• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 O MERCADO: PERSPECTIVAS DE VALORIZAÇÃO DE PRODUTOS E PRODUTORES LOCAIS.

3. OUTRA ECONOMIA

3.2 COMÉRCIO JUSTO / CONSUMO CONSCIENTE

O final do século XIX tem os primeiros registros, segundo Almeida (2006), de ações sistemáticas na Europa para o que vinha ser denominado fair trade (comércio justo). Essas ações, inicialmente, tinham caráter filantrópico que buscavam aproximar produtores pobres do sul com consumidores da Europa. Foi somente na década de 1960 que a noção de empoderamento de tais produtores, fortalecimento de suas capacidades produtivas e comerciais, foi consolidada e, a partir de então movimentos, idéias e ações se tornam mais visíveis e sob a animação do slogan “trade, not aid” organizações e instituições de fair trade se multiplicaram pelos países ricos.

Segundo Martinez et al (2000), em 1860, Max Havelaar publicou um manifesto de injustiças comerciais decorrentes do mercado de café entre Indonésia e Holanda, daí a origem do nome da primeira marca do comércio justo na Holanda. Nos Estados Unidos o comércio justo tem seu início nos anos de 1940 com o surgimento das primeiras organizações de comércio alternativo naquele país. A primeira “loja justa” do mundo foi aberta na década de 1960 na Holanda e marcou, significativamente, a expansão do movimento. Em 1987 foi criada a Associação Européia do Comércio Justo; em 1989, a Federação Internacional de Comércio Alternativo; em 1994 a Rede Européia de Lojas do Mundo (Ibid); e para o Brasil, em 2001 o Fórum de Articulação para o Comércio Ético e Solidário do Brasil. São todas organizações que buscam fomentar o comércio justo, a transparência nas relações, intercambio de informações entre os produtores e consumidores, dentre outros.

A Federação Internacional de Comércio Alternativo – IFAT é a organização que reúne uma rede global de organizações de comércio justo, sua missão é melhorar meios de vida e o bem-estar de produtores em desvantagem por meio da promoção e incentivo a relação entre esses e organizações de comércio justo, manifestando a necessidade de maior justiça no comércio mundial (IFAT, 2006). Segundo esta organização, o comercio justo é definido por uma parceria de comércio baseada no diálogo, transparência e respeito, buscando mais equidade no comercio internacional. O comércio justo, ainda segundo a Federação, deve contribuir para o desenvolvimento sustentável oferecendo melhores condições de comércio e garantir os direitos de produtores e trabalhadores marginalizados, especialmente em países do sul.

Segundo Frettel & Roca (2003), o comércio justo é a rede comercial de produção- distribuição-consumo orientada para o desenvolvimento sustentável e solidário, onde os principais beneficiados são os produtores excluídos ou em desvantagem, de forma a

impulsionar melhores condições econômicas, sociais, políticas, ambientais e éticas durante todo o processo, entendido aqui como preço justo para os produtores, educação para os consumidores e desenvolvimento humano para todos. Ainda de acordo com esses autores, o comércio justo está orientado para reconhecer e valorizar o trabalho e as expectativas dos produtores e consumidores, de forma a melhorar as condições de vidas. Para outros autores (ALMEIDA, 2006; GRAZIANO SILVA, 2003), o comércio justo almeja beneficiar igualmente consumidores pois, a relação produtor-consumidor é vital à dinâmica existencial do comércio justo.

Os princípios e objetivos do comércio justo estão baseados em um eixo de uma economia que se propõe mais solidária: desenvolvimento de novas formas de intercâmbio econômico, baseadas na solidariedade; cooperação como base e condição dos intercâmbios, fomentando a confiança, a transparência nas informações e relações justas e duradouras; sustentabilidade dos intercâmbios por meio da incorporação dos custos sociais e ambientais, pelos produtores e consumidores; desenvolvimento de maior equidade nas transações comerciais entre países do Norte e os do Sul, de forma a modificar a tradicional divisão internacional do trabalho; estabelecer relações mais diretas e solidárias entre produtores e consumidores; busca de maior humanização dos processos comerciais; igualdade de gênero, o trabalho e a contribuição das mulheres são justamente valorizados; capacitação, o comércio justo busca incentivar a independência dos produtores (MARTINEZ et al., 2000; FRETTEL & ROCA, 2003; IFAT, 2006)

São princípios e objetivos abrangentes e que, não deixando de reconhecer o esforço e o trabalho dessas organizações, ainda permanecem de longo alcance por falta de condições mais concretas de acompanhamento. Em termos de organizações de vendedores que fazem parte da IFAT, 29 são da Ásia, 14 para a África e apenas 2 para a América do Sul (uma cooperativa do Equador e uma associação de mulheres da Argentina). É um movimento ainda em surgimento e consolidação.

Neste tipo de comércio, justo, regras e mecanismos de fiscalização são necessárias, fator que desconhecido pelo comércio hegemônico internacional e que ainda domina a cultura política e social de relações. Um dos grandes desafios ao comércio justo é o estabelecimento e o cumprimento de regras em uma cultura comercial que não está habituada. Discursos em nome do comércio justo, solidário e ético com práticas não condizentes são possíveis de ser identificados em alguns dos casos de produtos comercializados sob a égide o comércio justo74, pretende-se, neste momento,

74

ressaltar os objetivos e princípios, e nos capítulos que seguem exemplificar, por meio de alguns casos, a referência e a realidade.

No Brasil, o comércio justo e solidário tem sido praticado de maneira desarticulada, segundo Almeida (2006), há pelo menos vinte anos, considerando projetos desenvolvidos por ONGs, cooperativas, organizações eclesiásticas, movimento de produção orgânica, redes de economia solidária e outros. Com a consolidação do Fórum de Articulação do Comércio Ético e Solidário do Brasil, ou FACES, que o movimento começou a trabalhar dentro de uma perspectiva de alcance nacional, contribuindo inclusive para a sistematização do Documento base de proposta para o Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário75.

Para Graziano da Silva (2003), um sistema de comércio justo no Brasil está relacionado, talvez, à única alternativa para garantia de segurança alimentar e nutricional de milhares de pequenos agricultores, artesãos, povos indígenas e comunidades tradicionais pois,

(...) traz em sua concepção e em sua idealização desde amplos conceitos de resgate e de valorização cultural até a criação de mecanismos formais de venda adaptados às características especiais decorrentes dos valores associados a esses produtos(...) será uma forma sustentável de promover a segurança alimentar através do estímulo à produção de alimentos tradicionais, ao trabalho artesanal e a práticas de produção não agressivas ao meio ambiente (Ibid, p.99). O aspecto da segurança alimentar relacionado à valorização dos produtos da Amazônia é de suma importância para esta discussão. Será demonstrado ao longo desta pesquisa que a diversidade de produtos da Amazônia que pode ser valorizada por instrumentos políticos e econômicos de abrangência internacional, pode ser vista como segurança alimentar e de existência para os produtores, extrativistas ou pequenos agricultores. A diversidade de produtos da Amazônia caracteriza a vida social e de existência das pessoas que lá vivem. Assim o comércio justo e a segurança alimentar devem ser pensados em conjunto para o cenário de valorização de tais produtos.

O comércio justo, ético e solidário não pretende reinventar a roda, como aponta Almeida (2006), em enfoques de desenvolvimento local, acesso a mercados, consumo solidário/responsável, manejo sustentável, responsabilidade socioambiental, dentre outras linhas de pensamento ou ação. Almeja, sim, influir no campo das transações

75

Em 2006 foi criado o GT Brasileiro de Comércio Justo e Solidário, composto de representantes governamentais e da sociedade civil para elaborar uma proposta de um Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário. Ver MTE, 2008.

comerciais. O momento da compra-venda é tido, como a materialização do encontro entre o projeto-vida dos produtores e a satisfação dos desejos e necessidades dos consumidores. Nas palavras de Almeida,

trata-se de um momento político em que se concretizam relações que podem gerar exclusão ou bem-estar; que podem provocar devastação ambiental ou o fortalecimento da natureza; que podem trazer o conhecimento libertador ou a informação fútil e manipuladora; que podem reforçar a solidariedade ou promover a desagregação social. Comprar significa fazer uma escolha política (Ibid, p. 236).

A relação produtor-consumidor, como central ao comércio justo, deve ser consistentemente trabalhada para a real efetivação de mudança ética nas transações comerciais e nesta própria relação. O mercado capitalista convencional faz com que muitos consumidores se sintam frustrados, usados, com muitas ou nenhuma perspectiva, estressados e os produtores por sua vez se sentem excluídos, esquecidos, explorados, isolados, famintos e ignorantes. Entre os dois, uma imensidão de marcas e sistemas complexos de produtos, imagens e valores. Os intermediários do comércio foram substituídos pelos intermediários da comunicação e do marketing, não havendo possibilidades de diálogos e trocas entre quem produz e quem consome. Ao buscar restabelecer tal relação, o comércio justo revive identidades coletivas, pois agrega interesses comuns de ambas as pontas e faz aflorar um novo sentimento de pertencimento em “identidades coletivas transversais” (ALMEIDA, 2006). Este ponto pode ser verificado em feiras de produtores da agricultura familiar ou pequenos artesãos que expressam grande entusiasmo com tais eventos, justamente, pela possibilidade de troca de conhecimento, encontros produtor-produtor, produtor-consumidor e consumidor- produtor e também consumidor-consumidor (ver capítulo 3). Ou seja, onde pessoas com desejos comuns e coletivos se encontram para compartilhar e realizar algo fora da esfera convencional frustrada e isolada do mercado.

Vale destacar alguns princípios norteadores do consumo solidário. Segundo Mance (2003), significa consumir bens ou serviços que, 1) atendam os desejos do consumidor, buscando realização do livre bem-viver pessoal, 2) promovem também o bem-viver dos trabalhadores responsáveis por determinado produto ou serviço, 3) mantém o equilíbrio ecossistêmico, e 4) contribuem para a construção de sociedades mais justas e solidárias. O consumo solidário emerge em um arado de modos de consumo, tais como, consumo alienado, consumo compulsório, consumo para o bem- viver e o consumo solidário (Ibid). Este último está diretamente relacionado com o consumo para o bem-viver, difere na extrapolação da preocupação individual para a coletividade. A noção de consumo solidário é de fundamental importância ao escopo

desta pesquisa, pois o momento final do processo produtivo, o consumo, determina, em vários níveis e formas, as demandas de produção. Assim, o pensar alternativas para valorização via certificações e comércio justo deve, necessariamente, ser acompanhado por uma reflexão acerca do consumidor. Segundo Bérard e Marchenay (2004) o consumidor não se reduz a uma entidade abstrata, sendo denominador comum para a questão de preferência alimentar em estratégias de ampliação de mercados para tais produtos.

O consumo solidário está também relacionado à noção de valorização e reconhecimento de territorialidades específicas. Segundo Flores (2004), a territorialidade é uma revelação de afirmação cultural que permite a criação de mecanismos que fazem produtos e serviços locais se manifestar como expressões claras da cultura territorial; ao chegar no mercado consumidor, a territorialidade valorizada pode recuperar a desgastada relação produtor-consumidor, pois agrega valores culturais, locais e ambientais. Desta forma, a territorialidade busca representar uma nova relação entre produtor-consumidor, criando uma capacidade de o produtor desenvolver, por sua responsabilidade com o consumidor, mecanismos de comunicação essenciais para sua presença no mercado. A revitalização da relação produtor-consumidor pode permitir a construção de novos elementos de competitividade e inserção no mercado, eliminando uma das grandes barreiras enfrentadas pelos pequenos negócios – a comunicação deficiente com o consumidor.

3.3 REDES

A concepção de redes é válida para o estudo de valorização da produção local por meio de identidade territorial, pois agrega dinâmicas vivenciais com a troca de experiências e conhecimento, refletindo assim a cooperação e a reciprocidade. São alguns os estudos empreendidos em tal concepção.

Essa concepção traduz a imagem de um tipo de organização horizontal e descentralizada, onde, segundo Juarez de Paula, cada núcleo participante é autônomo e capaz de iniciativas. “A força de uma rede depende da multiplicidade dos pontos de conexão. Quanto mais densa for a trama, quanto mais complexo for o tecido, maior será o fluxo de conhecimento e informação” o que resulta, conseqüentemente, em mais participação e controle social (DE PAULA, 2004, p.79). Este autor ainda coloca que o desenvolvimento de um território está intrinsecamente ligado à construção e multiplicação

de redes de atores locais, de cidadãos, protagonistas de mudanças políticas, econômicas e sociais; e, que as redes locais devem buscar conectar os atores (líderes) mais destacados no planejamento e gestão do desenvolvimento territorial.

Contudo, as redes possuem um aspecto paradoxal e ambíguo descrito por Milton Santos (2002):

As redes são virtuais e ao mesmo tempo são reais...a primeira característica da rede é ser virtual. Ela somente é real, realmente efetiva, historicamente válida, quando utilizada no processo de ação. As redes são técnicas, mas também são sociais. Elas são materiais, mas também são viventes...Animadas por fluxos, que dominam o seu imaginário, as redes não prescindem os fixos – que constituem as bases técnicas – mesmo quando esses fixos são pontos. Assim as redes são estáveis e, ao mesmo tempo, dinâmicas. Fixos e fluxos são intercorrentes, interdependentes. Ativas e não passivas, as redes não têm em si mesmas seu princípio dinâmico, que é o movimento social. Esse movimento tanto inclui dinâmicas próximas locais, quanto dinâmicas distantes, universais, movidas pelas grandes organizações. Ao mesmo tempo globais e locais, as redes também são unas e múltiplas... As redes são, pois, ao mesmo tempo, concentradoras e dispersoras, condutoras de forças centrípetas e de forças centrífugas (Ibid, p. 277- 278).

O célebre geógrafo continua sua reflexão:

Mediante as redes, há uma criação paralela e eficaz da ordem e da desordem no território, já que as redes integram e desintegram, destroem velhos recortes espaciais e criam outros....o fato de que a rede é global e local, uma e múltipla, estável e dinâmica, faz com que sua realidade, vista num movimento de conjunto, revele a superposição de vários sistemas lógicos, a mistura de várias racionalidades cujo ajustamento, aliás, é presidido pelo mercado e pelo poder público, mas sobretudo pela própria estrutura socioespacial. A noção e a realidade da rede provocam um sentimento de ambigüidade, cada vez que não consideramos o seu caráter definitivo, que é ser um híbrido, um misto. Ora, o papel dos mistos, no dizer de B. Latour (1991: p. 166-167), é exatamente o de unir as quatro ‘regiões’...: o natural, o social, o global, o local, de modo a evitar que ‘os recursos conceituais se acumulem nos quatro extremos...’ levando a que ‘nós, pobres sujeitos-objetos, humildes sociedades-natureza, pequenos locais-globais, sejamos literalmente esquartejados entre regiões ontológicas que mutuamente se definem e entretanto não mais se assemelham às nossas práticas’ (B. Latourm 1991: p. 167)” (SANTOS, 2002: p. 279).

A mistura de racionalidades, o que se pretende e será inevitável com a implantação de sistemas, por exemplo, de certificação, comércio justo e consumo solidário para a valorização de produtos da Amazônia, confronta e confirma o caráter uno e múltiplo das redes. Os sujeitos-objetos, sociedades-natureza interagem com instituições, valores de mercado e se definem na extinção ou continuidade de práticas individuais, coletivas, competitivas ou solidárias.

A noção de redes beneficia o entendimento das dinâmicas locais econômicas e conseqüente viabilidade de valorização dos produtos locais na medida em que reconhece os diversos espaços de interação vividos pelos produtores. Desta forma, vale trazer à luz os espaços de existência, ou mais precisamente, o espaço antropológico definido por Lévi (2003). Este autor aponta que as relações entre seres humanos produzem, transformam e administram espaços heterogêneos e entrelaçados; esses espaços vividos, que nascem das interações entre pessoas e entre outros espaços mais vastos, de escala institucional, de grupos sociais, de conjuntos culturais e que articulam elementos humanos e não-humanos de origens diversas, como sistemas de signos, dispositivos de comunicação, ferramentas, naturais, atômicos, dentre outros. Assim, seres humanos, não habitam apenas espaços físicos ou geométricos, vivem, simultaneamente, em espaços afetivos, estéticos, sociais, históricos, ou seja, espaços de significação em uma multiplicité d’espaces.

Os espaços, Terra, Território, Mercadorias e do Saber76, como descreve Lévi, compõem o espaço antropológico. São espaços de interesse para a presente discussão pois intuem e determinam atividades, modos de organizar, proximidades relacionais, sistemas de valores e de ideais. O espaço das mercadorias, em especial, deixa claro que a produção e as trocas sempre existiram, e o que tem se transformado, principalmente após a Revolução Industrial, é sua significação em torno de relações sociais e de interação. É um espaço ligado diretamente ao território e ao saber.

Este mundo primeiramente flutuante, disperso e inconsistente, para começar, a superfície e às margens da vida social. Mas conseguiu como resultado de uma extraordinária conjunção histórica reunir os membros dispersos: moeda, banco e crédito, populações policiadas, apesar da ausência de um grande império despótico, capitais e técnicas, mercados extensos, trabalhadores subtraídos aos campos, imaginário ou desejo coletivo(...) Esse novo mundo acaba crescendo sozinho, vivendo sua própria vida. Atravessando as fronteiras, abalando as hierarquias do Território, a dança do dinheiro traz consigo, em uma evolução acelerada, uma maré ascendente de objeto, signos e homens (LÉVI, 1994, p.118). O autor prossegue,

O Espaço das mercadorias é aplainado, mantido, aumentado por uma máquina desterritorializante, que se auto-organizou de uma só vez e a partir daí se alimenta de tudo o que encontra pela frente. Como o rei Midas que transformava inevitavelmente em ouro tudo o que tocava, o capitalismo transforma inelutavelmente em mercadoria tudo o que consegue incluir em seus circuitos. (...) O capitalismo só funciona graças 76

Lévi (2003) coloca o espaço do Saber como não existente, pois no sentido etimológico, uma u-topia, um não lugar; aquele que sempre existiu. Atualmente, pela força das mercadorias, o espaço do Saber se encontra submetido às exigências da competitividade e aos cálculos do capital. No Território, o Saber se subordina aos objetivos de potência e à gestão burocrática dos Estados.

ao Estado territorial (...) quando o espaço das mercadorias adquire autonomia em relação ao Território, ele não abole pura e simplesmente os espaços anteriores, mas sujeita-os, organiza-os segundo seus próprios objetivos (LÉVI, 1994, p.119).

Como pensar espaços de articulação que evitem a reificação das relações sociais e ecológicas, considerando as intenções de valorização e inserção de produtos da Amazônia em circuitos maiores de circulação e consumo? As redes, como vias mobilizadoras, coordenadoras e articuladoras de territórios e dimensões, pessoas e produções, podem ser alternativas viáveis a uma valorização endógena-exógena, criativa e que não reduzirá conhecimentos e saberes a meras mercadorias monetárias, e sim como objetos carregados de valores de origem, de uso, de troca e de existência.

Esta tem sido a aposta de alguns pensadores, como Sabourin (2002), que aponta que as redes contribuem para a orientação dos fluxos e das relações, no âmbito do território. Para este autor, a inter-relação entre grupos sociais e agentes econômicos e entre outros agentes locais está apoiada sobre processos de coordenação entre atores sociais que gerenciam fluxos de conhecimentos e informações. De tal modo, as redes e seus membros, podem ser levados a se posicionar de forma individual ou coletiva, via conflitos ou alianças, para tomarem decisões e aturarem. A coordenação do trabalho em rede pode implicar, segundo Sabourin, atores confinados ao espaço local, no caso da aprendizagem e da difusão de tecnologias de produção; mas também pode integrar intervenções externas para a mobilização de apoios financeiros, informativos e de capacitação para, por exemplo, negociar preços de produtos. Se realiza então a confrontação de atores e instituições que estão pouco acostumados a se encontrar ou dialogar, com diferentes expectativas, estratégias, racionalidades e valores. A superação de situações como essas supõem processos de aprendizagem coletiva destinados a elaborar representações comuns, de base no diálogo ou acordos. “As redes e as organizações sociais...contribuem ativamente para facilitar a construção de tais representações” (Ibid, p. 27).