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CAPÍTULO 1 POLÍTICAS PÚBLICAS DE VALORIZAÇÃO

2. O CENÁRIO NACIONAL: POLÍTICAS PARA A VALORIZAÇÃO E CONSERVAÇÃO DA SOCIOBIODIVERSIDADE

2.1 BREVE REVISÃO DE POLÍTICAS REGIONAIS DE DESENVOLVIMENTO E OCUPAÇÃO PARA A AMAZÔNIA

Algumas ações e políticas públicas de desenvolvimento e ocupação da Amazônia trouxeram os principais desafios vivenciados hoje na região. Becker (2001) sintetiza os efeitos descrevendo as diferentes feições do Estado que acompanham o processo de ocupação desde o início do século XVII até os dias de hoje, determinando políticas e criando desafios relacionados ao planejamento regional. Três importantes elementos que contribuíram para o longo período de formação da região são destacados pela autora: 1) o retardo na ocupação em relação ao restante do que é o Brasil hoje e os grandes vazios históricos nesse processo. Ou seja, a ocupação se fez em surtos devassadores relacionados à valorização momentânea de alguns produtos no mercado internacional, intercalados com longos períodos de estagnação; 2) A ocupação da Amazônia se fez a partir de influências externas. Os interesses econômicos associados à geopolítica conseguiram o controle do território por um processo de intervenção em locais estratégicos (daí a explicação de um controle sob um território extenso que não possuía aumento de população, crescimento econômico e poucos recursos para assegurar soberania sobre a área). Fortes, ou estruturas semelhantes, foram construídos na

embocadura de grandes rios e seus principais afluentes; e 3) a experiência e o confronto de modelos externos e internos de ocupação territorial.

A implantação do Estado Novo, por Getúlio Vargas, define a fase inicial do planejamento regional. Alguns dos marcos políticos deste período foram a “Marcha para Oeste”, a criação da Fundação Brasil Central (1944), a inserção na Constituição de 1946 de um Programa de Desenvolvimento para a Amazônia e a delimitação oficial dos limites de fronteira da região. Em seguida veio a criação da Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA). Contudo, Becker (Ibid) destaca que essas políticas foram mais discursivas que ativas e, que ações concretas, que afetaram a região viriam com o governo de Juscelino Kubitschek, com a implantação das rodovias Belém-Brasília e Brasília-Acre.

A partir de 1966 se inicia o planejamento regional efetivo para a região. A ocupação da Amazônia assume papel chave por várias razões, dentre elas, uma solução para as tensões sociais internas decorrentes da expulsão de pequenos agricultores do Nordeste e do Sudeste em prol da modernização da agricultura. Os militares percebiam como de suma importância ocupar um espaço propício a focos de movimentos revolucionários e uma forma também de conter a migração de países vizinhos. Para este planejamento foram criados em 1966 o Banco da Amazônia (antigo Banco de Crédito da Borracha) e a SPEVA é transformada na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM (Ibid).

Aqui vale destacar que para o melhor entendimento de políticas regionais para Amazônia se faz necessário um olhar sobre a questão fundiária da região. Esta faz com o que os territórios ali construídos tenham em seu bojo a luta, muitas vezes pelo espaço territorial e outras com o próprio espaço e suas feições históricas, políticas, clientelistas, exógenas, impositivas, sociais e até mesmo ambientais.

Loureiro e Pinto (2005) esclarecem aspectos do complexo fundiário para a Amazônia e suas conseqüências, principalmente a partir dos anos de 1960, para o caos fundiário instaurado e que alarma a região Amazônia até os dias de hoje. Até 1960 a quase que totalidade das terras Amazônicas eram terras públicas ou livres. Essas terras eram ocupadas por milhares de pequenos posseiros (que não necessariamente possuíam o título da terra), como os extrativistas. Regiões consideradas atrasadas e países periféricos tinham dentre seus principais desafios à insuficiência de capitais produtivos e pouca infra-estrutura o que dificultava a atração de novos investimentos.

Desta forma, as práticas fundiárias na Amazônia que persistem até os dias de hoje podem ser resumidas, segundo Loureiro e Pinto (2005), em:

- venda de uma mesma terra a compradores diversos;

- revenda de títulos de terras públicas a terceiros como se elas tivessem sido postas legalmente à venda através de processos licitatórios;

- falsificação e demarcação da terra comprada por alguém numa extensão muito maior do que a que foi originalmente adquirida, com os devidos documentos ampliando-a;

- a confecção ou adulteração de títulos de propriedade e certidões diversas; - a incorporação de terra pública a terras particulares;

- a venda de títulos de terra atribuídos a áreas que não correspondem aos mesmos;

- a venda de terra pública, inclusive indígena e em áreas de conservação ambiental, por particulares a terceiros;

- o remembramento de terras às margens das grandes estradas federais, que em anos anteriores haviam sido distribuídas em pequenos lotes para fins de reforma agrária a agricultores e a posterior venda dos lotes, já remembrados, transformando-os em grandes fazendas de gado;

- mais recentemente, a venda de terra pública pela internet como se os vendedores fossem seus reais proprietários, com base em documentação forjada.

Muitas dessas terras foram vendidas com ocupantes tradicionais ou indígenas, o que caracteriza alguns dos freqüentes conflitos de terra para a região. Hoje a terra pública na Amazônia é facilmente confundia com terras privadas e se torna, como ressalta os autores acima, cada vez mais difícil distinguir uma da outra. Atualmente tem- se em alguns espaços da Amazônia, onde estão aglomerados de Terras Indígenas, Unidades de Conservação, assentamentos rurais, grandes proprietários de terras e pequenos municípios a beira de grandes estradas como a Transamazônica. O sul do Pará, por exemplo, passa por sérios conflitos fundiários, justamente, pelos habitantes dali caírem ou terem caído em uma ou outra das práticas mencionadas acima, ocasionando, infelizmente, o histórico de mortes e violência daquela região. Atualmente, existem exemplos inclusive de sobreposições de categorias de terras por parte do governo federal, sendo as mais emblemáticas as delimitações sobrepostas de Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

O governo militar no Brasil (1964-1985), visando a integração da região amazônica, adotou a política de oferta de inúmeros incentivos fiscais com o intuito de atrair para a região grandes empresários e grupos econômicos, estabelecendo assim um

novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia. Esses incentivos e vantagens estavam ligados à exploração mineral, extração madeireira e pecuária, atividades essas vinculadas à grandes extensões de terra, produtos primários ou semi-elaborados e pouco emprego.

Ao contrário do previsto, a infra-estrutura continuou baixa para região, pois, os grandes empresários eram estimulados, pelas facilidades legais, a comprar extensas propriedades de terra visando especulação imobiliária futura, ao invés de investir em infra-estrutura. Em face deste cenário o governo federal ofereceu a garantia de implementação de infra-estrutura como estradas, portos e aeroportos para a região o que gerou a devastação rápida das margens das rodovias existentes e a conseqüente explosão de conflitos de terra. O governo levou para região milhares de migrantes que após algumas das grandes obras da Amazônia não tinham nem como nem para onde voltar, aumentando assim a busca por terra e oportunidades (Loureiro e Pinto, 2005).

No resgate do histórico de ocupação de terras é válido evocar o mais importante evento da década de 1980, que foi a Constituição de 1988. Santilli (2005) descreve que a fase final do regime militar foi marcada pela emergência de vários movimentos sociais e populares. Nesta época um conjunto de temas permeava o cenário mundial (direito das minorias, igualdade de gênero, direitos das crianças, adolescentes, idosos e índios, reconhecimento da diversidade étnica e cultural, proteção ao patrimônio público, social, cultural e ao meio ambiente). Santilli destaca que a constituinte brasileira inovou em relação à tradição constitucional, possibilitando “novos direitos” que evoluíram para o que a autora denomina “direitos socioambientais”. Esses “novos direitos” têm natureza emancipatória, pluralista e indivisível, redimensionando concepções da própria ciência jurídica, doutrinariamente chamados de “direitos de terceira dimensão”, por serem de titularidade coletiva e não individual. A Constituição de 1988 marcou o início de uma nova orientação para as políticas sócio-ambientais brasileiras. Esta nova orientação reconhece o Brasil como país multicultural e pluriétnico.

A Constituição “assegurou aos índios o direito de permanecerem como tais, rompendo com a tradição assimilacionista e assegurando-lhes direitos permanentes. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas” (SANTILLI, 2005: 42). O reconhecimento às terras tradicionalmente ocupadas pelos índios redimensiona a ocupação de terras na Amazônia, tornando a demarcação das TIs obrigatória e forçando o próprio Estado brasileiro a rever seu ordenamento territorial para a região. Posteriormente, com a implementação do Sistema Nacional de Unidades de

Conservação em 2000 e a criação da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais em 2004 novas feições serão adicionadas à configuração fundiária da Amazônia.

De forma marcante para o desenvolvimento regional da Amazônia surge o Programa Brasil em Ação em 1996. Este programa consolida vetores técnico-ecológicos e vetores técnico-industriais, pois ao mesmo tempo em que planeja corredores ecológicos, com extensões de mosaicos de unidades de conservação, terras indígenas e reservas florestais planeja também corredores de transporte (rodovias, hidrovias e gasodutos que cortam a Amazônia oriental, central e ocidental). O programa orienta políticas públicas paralelas e conflitantes, caracterizando assim a atual fase de ocupação da Amazônia como uma incógnita (BECKER, 2001). As tentativas de ordenamento territorial para a grande extensão de terra abarcada pelas águas e terras amazônicas são várias e ainda carecem de maior articulação entre os próprios órgãos federativos responsáveis por tal coordenação e implementação18.

No processo empreendido pelo Estado Brasileiro para o desenvolvimento e a ocupação da Amazônia vale destacar a análise de Becker (2007) acerca das mudanças estruturais que ocorreram na região que influenciam os processos em curso e subsidiam reflexões para políticas para a região, e que sintetizam o acima exposto. A primeira mudança estrutural na Amazônia tem a ver com a conectividade. Até as décadas de 1950 e 1960 a Amazônia era uma grande ilha voltada praticamente para o exterior, desligada do território nacional. A partir dessa década o aparecimento de estradas e redes de telecomunicação permitiram a conexão com o território nacional e com o exterior, formando assim bases de parceiras que se organizam em várias escalas, do local ao internacional e por toda a Amazônia. A segunda mudança estrutural é de cunho econômico, pois apesar da característica de produção extrativista, a Amazônia atualmente possui uma base industrial relativamente importante para o país, tanto na produção mineral, quanto na produção de bens de consumo duráveis. A terceira mudança estrutural que nos fala Becker ocorreu na estrutura de povoamento, brevemente descrita acima. A estrutura que foi anteriormente construída ao longo de rios hoje é feita ao longo das estradas. Este fato mudou a configuração do desenvolvimento rural-urbano para a região. A Amazônia possui hoje 70% de sua população concentrada em áreas urbanas, que se caracteriza com um crescimento desordenado para a maior 18

Exemplos de algumas ações no sentido de ordenamento e conservação sócio-ambiental para a Amazônia são: ações do PPG7, PROBIO, PROAMBIENTE, CNPT, a criação do SNUC (MMA/IBAMA), Secretaria de Desenvolvimento Territorial (MDA) dentre outras visam hoje trabalhar com iniciativas sócio-econômicas e ambientais na Amazônia. Essas iniciativas têm como objetivo principal a conservação, no caso de ações do MMA, e a valorização dos potenciais socioeconômicos de diferentes territórios pelo MDA.

parte das cidades. Ressalta-se que as condições de moradia urbana, principalmente nas áreas periféricas dos grandes centros, são precárias em termos de saneamento básico, infra-estrutura de acesso e transporte.

Becker destaca que o mais importante em todos os processos que conduziram a tais mudanças estruturais é a modificação na organização da sociedade da Amazônia.

Essa é a base de todo processo e está ligada às grandes mazelas da região: as telecomunicações, a mobilidade do trabalho, a urbanização. O fato é que houve uma tomada de consciência enorme por parte da população, um aprendizado social e político, e a sociedade se organizou como nunca antes tinha se verificado, nem na região nem, talvez, no Brasil. Mesmo não conhecendo em profundidade as outras regiões do Brasil em comparação rigorosa, facilmente se constata a importância das mudanças na organização da sociedade civil na Amazônia: grupos sociais, projetos alternativos, movimentos socioambientais que, efetivamente, dominaram o cenário regional, especialmente no período entre 1985 e 1996, anterior aos programas governamentais Avança Brasil e Brasil em Ação.

A visão dessas mudanças estruturais ajuda, assim, a derrubar certos mitos sobre a região que, é importante destacar, também não se revela homogênea, nem na sua percepção interna, nem na sua percepção externa (...) as escala, percepções (...) estão ligadas a interesses e motivações diversas. (BECKER, 2007, p.25)

Os fatores que configuram a ocupação da Amazônia em termos de distribuição populacional, ordenamento urbano e territorial, concentração de fixos e fluidez de fluxos, condições de desenvolvimento social e cultural das populações locais, condições de acesso, seja via conectividade informacional ou via estradas e rios, são a base do cenário de atuação das políticas nacionais que a seguir detalharemos. Este pano de fundo para toda e qualquer iniciativa de desenvolvimento econômico, social, político ou sustentável deve ser considerado, pois indica os elementos possíveis, lacunas latentes e a própria escala de magnitude do que se pretende e quem pretende o que para a região. São vários os atores e os interesses que compõem a existência e atuação na Amazônia. As forças econômicas de grandeza internacional e interesses ainda não completamente mensuráveis para a região encontram povos e comunidades tradicionais que, com atuação em escalas locais, contribuem fortemente para a configuração do todo da Bacia Amazônica. Esse encontro de forças reflete o caráter não homogêneo de que fala Becker, e reflete também, como veremos adiante, a necessidade paradoxal de políticas suficientemente abrangentes e específicas, que atendam as comunidades locais, étnicas, urbanas regionais, e equilibrem as necessidades do desenvolvimento de maneira a torná- lo o mais sustentável possível.