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Estado do Acre Limites municipais

3. POLÍTICAS RELACIONADAS À FARINHA

3.4 DIVERSIFICAÇÃO NA PRODUÇÃO

O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cruzeiro do Sul – STR/CZS, começou a discutir a necessidade de diversificação da produção de seus afiliados, considerando que a produção agrícola em Cruzeiro do Sul e na região do Vale do Juruá está praticamente concentrada na farinha. Apesar do conhecimento e manejo de diferentes variedades de mandioca, a produção para farinha está concentrada em quatro ou cinco variedades, em alguns casos duas ou três, que são utilizadas dependendo da disponibilidade de estacas, tamanho da roça e tempo para plantio e colheita (a variedade mansa-brava com seis meses já pode ser colhida, enquanto outras vão de oito a dez meses).

Existe uma preocupação com as formas que os trabalhadores tratam suas propriedades. Um produtora relata sobre as ‘roças cansadas’, ou ‘terras fracas’ que ficam para trás e não sabe-se o que fazer com essas áreas. Esta produtora descreve que em uma dessas áreas plantou capim e colocou 5 cabeças de gado, as outras estão abandonadas e nos dizeres da senhora “nem feijão cresce”, precisam de muito adubo. Esta mesma senhora aluga 1 hectare a R$300/ano em uma localidade distante de sua residência, aluga também um frete para buscar a mandioca em época de colheita, pois o carro de boi não chega mais e relata que “está cada ano ficando mais longe de ir buscar”.

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“ Se nossas terras aqui forem aradadas na época certa maio, junho você colhe mais e gasta menos porque esse período está fazendo verão, você planta ela e quando você for dar uma limpa já vai ter chegado o inverno e a roça já vai estar grande, aí você só vai dar uma limpa e vai colher ela, mas se não for aradada na época certa, for, digamos, aradada no final de setembro para outubro, você vai ter que dar umas quatro limpas e vai colher ela no cerrado. Cada limpa você gasta de R$150 a R$200 e se plantar no inverno ela dá menos 50% do que ela dá no verão, menos 50% de produção, no verão ela dá mais, carrega mais, custa mais nascer, mas quando nasce, brota ali, está tudo enraizadinha e no inverno logo ela brota, mas você pode arrancar que não tem nenhuma raiz ainda.” (Produtor 1)

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“o máximo de roças de mandioca que se tira de uma mesma área é três até o solo ‘enfraquecer’(...)aqui a Embrapa começou a trabalhar com uma área de pesquisa. Eles plantaram 25m2 com adubo e plantou outra sem adubo, esse ano eles vão tirar o experimento, se der certo tem um projeto para comprar adubo para as áreas que estejam a muito tempo sem dar nada, mas até agora que eu sei é isso. Eu estou sabendo que lá para a região de Rio Branco já está dando mais certo”. (Produtor 1)

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Um técnico informou a alguns produtores que se devolvessem as cascas de mandioca para o roçado essas serviriam de adubo para a roça em desenvolvimento. ”Todo mundo aqui sabe que ela da no primeiro ano e você tem que levar as cascas na roça verde, porque nos sabemos que se a gente jogar a casca de mandioca no pé de planta, seja ele qual for, com três dias ele está morto, porque ela esquenta, porque tem que ensinar que tem que ser depois de três semanas ou um mês que aí ela já está bem puba, mas se só jogar lá sem saber mata a roça toda”. (Produtor 1)

O presidente da Cooperfarinha preocupa-se com o local de plantio de roça em cinco anos e, é testemunha de várias roças abandonadas, terras degradadas que não recebem ‘nenhuma atenção’ para recuperação por parte do governo municipal ou estadual112. O acesso a insumos como calcário é difícil na região e defende que o governo poderia facilitar, subsidiar, tal aquisição113 para o trato no processo de regeneração da área degradada.

Segundo o presidente do Sindicato a maior parte das propriedades rurais produz farinha predominantemente. “Os produtores vendem farinha para comprar arroz, feijão e

milho, o que poderiam estar produzindo em suas propriedades. Produtos de subsistência, como o café, banana, açúcar gramixó, coloral, estão sendo comprados quando poderiam ser produzidos”. Na percepção do Sindicato, o trabalhador rural está ‘emperrado’ na

farinha e muito por causa do curto ciclo de produção e descrença de que não será bem sucedido em seu sustento por outras culturas de longo prazo.

O Sindicato atualmente está concentrando esforços para reverter a ‘monocultura’ da mandioca, incentivando a diversificação por meio de exposição de outras experiências na Amazônia que apostaram na agrofloresta e que estão crescendo e ganhando força114. Segundo o presidente do Sindicato, a produção de farinha hoje oferece prejuízo financeiro para o produtor que não contabiliza porque o produto tem garantia de mercado e retorno quase que imediato. Para o presidente, também produtor, “com certeza, nós

queremos é cada vez diminuir o nosso custo de trabalho e ganhar mais um pouco. Hoje num hectare de roça o produtor tem um prejuízo de R$350, da brocagem ou que seja aradado[terreno arado] mesmo até a colheita dela está no ponto para vender. Tem um prejuízo de pelo menos R$350 por cada hectare e isso pode quem quiser fazer pesquisa se ele dizer que não da é porque está escondendo alguma coisa, mas é daí para lá”.

O presidente do STR/CZS ressalta que praticamente todas as políticas públicas no Vale do Juruá de apoio aos produtores rurais estão voltadas somente para a farinha. Este fato foi corroborado por outros produtores quando afirmaram que “cultura maior aqui

é a mandioca mesmo, porque não tem outro incentivo para qualquer outro produto. ”

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O documento Plano de Intervenção em Áreas Alteradas em Mâncio Lima, faz breves menções ao tema, sem abordar com profundidade o problema.

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O calculo é de aproximadamente 500kg por hectare de roça abandonada (STR/CZS).

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No momento da entrevista o Sindicato em Cruzeiro do Sul estava em contato com a coordenação do Projeto Reca (Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado), articulando uma possível capacitação na região do Vale do Juruá. O Projeto Reca vem incentivando propriedades rurais à diversificação por meio de técnicas agroflorestais. Ver também capítulo 3.

E quando indagados acerca do interesse dos produtores em outros cultivares, uma das respostas obtidas segue,

“Tinha que o governo ter pessoas capacitadas para ajudar o produtor mesmo, se aqui

não deu certo, vamos para a planta de cana, de feijão, amendoim, alguma coisa outra para não ficar só na roça, porque aqui dá muita cana, mas não tem incentivo, tem três produtores aqui que plantam cana, mas não têm nenhum incentivo do governo, nada, nada, eles colhem 1500kg de açúcar, mas simplesmente só da idéia deles mesmo, se o governo fosse com eles no banco para conseguir um financiamento, assim como fizeram a casa de farinha, fazer um engenho, mas não vai (...) nós sozinho é mais difícil de conseguir.”

O presidente do Sindicato destaca a importância da confiança necessária para os produtores encararem novas possibilidades de produção, pois os riscos envolvidos em culturas que não são dominadas histórica e tecnicamente pelos produtores pesa na hora da escolha produtiva:

“Se tivesse mais exemplos outros seguem, se uma colônia fizer [plantar outras culturas] diferencia para outras, tem várias espécies de produtos além da farinha, que poderia incentivar os outros a confiar. Porque hoje a gente planta roça, mas porque nós tem prejuízo, mas na hora que você precisa consegue vender. Tanto faz o governo comprar ou não a gente consegue vender, todo mundo come, mas as outras coisas todo

mundo come também só que essas outras coisas precisamos de um técnico para ajudar nós a pegar o ritmo.”

A falta de confiança e assistência técnica que o presidente do Sindicato acima expressa é corroborada por um dos produtores: “a maior parte dos produtor planta só

mandioca mesmo, as outras coisa da pouquinho, não desenvolve muito. Não sabe né?!”

(Produtor 7).

Em demonstração de preocupação com a situação dos produtores, pois afirmava estar sensibilizado pela “pobreza e miséria que assolam a vida dos produtores de farinha” o presidente do STR/CZS decidiu elaborar um estudo orçamentário que inclui os custos e receitas com a produção de 1 hectare de farinha:

Figura 6: Transcrição da tabela sobre os custos de produçnao da mandioca. Elaborada por Franco Severiano de Melo Gomes (presidente STR/CZS), Agosto 2007.

Importante destacar que, apesar dos bons resultados atribuídos à qualidade da farinha após o início de implementação do Programa de Boas Práticas, Melo et al (2006) constataram que o impacto das adequações e o custo incremental gerado de aproximadamente 16% no custo total de produção, ainda não foi incorporado ao preço do produto final da farinha e não computado na tabela de valores acima descrita. Ou seja, o prejuízo dos produtores ao longo de um ano pode ser maior. Alguns custos que não foram incorporados pelo presidente do Sindicado, assim como observado por ele mesmo, são a mão-de-obra familiar, mesmo contando com auxilio de mão-de-obra contratada, a família sempre está presente durante as diversas fases de produção e o trabalho

geralmente não entra como custo, gastos com energia elétrica, lenha e água durante a farinhada. Vale esclarecer também que os valores exatos podem variar, de acordo com a infra-estrutura e a própria mão-de-obra utilizada pela unidade familiar. Algumas famílias possuem maior disponibilidade de mão-de-obra adulta e/ou infra-estrutura durante o processo produtivo. Algumas famílias alugam casas de farinha. A proximidade das unidades produtivas com o mercado em Cruzeiro do Sul também interfere nos custos do produto final, tanto para o transporte quanto para a comercialização, algumas famílias estão mais perto da cidade e algumas possuem parentes na cidade, o que facilita com custos de hospedagem durante os dias de comercialização.

O estudo Análise Econômica de Sistemas Básicos de Produção Familiar Rural no Estado do Acre – ASPF115 elaborado por Maciel et al (2007) observou o desempenho econômico para as regiões do Vale do Rio Juruá e do Vale do Rio Acre. Para os sistemas agrícolas familiares do Juruá considerou a seguinte participação dos municípios na coleta de dados: Cruzeiro do Sul (45%), Rodrigues Alves (24%), Marechal Thaumaturgo (13%), Tarauacá (10%) e Feijó (8%). O estudo identificou que a composição da renda nos sistemas agrícola e extrativista assim se perfaz (Figuras 7 e 8):

Figura 7: Renda Sistema Agrícola Figura 8: Renda Sistema Extrativista Fonte: Maciel et al (2007). Fonte: Maciel et al (2007)

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A pesquisa foi realizada no ano agrícola de 2000/2001, os valores que foram apresentados em 2007 foram corrigidos pelos índices de 2006, como informado pelo responsável pela pesquisa. Os resultados do estudo feito no ano agrícola 2005/2006 para o Vale do Juruá , diferente dos resultados para o Vale do Acre, ainda não haviam sido compilados e analisados até junho de 2008.

Em ambos os sistemas as famílias têm na farinha de mandioca o produto com maior expressividade para a contribuição da renda bruta, a farinha de mandioca pode ser vista como base de sustentação. Em síntese, para ambos os sistemas, a farinha de mandioca representa parte importante da renda bruta das Unidades de Produção Familiar (UPF) do Juruá, 46,67% para sistemas agrícolas familiares e 21,23% para sistemas extrativistas.

O desempenho econômico dos principais produtos segue descrito para sistemas agrícolas e sistemas extrativistas (Figuras 9 e 10):

Figura 9: Desempenho econômico para principais produtos do sistema extrativista. Fonte: Maciel et al (2007).

Figura 10: Desempenho econômico para produtos do sistema agrícola familiar. Fonte: Maciel et al (2007).

Em ambos os sistemas a renda líquida para a farinha é negativa, ou seja, na maior parte dos casos os produtores pagam para produzir farinha. Em síntese, para os dois sistemas, a renda bruta para a farinha de mandioca é de R$160,11 e a renda líquida é de menos (-)R$64,38. Desta forma e dadas as devidas proporções de escala e metodologia, os resultados desta pesquisa corroboram com o estudo elaborado pelo produtor de farinha e presidente do STR/CZ – a produção de farinha gera mais prejuízo

econômico que lucro para os produtores. A cultura persiste porque o produto é tido como item de segurança alimentar e de mercado garantido.

O que tem tornado a produção da farinha dispendiosa é o aumento dos custos com diárias, arado, combustível e transporte (áreas de plantio mais distantes do local de origem da família) e, mais recentemente, aluguel de áreas para roça. Existem alguns produtores, que por ‘capricho’, história e traquejo comercial conseguem vender a saca de farinha por preços bem acima da média calculada de R$40 (quarenta reais), chegando a R$ 80 (oitenta reais). Para esses produtores a farinha é um bom negócio. Ressalta-se que a grande maioria dos produtores de farinha vende sua produção ao preço médio de R$40, como averiguado no mercado municipal de Cruzeiro do Sul.

O estudo de Maciel demonstra a coerência da visão do presidente do Sindicato com o potencial de melhoria de renda com a produção de produtos agroflorestais. A figura 11 demonstra como a porcentagem de renda bruta para produtos agroflorestais vem crescendo significativamente na comparação entre os anos 1996/1997 a 2005/2006. Demonstra ainda o incremento no preço final da macaxeira após a implantação de políticas como as casa de farinha e o Programa de Boas Práticas:

Figura 11: Comparação de renda bruta entre os anos de 1996/1997 a 2005/2006. Fonte: Maciel et al (2007)

A figura 12 mostra, de forma sintetizada, a análise econômica por Unidade de Produção Familiar no Vale do Juruá:

Figura 12: Análise Econômica por UPF no Vale do Juruá. Fonte: Maciel et al (2007)

Este estudo é elucidativo na busca por meios eficazes de valorização da produção local com atenção especial aos produtos que sustentam modos de vida no Vale do Juruá, no estado do Acre e na Amazônia. A farinha é o produto que sustenta modos, histórias, famílias, comportamentos, hábitos e perspectivas, seja nas roças que continuarão ou em consórcios agroflorestais. O fato de importância para uma política efetiva de diversificação é que existem produtores, associados ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, interessados e já em movimento para aprender novos sistemas de culturas consorciadas, esperançosos com as possibilidades de sustento e demonstrando, como nenhum outro grupo de trabalhadores rurais demonstrou nesta pesquisa, de forma articulada, preocupação com a manutenção da floresta em pé.

A frase síntese do presidente do STR/CZS, “quem come farinha, come floresta...” mostra uma reflexão sobre os impactos da produção de mandioca sem planos de manejo adequados para as áreas produtoras. A farinha de Cruzeiro do Sul é reconhecida, pelo próprio presidente, como alimento importante para a população do Juruá e que carrega em sua essência a identidade da floresta do Vale. Contudo, a necessidade de adequação e remediação dos impactos causados e, mais importante, a abertura de possibilidades para diversificação mostra-se mais do que uma opção para geração de renda, e sim de segurança alimentar e nutricional dos pequenos produtores. O trabalho do Sindicato em

oferecer alternativas produtivas, fortalecendo a confiança dos pequenos produtores em investir e adquirir capacidade em plantios consorciados reforça princípios ecológicos de manutenção e incremento da biodiversidade e, em termos sociais, produtores podem contar com mais de um produto para sua segurança alimentar e de renda.