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Estado do Acre Limites municipais

3. POLÍTICAS RELACIONADAS À FARINHA

3.1 CASAS DE FARINHA

Existem aproximadamente três mil casas de farinha para a região do Vale do Juruá. A grande maioria dessas casas foi construída de forma tradicional, ou seja, geralmente aberta, sem divisões internas, com cobertura de palha e chão batido. A estrutura, de água e eletricidade, para a maior parte é debilitada, e por vezes o acesso à água é manual e o motor utilizado para triturar a mandioca é movido à óleo diesel. Tais

estruturas influenciam na qualidade final da farinha, pois, como relatado por produtores resíduos de cascas e outras impurezas eram comumente encontrados nas farinhas. Como forma de amenizar esses atenuantes o governo do estado do Acre empreendeu uma das ações consideradas das mais estruturantes até então realizadas por um governo no estado, tanto em termos de impacto na produção quanto na comercialização da farinha.

A ação, chamada de Programa de Ampliação e Modernização da Produção de

Farinha de Mandioca no Vale do Juruá, teve como principal objetivo fortalecer a produção

de farinha de mandioca produzida pelos pequenos produtores rurais do Vale do Juruá por meio da construção e modernização de casas de farinha. Segundo um representante do governo, esta foi uma forma de apoiar a solidificação do mercado da farinha. O programa construiu ou modernizou mais de 340 casas de farinha ao longo de cinco anos. A proposta incluía o uso de uma casa de farinha por pelo menos 4 ou 5 famílias, onde uma cede o espaço na propriedade para a construção da casa e outras famílias também podem usufruir da infra-estrutura. O Programa iniciou em 1999, com a as chamadas casas de farinha modernizadas de primeira geração, depois vieram as casas de segunda e terceira geração. Essas diferem nas características de infra-estrutura contemplada para o sistema de produção (Tabela 4):

Tabela 4: Casa de Farinha e sistemas de produção modernizados Sistema de Produção Modernizado 1a geração (1999 – 2000) Sistema de Produção Modernizado 2a geração (2001 – 2002) Sistema de Produção Modernizado 3a geração (2003-2004) - Administração centrada no produtor com participação da família;

- Produção de 100

sacas/50kg/ano por família; - casa com cobertura de alumínio e chão em alvenaria; - Utilização de prensas com macaco hidráulico;

- Captação de água através de poço artesiano;

-Participação média de 04 famílias por casa de farinha; - As lavouras são implantadas em áreas de capoeiras; - Não são utilizados insumos agrícolas e controle de pragas e doenças;

- A aérea media de plantio da mandioca por família é de 3- 6ha, sendo que apenas 1ha é utilizado anualmente para a produção da farinha;

Todas as características do sistema de 1a geração e: - Taques de lavagem e trituração em alvenaria revestidos com lajotas; - Espaço físico maior;

- Cercas de proteção em tela de nylon;

- Implantação do Programa de Alimento Seguro.

Todas as características dos sistemas de 1a e 2a geração e:

- Utilização de prensas com fuso;

- Sistema de ventilação na parte superior da casa

- Parte da produção comercializada com a

CASAVAJ, sendo que a maior parte se faz por

intermediários.

120 casas 70 casas 152 casas

Fonte: adaptado de Oliveira et al. (2004)

É importante destacar, como apontou Melo et al (2006), que a tecnologia de fabricação da farinha é simples, mas que exige alguns cuidados durante o processamento que podem fazer diferença no produto final. As estruturas das casas de farinha modernizadas seguiram padrões de adequação que foram recomendados nos procedimentos de Boas Práticas de Fabricação ANVISA/MS e MAPA. Desta forma, as casas de farinha aumentaram a produção e diminuíram o desperdício. O programa como um todo, de acordo com alguns produtores, independentes de serem ou não membros da cooperativa, afirmam que as casas de farinha trouxeram “mais conhecimento” sobre formas de melhorar a produção e noções de administração. Na percepção dos produtores:

“a casa de farinha melhorou muito a vida do produtor. No comércio os compradores perguntam se a farinha foi feita nas casas antigas ou nas novas e querem a farinha feita nas casas de farinha nova. Então faz uma diferença.” (Produtor 1)

Os comerciantes de farinha, alguns produtores, também apontam benefícios resultantes do programa:

“ as casas de farinha que o governo fez foi bom porque trouxe mais qualidade para a produção. Antigamente encontrava pelo de gato, de cachorro, comida na farinha. Chegava nas casas de farinha tinha cachorro dormindo nos tachos onde torra a farinha. Foi bom que deu uma educação a mais para os produtores. A qualidade era muito ruim antes, agora está bem melhor. Essa foi uma coisa boa que as casas de farinha trouxeram. Foi bom também que trouxe luz para as áreas rurais. Mais conforto para os produtores que as vezes começam a farinhada de madrugada (1h ou 2h). Foi bom para o motor da ceva também que antes era a gasolina, fazia uma sujeira e sem contar a fumaça e o cheiro que ficava impregnado. Agora os produtores também ficam mais em suas casas, têm TV, rádio mais conforto, quase não vem para a cidade.” (Comerciante 1

e atravessador).

Destaca-se que a proposta de uma casa de farinha ser utilizada por 04 ou 05 famílias diferentes não ocorre como idealizado no Programa. Verificou-se, em algumas

casas de farinha da região de Mâncio Lima e Cruzeiro do Sul, que uma casa de farinha modernizada é utilizada apenas por uma família, a família que cedeu a área para construção da casa de farinha “comunitária”. Em ocasião uma família empreendia a farinhada em uma casa de farinha que pode ser considerada tradicional e com infra- estrutura fraca (água era trazida em baldes, o motor para trituração a óleo gerando fumaça e as cascas de mandioca, que atraem grande quantidade de moscas, estavam bem próximas à mandioca recém triturada) ao lado de uma casa de farinha considerada modernizada de 3a geração. Essa família poderia até utilizar a casa com maior infra- estrutura de produção, mas não o fazia porque o “proprietário” cobrava “muito caro”, 25% do total da produção, o dono da casa de estrutura tradicional cobrava 20%. Essa família iria vender as 4 sacas de farinha produzida por R$ 35103. A unidade familiar que predomina sobre todo o processo de produção da farinha pode influenciar este comportamento, pois, segundo o relato da família, apenas pessoas ligadas a família do “proprietário”, parentes, utilizavam a casa de farinha modernizada.

Uma técnica da SEAPROF esclarece que, “onde a casa de farinha foi construída,

o dono do terreno é o responsável pela casa e qualquer coisa que acontecer. Nas reuniões comunitárias ficou acertado que cada família que utilizasse a casa deixava uma quantia para esse fundo comunitário de manutenção da casa. Acontece que a concepção que predomina na comunidade é que a casa de farinha construída pelo governo é do dono do terreno onde a casa foi construída”.

Um produtor de farinha que possui uma casa de farinha modernizada relatou que recentemente essa farinha começou a ser mais valorizada, pois de início, a farinha, produzida com mais ou menos cuidados higiênicos era vendida pelo mesmo preço. Com o passar dos anos de implementação das casas de farinha modernizadas aliadas com a forte atuação do Programa de Boas Práticas os consumidores passaram a exigir uma farinha de maior qualidade. Os produtores de farinha de casas modernizadas, assim chamadas, buscam reconhecimento de mercado para a diferença entre a farinha produzida em casas tradicionais e modernizadas. Os produtores, principalmente os cooperados, como relata o presidente da Cooperfarinha, estão em processo de conseguir uma marca de qualidade.

“Eu não digo que daqui a cinco ou seis anos as outras pessoas não vão vender mais [farinha feita sem maiores cuidados higiênicos], mas a exigência está começando a chegar. No começo não tinha muito essa diferença, mas hoje já está tendo. O marreteiro 103

A saca de farinha, à época da pesquisa (maio e dezembro de 2007), estava sendo vendida entre R$40 e R$50, o valor depende do produtor, inserção no mercado e capacidade de negociação.

de Rio Branco que compra de outro marreteiro daqui não sabe da onde vem a farinha. E até nisso nós estamos encontrando dificuldade porque os grandes empresários querem comprar a nossa farinha como compra de qualquer um, de qualquer casa de farinha. Então é difícil a nossa luta para ter a nossa marca porque na hora que a gente conseguir essa marca, as outras casas de farinha, que são maioria delas 70-80% vão sofrer uma grande perda, eu acho que o governo sabe disso, muita gente sabe, então é por isso que a gente demora a conquistar a nossa marca e eu não sei nem se a gente vai conseguir. ”

(Produtor 1).