. Integração do sujeito popular no sistema sócio- político vigente. 1. Integração de sujeitos e grupos populares em movimentos sociais. 1. Participação na formação e apoio ao fortalecimento de movimentos populares. 2. Para a participação, através do trabalho produtivo e da passividade política de tipo consumista, em uma ordem social a ser ‘modernizada’, sem vir a ser transformada. 2. Para a participação política ativa em processos de transformação social, através do fortalecimento da sociedade civil. 2. Para a condução política de processos de transformação social através da produção e do fortalecimento do poder de classe das classes populares. 3. Capacitação da mão de obra. Formação do cidadão ajustado. Organização da comunidade (modelões predeterminados). Benefícios sociais setoriais: saúde, alimentação e educação. 3. Conscientização, politização. Formação do cidadão político. Produção e fortalecimento de movimentos sociais. Benefícios sociais setoriais 3. Conscientização, politização. Formação política das classes populares. Participação na produção de movimentos populares. Benefícios sociais setoriais. Fonte: BRANDÃO, 1995, p. 29.

O quadro permite verificar a ideia da intencionalidade entre a educação dirigida às classes populares pelo poder hegemônico e a possibilidade de uma educação em que pessoas, movimentos e grupos possam tornar-se sujeitos de sua própria formação, possibilitando uma participação que leva à transformação de suas possibilidades de vida, fazendo um paralelo entre as três formas de educação.

El proyecto de dominación pedagógica aniquila la cultura de las naciones y clases oprimidas. El proyecto en cambio de liberación pedagógica se opone a la posición ‘bancaria’ del educando como diría Paulo Freire, afirma lo que el pueblo tiene de exterioridad, de valores propios (B). El proyecto pedagógico de liberación no lo formulan los maestros; está ya en la consciencia del pueblo; es el a priori metafísico del proceso y al que se tiene desde larga lucha popular, el proyecto mismo de ‘la excelente cultura antigua popular’ diría Mao. (DUSSEL, 1996, p. 117).

No início do século passado, a educação popular esteve mais associada à necessidade de estender a educação a toda população brasileira. Assim foi se organizando dentro de sindicatos, igrejas, associação de trabalhadores, e sendo, portanto, uma educação de cunho popular.

Com o passar dos anos e em um novo momento social e político brasileiro, ela aparece com uma nova configuração,

Saviani esclarece que na primeira metade dos anos 1960 a concepção de Educação Popular sofre modificações e admite outro significado. ‘Esta Educação Popular emergente dos anos sessenta assume em seu entendimento a preocupação com a participação política das massas a partir da tomada de consciência da realidade. Dessa forma, a educação passa a ser vista como um meio de conscientização ‘do povo, pelo povo e para o povo’ criticando uma educação tradicional, entendendo-a como uma ‘educação das elites, dos grupos dirigentes e dominantes, para o povo, visando a controlá-lo, manipulá-lo ajustado à ordem existente’. (SAVIANI, 2008 apud MACHADO, p. 55-65).

Segundo Adriana Puiggrós, a partir dos anos 80 houve um movimento de saída do campo revolucionário e tradicional da educação popular em direção à problemática dos direitos humanos, estes que haviam ficado escondidos ou invisíveis nas décadas anteriores, diante da força dos discursos políticos doutrinários.

[...]. As problemáticas da mulher, dos indígenas, das crianças, dos refugiados, dos grupos de bairros e municipais, setores geracionais e outros, despontaram como sintomas de um processo de constituição como novos sujeitos políticos, que eram setores socialmente oprimidos desde antanho, mas necessitavam de voz própria nos discursos maximalistas do século. (PUIGGRÓS, 1994, p. 18).

Pode-se então entender que a educação popular,

[...] está umbilicalmente vinculada com os movimentos sociais populares. Ela é uma pedagogia do movimento no sentido de se integrar às lutas de quem busca construir novos territórios para viver e conviver. Por isso a educação popular é cada vez mais uma pedagogia indígena, uma pedagogia feminista, uma pedagogia negra, uma pedagogia dos sem-terra e sem-teto. Mas ela é também uma pedagogia em movimento na medida em que dificilmente ela se deixa enquadrar em esquemas teóricos clássicos. Ela corresponde à diversidade de tempos e de culturas que constituem o campo das práticas educativas. (STRECK, 2012, p. 192).

Partindo dessa premissa, a educação popular pode ser considerada uma educação mestiça, que surge a partir das vivências das classes populares, contestando os poderes hegemônicos, fazendo valer o seu saber respaldado pelas experiências milenares dos povos que compõem este continente.

Essa é também mestiça, bronca, gaúcha, marginal, surgida de um ato violento. A educação popular surge como alternativa político- pedagógica para confrontar-se com os projetos educativos estatais que não representavam ou afetavam os interesses populares. Pouco mais de vinte anos da Pedagogia do Oprimido, a qual codifica em uma frase uma história da oposição pedagógica, a educação popular segue inextricavelmente vinculada ao realismo mágico dos setores populares, e quem sabe, por isso mesmo, a educação popular é um dos marcos teóricos e práticos mais férteis da experiência latino-americana, e suas ressonâncias podem ser constatadas em realidades sociais distintas, fora da região do Canadá à África do Sul. (TORRES, 1992 apud GADOTTI, 1994, p. 8).